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Manuel Sobrinho Simões: "A troika obrigou-nos a ser mais eficientes"

A austeridade fez menos mal à saúde do que à educação e à ciência. E a troika até injectou eficiência no SNS. Quem o diz é o cientista Sobrinho Simões, que venceu o Prémio Personalidade Saúde Sustentável.

20 de Julho de 2015 às 15:17
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Manuel Sobrinho Simões foi distinguido com o Prémio Personalidade na IV edição dos Prémios Saúde Sustentável.


Aos 67 anos, continua a ser um "dragão" de trabalho, a conduzir mal e a falar da profissão e de Portugal com uma paixão desarmante - "isto é muito engraçado", repetiu muitas vezes durante a conversa com o Negócios. Director do Ipatimup (Instituto de Patologia e Imunologia Molecular da Universidade do Porto), Manuel Sobrinho Simões é um dos mais prestigiados cientistas portugueses.

Características como a liderança, a descoberta de talentos, a importância da investigação, a capacidade para ganhar escala e o currículo científico valeram-lhe a atribuição do prémio Personalidade Saúde Sustentável. Olhando-se ao espelho, como é que avalia o trabalho que tem desenvolvido em Portugal?
Gosto muito de receber prémios. E ainda por cima por fazer aquilo que é minha obrigação. Pouca gente pode ter essa sorte. Quando me formei, apanhei uma fase muito boa. E depois surgiu o programa Ciência, o [antigo ministro, já falecido] José Mariano Gago, a JNICT (Junta Nacional de Investigação Científica e Tecnológica). E aí era-nos permitido tudo. Onde quero chegar é que eu tive uma sorte do caraças - que aproveitei bem - porque apareci no momento certo.

"É impossível que uma actividade de investigação científica não possa ser subsidiada."

"Acho que a saúde se aguentou muitíssimo melhor do que a educação e a ciência."

Afinal, o que é isso de saúde sustentável? Ainda recentemente afirmou ao Negócios que pertencia ao "antigamente" e que a actividade do Ipatimup "não pode dar lucro"…
Continua a não poder dar lucro. Isto é, não é possível fazer um instituto de investigação, como não é possível fazer um hospital ou uma universidade que se aguente com receitas próprias. Porque isso destrói a própria filosofia da instituição. O que pode é ser apoiado fortemente pelo Estado, pela iniciativa privada ou pela filantropia. A minha ideia de não dar lucro é no sentido de que é impossível que uma actividade de investigação científica não possa ser subsidiada.

E isso é compaginável com o conceito de saúde sustentável?
É sustentável desde que tenhamos a capacidade de fazer racionalização.

As áreas em que actua (Saúde, Ciência e Educação) têm sido das mais fustigadas pela austeridade. A passagem da troika por Portugal fez mal à saúde das três?
A saúde é a que está melhor, de longe.

Perfil
Mais velho de quatro irmãos, filho e neto de médicos, Manuel Sobrinho Simões nasceu no Porto, na freguesia de Cedofeita, há 67 anos. A família é de Arouca, onde costuma regressar no Verão. Licenciou-se em Medicina com 19 valores. E especializou-se em Anatomia Patológica, cinco anos depois, com nota 20. Criou o prestigiado Ipatimup, que ainda hoje dirige, em 1989. É professor em várias instituições, nacionais e estrangeiras, tendo já sido agraciado com muitas distinções. Casado, com três filhos, é autor de vários livros e artigos científicos. É adepto do FC Porto. Nunca teve jeito para desporto. Jogou hóquei no Vigorosa, mas foi sempre suplente... do guarda-redes!
Como é que avalia a política do actual Governo, no quadro da austeridade imposta pela troika, na área da saúde?
Foi mau, mas menos mau do que na educação e na investigação. (…) Talvez fruto da circunstância de o ministro ser mais experiente no terreno e das estruturas da saúde em Portugal serem fortíssimas - temos excelentes profissionais. Acho que foi sobretudo a qualidade dos profissionais que aguentou o "barco". E Paulo Macedo foi inteligente na forma como hostilizou o menos que pôde os profissionais, ao contrário do que aconteceu na Educação.

Faz então uma boa avaliação da acção de Paulo Macedo…
Não diria em termos absolutos, mas acho que a saúde se aguentou muitíssimo melhor do que a educação e a ciência. Na ciência, foi uma tragédia.

