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José Mendes Ribeiro: “Não é por fazermos muitos hospitais que melhoramos a saúde”

Portugal deveria construir um Orçamento do Bem-Estar, como por exemplo se faz na Finlândia, Nova Zelândia e Escócia, com a definição de agenda de futuro com três ou quatro objetivos.

12 de Novembro de 2020 às 12:45
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"Só 25% das situações com impacto na saúde têm a ver com a saúde, 75% relacionam-se com cidades saudáveis, na mobilidade, na descarbonização, na solidão das pessoas, se as casas têm um equilíbrio térmico, como tiramos as pessoas da pobreza", disse José Luís Biscaia, médico de família e diretor executivo AceS Baixo-Mondego.

Na sua opinião, Portugal deveria construir um Orçamento do Bem-Estar, como por exemplo se faz na Finlândia, Nova Zelândia e Escócia, com a definição de uma agenda de futuro com três ou quatro objetivos como, por exemplo, a resolução do problema da desigualdade ou da saúde mental, como é que transformo este país numa unidade produtiva inteligente.

"Depois discute-se com os vários atores como é que estes podem contribuir para esses objetivos em vez de dizer o cluster do automóvel, do medicamento, da saúde. Deve-se fazer ao contrário e partir dos objetivos estratégicos", assinala José Luís Biscaia, que afirma "hoje não quero discutir cuidados primários nem hospitais, quero saber como é que garanto a gestão integrada das pessoas no percurso em contexto de multimorbilidades? Como é que criamos a rede das farmácias, dos médicos de família, dos hospitais de serviço para dar esta resposta?". Assinalou ainda que é um equívoco fazer da transformação digital o grande objetivo estratégico. "É um instrumento e um meio para atingir, e a pergunta que deve ser feita não é o que é a tecnologia pode fazer mas o que é que deve fazer."

Doentes à volta dos silos

"Temos de pensar num Portugal mais além e mais à frente", afirmou José Mendes Ribeiro, economista, ISEG. Adiantou que "o icebergue da saúde tem escondido um tema muito importante, que é o da qualidade", que, na sua opinião, "vai ser o tema da próxima década".

Recordou que o instituto de medicina americano em 1999, fez um relatório que se chama "Errar é humano e como construir a maior segurança do paciente". Dava uma imagem fortíssima que era um Boeing 747 a cair todos os dias com 400 mortes provocadas pelo erro médico e o tema associado, que era segurança do paciente, e que tem a ver com a qualidade.

Sublinhou que "não é por fazermos muitos hospitais que melhoramos a saúde, é por ter capacidade de integrar os cuidados", e que "temos ideias boas, queremos um ciclo novo, com os fundos comunitários ficaremos com capacidade financeira, falta liderança para pôr no terreno a transformação".

"Quando centramos o sistema de saúde nas pessoas vamos chegar a mais e melhor saúde", referiu Sofia Crisóstomo, cocoordenadora do Mais Participação -Melhor Saúde. Alexandre Guedes da Silva, presidente da Sociedade Portuguesa de Esclerose Múltipla, partilhou da mesma opinião, dizendo que "a imagem da saúde em Portugal é o cidadão à margem dos silos, com a pandemia, o cidadão deixou de andar à volta dos silos, está em casa e, de vez em quando, recebe um telefonema de um dos silos".

Sofia Crisóstomo lembrou que "estamos a ouvir falar da construção dos mesmos hospitais que ouvíamos antes da covid-19 quando hoje nos relacionamos de uma forma completamente diferente com os hospitais, muitas vezes à distância. Será que alguém pensou se continuamos a precisar dos mesmos hospitais?"

Piscinas sem água

Acrescentou que se fala em aumentar as camas dos cuidados continuados, "mas ninguém quer ser institucionalizado se um dia tiver alguma perda de funcionalidade ou autonomia. E o próprio OE fala em verbas elevadas para mais camas e apenas uns dinheiros para os cuidados domiciliários. Não está na hora de desafiar os cuidados domiciliários?"

Esta opinião foi reforçada por Manuel Lemos, presidente da União das Misericórdias Portuguesas. Considerou que "temos de mudar o pivô do envelhecimento que agora tem sido o lar e as pessoas só querem ir para o lar, porque não têm segurança nas suas coisas e se precisarem de alguém não têm. Tem de se conseguir que o envelhecimento seja na casa das pessoas. Esta política pública não está a ser pensada e diz-se que vão fazer 10 mil camas de cuidados continuados, mas ninguém fala na exploração das dez camas. É como fazer dez mil piscinas vazias, sem água".

"Portugal não tem um único grande problema, mas tem 500 mil problemas que ninguém resolve e cada dia que passa acrescentamos mais uma complicação", sublinhou João Almeida Lopes, presidente da Apifarma.

Mas Fernando Araújo, presidente do Centro Hospitalar de São João, afirmou, de uma forma programática, as três dimensões para a saúde do futuro. A primeira é prevenção, em que há menos aposta, em termos de Orçamento do Estado, mas a que obtém mais resultados em saúde e de sustentabilidade de SNS.

A segunda dimensão tem a ver com a integração de cuidados "e o sistema ainda está muito disperso, limitado nas suas áreas e divisões, e esta integração a todos os níveis teria um impacto, do ponto de vista económico e de qualidade para os utentes, que é determinante", diz Fernando Araújo.

O terceiro aspeto coloca o utente no centro. "Muitas vê-se o nosso foco está em outras dimensões, mas o foco deve ser o utente e a forma como podemos prestar cuidados de saúde de acordo com as necessidades é fundamental."
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