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Incluir através da arte

Criando uma iniciativa que promove oficinas artísticas para utentes com doença mental, o Hospital de Santarém conseguiu reduzir os reinternamentos dos participantes em 60% e melhorar a avaliação do estigma em 66%.

13 de Novembro de 2019 às 15:00
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Ao entrarmos na sala onde decorre o workshop de pintura, situada na Incubadora das Artes, no centro histórico de Santarém, percebemos que ali não há doentes, mas sim artistas.

Na sala repleta de telas em cavaletes e outros suportes artísticos, entre paletas de tintas coloridas, respira-se criatividade e esbatem-se os limites entre o que é a doença mental e a dita normalidade. Ali são todos iguais, unidos pelo mesmo interesse e onde os problemas, tais como o isolamento ou as dificuldades de socialização, ficam esquecidos durante aquelas duas horas de atividade. João Ferreira, professor de artes - que uniu a sua formação em Belas-Artes com o estudo da Psicologia - sente-se aqui como peixe na água. Explica que esta iniciativa tem impacto sobretudo a nível da socialização, já que interagir com outros utentes que sofrem das mesmas patologias é profundamente benéfico.

Trata-se de um projeto inovador na área da saúde mental levado a cabo pelo Departamento de Psiquiatria do Hospital Distrital de Santarém, que sentiu necessidade de um acompanhamento mais próximo dos utentes com doença mental grave que frequentam regularmente o Hospital de Dia.

A equipa que gere as oficinas deste projeto inovador na área da saúde mental, que já envolveu uma centena de utentes do Hospital Distrital de Santarém: José Freire, Teresa Massano, Marta Bacelar, Carla Ferreira e Ana Castelo.
A equipa que gere as oficinas deste projeto inovador na área da saúde mental, que já envolveu uma centena de utentes do Hospital Distrital de Santarém: José Freire, Teresa Massano, Marta Bacelar, Carla Ferreira e Ana Castelo.

Decidiram então, em 2016, avançar com a criação das oficinas artísticas, num desafio a que designaram de INcluir - OficINas Para Todos e Para Cada Um - com o objetivo de proporcionar um ambiente de criatividade, partilha e crescimento pessoal mediado pela arte, e proporcionar aos utentes uma melhor qualidade de vida e bem-estar mediante a aquisição de um conjunto de competências técnicas de pintura, escultura, desenho e BD. Assim, através da realização de workshops com grupos de 15 participantes por semestre, e com a duração de quatro horas semanais, foi possível integrar pessoas com doença mental grave (doença bipolar, a esquizofrenia e a depressão major), identificados no hospital, e ainda outros adultos e seniores sinalizados pela ação social da Câmara de Santarém e pela Santa Casa da Misericórdia como estando em risco de exclusão social.

"Em alguns casos, é apenas aqui que estas pessoas encontram motivação para sair de casa, pois sentem-se valorizados pelos pares e pelo professor", refere Ana Infante, presidente do conselho de administração.

Os bons resultados da iniciativa

Este projeto assenta ainda numa vertente de investigação que pretende avaliar o alcance destas atividades no bem-estar dos participantes. Ao longo destes três anos de iniciativa, em que já participaram 85 utentes - está agora a decorrer mais um workshop com 15, atingindo já os 100 no total -, pode verificar-se uma redução de 60% no reinternamento dos doentes com doença mental grave, e os participantes registaram uma melhoria de 66% na avaliação do estigma da doença mental. Foram já realizadas 192 oficinas artísticas indoor e oito oficinas outdoor envolvendo assim toda a comunidade.

Os utentes aumentam a sua autoestima e combatem o estigma da doença mental ao venderem as suas obras de arte.  Carla Ferreira
Enfermeira

Um dos nossos objetivos era reduzir o estigma associado à doença mental, e para isso era importante trazer o projeto para a rua, sendo aberto à comunidade. Ana Mendes Castelo
Psicóloga 


Importante também foi a realização de seis exposições em espaços públicos, já que "um dos objetivos era reduzir o estigma associado à doença mental, e para isso era preciso trazer o projeto até à comunidade", explica Ana Mendes Castelo, psicóloga envolvida no arranque das oficinas.