Paga-se cada vez mais para ter acesso ao Sistema Nacional de Saúde. Continua a fazer todo o sentido manter o SNS tendencialmente gratuito, geral e universal?
Para mim, o problema do acesso é o mais importante e é o que é mais difícil de resolver. Como é que conseguimos manter o acesso sem introduzir mecanismos que o diminuam? E se o sistema não estava bom, não ficou melhor por ter tido uma proliferação de unidades de saúde privadas.

"Acho que a saúde se aguentou muitíssimo melhor do que a educação e a ciência. Na ciência, foi uma tragédia."

"O problema é que nós somos uma sociedade minifundiária, corporativa e de contexto." 

O que faria?
A primeira coisa que eu faria seria uma grande remodelação da ADSE. Outra coisa: sou contra a promiscuidade público-privada, e aí o ministério podia ter ido mais longe. Porque aí existe a possibilidade de fazer economias de escala e de ganhar eficiência. Porque, apesar de tudo, assusta-me muito falar só em sustentabilidade sem falar em eficiência. O Sistema Nacional de Saúde beneficiaria muito se, porventura, fosse clarificada a tal relação público-privada.

É demasiado simplista concluir que, em sua opinião, o SNS é mais sustentável que eficiente?
Não sei se isso é verdade, mas é verdade que as pessoas se esforçam mais por querer que ele seja sustentável, esquecendo-se de discutir a sua eficiência. A saúde em Portugal tem sido mais sustentável que eficiente, só que, de repente, quando passou a ter a fragilidade da sustentabilidade, aflorou a eficiência.

Concorda então que, com o SNS já preocupado com a sua sustentabilidade, a troika trouxe mais eficiência ao sistema?
Eu acho que a troika obrigou as pessoas e as instituições a serem mais eficientes. É indiscutível. Mas não houve uma resposta sistémica - foi, como é costume em Portugal, uma resposta individual. E, portanto, há instituições que se safam muitíssimo bem e outras que não. Poder-se-ia ter utilizado os bons exemplos para tornar mais óbvio o que era preciso fazer. O problema é que nós somos uma sociedade minifundiária, corporativa e de contexto - toda a gente conhece toda a gente, toda a gente é prima de toda a gente, toda a gente é cunhada de toda a gente. E em Lisboa é pior [risos].


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"Era preciso suturar a cabeça. Entrei em pânico!"

É médico mas nunca viu doentes - no fundo, nunca exerceu Medicina…
Não, embora tenha feito sempre uma actividade de diagnóstico. Sempre gostei das doenças.

Não gosta de ver doentes?
Eu nunca gostei de ver doentes porque tive sempre a noção da subjectividade, do sofrimento que isso implicava - no limite, pode dizer que isto é uma espécie de demonstração de egoísmo. Se calhar é a mesma que me leva a não ter telemóvel, que também é puro egoísmo - não quero telemóvel porque não quero que me chateiem.

Era o medo do fracasso?
Era o medo de errar…

Ou seja, do fracasso…
Sim, claro - fracasso que, no caso da saúde, tem complicações para o doente. Eu lido mal com a incerteza. Escolhi então uma coisa que, apesar de tudo, é mais objectiva do que a medicina clínica.

Chegou a fazer cirurgia?
Nunca fiz qualquer cirurgia. Não tinha jeito de mãos. Eu guio muito mal. Seria um péssimo cirurgião. Cirurgia? Essa seria ainda mais assustadora. Nem gosto de dar injecções - dei muito poucas injecções durante a minha vida. No curso dei uma injecção porque a isso fui obrigado.

E na tropa? Era o médico responsável do Hospital Militar, no Porto…
Um dia aparece-me um militar, que tinha andado à pancada com um colega, com a cabeça toda aberta. O enfermeiro disse-me que era preciso suturar o homem. Entrei em pânico absoluto, mas não podia dizer ao enfermeiro que nunca tinha suturado uma cabeça. Quando o enfermeiro me viu a pegar na agulha para começar a coser, disse: "O senhor doutor sabe muito pouco disso. Está a ser hilariante! É melhor ser eu a coser." Não cheguei então a coser , felizmente para o "pobre" militar.

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