"A sustentabilidade da saúde é fundamental porque sem ela não há acesso, e, se não houver acesso, pode-se fazer a melhor investigação do mundo, desenvolver os melhores medicamentos e tratamentos, mas se beneficiar apenas 10% dos doentes não é um grande avanço. Aquilo por que me bato e pelo que se bate a Aliança Global contra o Cancro da Mama é que 90% ou mais dos doentes tenham acesso aos avanços da medicina nesta área", disse Fátima Cardoso ao receber o Prémio Saúde Sustentável - Personalidade 2021.

Fátima Cardoso nasceu em Moçambique e oito anos depois veio para Portugal com a família. Viveu e estudou na Amadora até ingressar na Faculdade de Medicina do Porto, pois sempre quis ser médica. Durante o curso descobriu a biologia do cancro, mas na escolha da especialidade, depois do curso e do estágio, ainda ponderou a cirurgia plástica, para a qual tinha jeito, e medicina interna, mas estava-se no "boom" da sida e achou que iria ser redutor. Além disso um conjunto de fatores levou-a para a oncologia. Em primeiro lugar, a ligação teórica, depois o facto de a oncologia se ter autonomizado da medicina interna e, finalmente, devido a uma das suas melhores amigas ter tido cancro da mama. Licenciou-se em Medicina em 1992 e em 1995 iniciou o internato na especialidade de Oncologia Médica.

O oncologista

"O oncologista está num equilíbrio entre a prática clínica, que tem muitas vezes más notícias para dar, e a investigação, como forma de avançar e poder oferecer soluções. A investigação é complementar e permite melhorar a prática clínica", afirmou Fátima Cardoso.

Como especialista em oncologia, Fátima Cardoso só trabalhou três meses no IPO do Porto. Fez o exame de especialidade em julho de 1995 e, em outubro, com uma bolsa da Liga contra o Cancro, já estava em Bruxelas na Unidade de Investigação de Translação do Instituto Jules Bordet com a professora Martine Piccart. Nessa altura, percebeu que podia fazer investigação com condições, ao contrário do IPO do Porto em Portugal. "Gosto de fazer investigação próxima do doente e isto definiu muito a minha carreira e a minha forma de investigação", revela Fátima Cardoso.

Em 2000, Fátima Cardoso passou um ano a fazer investigação básica nos EUA no Departamento de Oncologia Molecular e Celular do MD Anderson Cancer Center em Houston, Texas, com o professor Mien-Chie Hung, porque, na sua ótica, é importante compreender como é que se pensa no laboratório, se vai de uma ideia ao projeto e à inovação. Este conhecimento permite que a investigação transacional faça de uma forma mais célere a ponte entre o laboratório e os ensaios clínicos para que as descobertas cheguem aos doentes de forma mais rápida.

O regresso a Portugal

Regressou ao Instituto Jules Bordet onde esteve durante dez anos no Departamento de Oncologia Médica do Instituto Jules Bordet. Em 2010 foi convencida por Leonor Beleza, presidente da Fundação Champalimaud, para regressar a Portugal, tendo sido a primeira médica a ser contratada para o Centro Clínico Champalimaud. Fátima Cardoso voltou a Lisboa em outubro de 2010 e em 2011 a Unidade de Mama do Centro Clínico Champalimaud nascia. Em setembro de 2014, tornou-se Full Member of Breast Centres Network e, em maio de 2016, obteve a certificação europeia Breast Centres Certification (n.º 1025/00), que todos os anos tem de ser renovada, tornando-se assim a primeira Unidade de Cancro da Mama certificada em Portugal.

Fátima Cardoso tem as especialidades de oncologia médica e medicina interna e é uma especialista mundialmente reconhecida na área do tratamento do cancro da mama, refere que "se, em 1900, uma em cada vinte pessoas sofria de cancro, em cem anos o número disparou para uma em cada três pessoas, prevendo-se que, daqui a dez anos, venha a atingir uma em cada duas pessoas em algum momento da sua vida". Acrescentou que "as doenças do cancro são uma epidemia que não é contagiosa, mas atinge mais doentes e tem uma taxa de mortalidade mais elevada do que a de covid-19", afirmou Fátima Cardoso.

É presidente da Conferência Internacional de Consenso sobre Cancro da Mama Avançado (ABC) e da ABC Global Alliance e autora de cerca de 300 publicações e tem apresentado o seu trabalho tanto a nível nacional como internacional. Numa entrevista ao Cancer World em novembro de 2005, Fátima Cardoso dizia que amava a música, gostava de computadores, "sou um pouco geek", e também escrevia poesia.