Os artistas podem ainda vender as suas obras - valor médio de 50 euros - cujo montante é repartido entre autor e a associação. "Necessitamos encontrar formas alternativas para o autofinanciamento, e a venda de obras é uma delas. Também a venda do livro de BD, feito por eles, com as suas histórias de vida, é importante para a sustentabilidade do projeto", refere Marta Bacelar, responsável pelo Departamento de Projetos. O livro, com o custo de 10 euros, pode ser adquirido no hospital ou através da página do Facebook da associação.

Nestas oficinas está sempre presente, além do professor, um técnico do Hospital de Dia, que acompanha os utentes em qualquer situação que surja. Carla Ferreira, enfermeira do departamento de psiquiatria e uma das principais dinamizadoras da iniciativa, afirma que "esta é uma importante ferramenta para combater o estigma". "Por vezes, temos de ser nós a motivar as pessoas a participar, mas elas estão sempre recetivas. Há exemplos de pessoas que nunca experimentaram as artes e descobrem capacidades que não sabiam que tinham", salienta. É disso exemplo Elisabete Gomes, que revelou um enorme potencial para a pintura. "Quando me sugeriram participar, aceitei mas sempre a achar que não ia conseguir. Afinal, fui surpreendida com o resultado e adorei", revela a utente que raramente saía de casa. Aqui, neste espaço artístico encontrou uma ex-colega de escola, Maria José, e retomou uma amizade antiga. "Já é a segunda vez que participo, o primeiro foi o workshop de pintura a óleo, que gostei muito. O convívio também me está a ajudar a falar mais com outras pessoas", explica Maria José.


Associação r.INseRIR
A favor da inclusão

Ao identificarem as necessidades dos utentes com doença mental, a enfermeira Carla Ferreira e a psicóloga Ana Mendes Castelo criaram, em 2016, a base deste projeto, e que viria mais tarde a resultar na constituição da Associação R.INseRIR. A esta iniciativa juntaram-se vários outros elementos do Departamento de Psiquiatria do hospital, como a enfermeira-chefe do serviço, Teresa Massano, empenhados em dar continuidade ao projeto INcluir - OficINas Para Todos e Para Cada Um, e procurar alargar, cada vez mais, o seu campo de atuação. Verificando, por exemplo, que nem todos os utentes apreciam estas formas de arte vão dar início, brevemente, a uma outra iniciativa semelhante, o IN Cooking, que atuará igualmente ao nível da autoestima e bem-estar, mas através da culinária.


Perguntas a Ana Infante
Presidente do Hospital Distrital de Santarém

"Projeto funciona como um catalisador"

Ana Infante diz ter orgulho pelos profissionais que levam a cabo este desafio, sobretudo pelo empenho e preocupação que demonstram pelos doentes que acompanham mesmo fora das portas do edifício.

100
Utentes
Desde que este projeto arrancou já envolveu uma centena de utentes do Departamento de Psiquiatria do hospital.

Como surgiu a ideia destas oficinas e qual o balanço que faz?
Este projeto foi promovido pelos médicos do Departamento de Psiquiatria do hospital e desenvolvido em particular com o empenho da enfermeira Carla Ferreira. Neste momento já passaram 100 utentes pelas nossas oficinas, e estes sentem-se valorizados, aumentam a sua autoestima, e temos verificado que os internamentos relacionados com as suas patologias têm diminuído. Esta é uma importante forma de combate à exclusão e de combate ao estigma da doença mental. É um projeto inovador que o hospital acarinha muito.

Como é feito o financiamento da iniciativa?
É um projeto conjunto, partilhado pelo hospital e pela autarquia, sendo que é esta que fornece o espaço, na Incubadora das Artes, e o material necessário. Depois temos uma equipa muito dinâmica, que com a ajuda da Marta Bacelar, responsável pelo Departamento de Projetos, procura todas as formas possíveis de financiamento.

Como encaram internamente este desafio?
Este projeto demonstra e reconhece o empenho dos nossos profissionais que ultrapassam as barreiras do hospital. Estão sempre a pensar no utente e conseguem envolvê-lo na comunidade. E isto é outra das mais-valias do projeto, pois funciona como um catalisador para todos os outros profissionais do hospital.


"Os vídeos dos projetos finalistas ficam disponíveis, a partir de 22 de novembro, em www.premiosaudesustentavel.negocios.pt"


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