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Hospital de Gaia/Espinho: Enfermagem precoce ao cuidador sem custos

A consulta ao cuidador no Hospital de Gaia/Espinho visa uma intervenção precoce junto das pessoas e o seu acompanhamento ao longo da doença do familiar. Já abrangeu 101 cuidadores.

11 de Outubro de 2018 às 14:50
O cuidador-tipo de um doente com demência no Hospital de Gaia é, em regra, do sexo feminino (esposa, às vezes filha ou nora e até neta) e tem, em média, 62 anos. Ricardo Almeida
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Aprender a relativizar. Álvaro Mesquita, professor aposentado, 84 anos, está lúcido e autónomo. Cuida da mulher, 77, com demência há 18. E, apesar de continuar a ir à quinta no Douro uma vez por semana para "espairecer", não abdica da Consulta de Enfermagem ao Cuidador que frequenta há mais de um ano no CHVNG/E. Nas sessões pode falar, "ouvir outros cuidadores e outras experiências". Acima de tudo, aprende a "relativizar".

Paula Rangel era, à data da criação da Consulta de Enfermagem ao Cuidador, enfermeira-chefe da Unidade do Serviço de Psiquiatria do CHVNG/E. Há muito que vinha percebendo o elevado número de casos registados semanalmente de cuidadores de doentes com demência em estado de sobrecarga, física, mas, sobretudo, emocional. Alguns, diz, "à beira da exaustão", o que fez soar os alarmes no serviço de Neurologia e Psiquiatria do hospital.

"Começámos a ter um grande número de doentes internados e chegámos à conclusão de que esse número tão elevado tinha que ver com a necessidade de haver um período de descanso para o cuidador." Estes, "muitas vezes não tinham a quem deixar o doente com demência, estavam com uma sobrecarga muito intensa, alguns deles já em exaustão". Pior. "Fomos verificando que era sistemático, todas as semanas tínhamos um caso novo, era preocupante". Foi aí que sentiram que "era preciso fazer algo, dar apoio ao cuidador". Porque, "para o doente, havia consultas, mas o cuidador estava sozinho".

Fernanda Castro, outra das enfermeiras envolvidas no projecto, desabafa: "Passou-me muita gente pelas mãos. Encontrámos cuidadores revoltados com a situação familiar. Muitos com stress elevadíssimo, muitas vezes têm dificuldade em reconhecer que estão a chegar ao seu limite e não são capazes de cuidar com qualidade."

A enfermeira Lília Viana complementa: "Quando a relação do cuidador é com um doente de quem não foi próximo ou de quem não foi amigo ou que lhe foi infiel ou o tratava com desprezo, por exemplo, surgem conflitos internos, sentimentos contraditórios que é preciso ajudar a gerir." Entraram em acção. Passaram a poder beneficiar deste programa todos os cuidadores de doentes com demência acompanhados no hospital. Objectivo: gerar benefícios para os pacientes, os cuidadores e o hospital. Trabalham, para já, com os doentes e respectivos cuidadores referenciados pelos serviços de Neurologia e Psiquiatria do Hospital, mas ponderam alargar aos de Medicina.

A abordagem psicoterapêutica faz-se em três momentos. Primeiro, as consultas de enfermagem individualizadas. Depois, são constituídos grupos fechados de psicoeducação, em que são abordados os sintomas da doença, as causas, o tratamento, a forma de lidar com as alterações físicas e comportamentais e a promoção da saúde do cuidador. Por último, são criados grupos abertos de auto-ajuda/suporte, onde são trabalhadas as situações emocionais vivenciadas pelos cuidadores e a forma de as enfrentarem, proporcionando apoio psicológico.

O segredo do sucesso é a "rentabilização dos recursos". Este é "um programa em que há mais ganhos do que gastos", diz Paula Rangel, explicando que "as consultas individuais ocupam as terças-feiras de tarde e as quintas-feiras de manhã em cinco sessões semanais". E todos os profissionais "prestam este serviço durante o seu horário de trabalho e dentro das x horas adstritas ao programa". Decorridos mais de cinco anos, os utentes cujos cuidadores estão incluídos no programa não tiveram nenhum episódio de internamento em 2017 e 2018.

Consultas para ajudar quem cuida 

A Consulta de Enfermagem ao Cuidador arrancou em Novembro de 2013 no Centro Hospitalar de Gaia/Espinho. É direccionada aos cuidadores dos doentes com demência através de uma abordagem psicoterapêutica envolvendo consultas de enfermagem individualizadas, a constituição de grupos fechados de psicoeducação e de grupos abertos de auto-ajuda/suporte. Até Dezembro de 2017, foram realizadas 649 consultas de enfermagem e abrangidos 101 cuidadores. Paula Rangel, à data enfermeira-chefe da Unidade do Serviço de Psiquiatria, está no projecto desde o arranque. Partilha funções, responsabilidades, preocupações, balanços e emoções com os enfermeiros Fernanda Castro, Lília Viana, Ana Silva e Ricardo Brito. 

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