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O Serviço Nacional de Saúde (SNS) sempre se foi aprofundando apesar das dificuldades, mas as atuais, na análise de Maria de Belém Roseira, "têm muito mais que ver com questões psicológicas do que com a falta de meios." A ex-ministra da Saúde entende que "há muito ruído na mensagem política, há falta de uma mensagem muito clara, de alguma estabilidade, que as pessoas possam integrar no seu projeto de vida, porque a insegurança gera sempre perturbação. Isto é o que mais me preocupa", reforçou Maria de Belém Roseira, durante o debate "10 anos de Saúde Sustentável: Contributos para o futuro da saúde em Portugal".
A ex-ministra considera que o ritmo de mudanças afeta as necessidades das pessoas e a organização e a maneira como se trabalha têm de se adaptar para a satisfação dessas necessidades que são hoje diferentes do que eram há quarenta anos. "Hoje, por causa do envelhecimento da população e da multimorbilidade a partir de uma determinada idade, precisamos de ter modelos de prestação de cuidados que obrigam a interligação a uma continuidade de cuidados e a uma colocação efetiva da pessoa no centro do sistema", assinalou Maria de Belém Roseira.
Saúde é direito humano
Maria de Belém Roseira citou António Arnaut, o pai do SNS, que "dizia que a questão da saúde e da sua universalidade é uma questão ética não é uma questão ideológica, é um direito humano. Portanto, dentro dos recursos que temos, e que não são ilimitados, temos de ver como jogamos os recursos privados, públicos e sociais".
Por sua vez, Adalberto Campos Fernandes criticou os fundamentalismos e os neofundamentalismos que assolam muitas ideias e formas de pensar a saúde. "Mas quem sofre e tem dificuldades de acesso precisa de respostas e não precisa de retórica proclamatória e espero que os novos tempos que aí vêm sejam tempos de aproximação das pessoas. O sistema de saúde e o SNS sobreviveram desde a sua fundação a todos os governos e a todos os ministros e a todas as provações, porque ele é feito pelas pessoas", sublinhou Adalberto Campos Fernandes.
Referiu ainda a questão de autonomia dos hospitais, que se coloca desde o governo de Passos Coelho, porque as Finanças em geral não confiam no Ministério da Saúde, e confessa que na sua passagem pelo ministério (2015-2018) não conseguiu que a responsabilidade fosse dada aos hospitais.
"O SNS fez com que um rico e um pobre tenham o mesmo atendimento, a mesma qualidade de tratamento e é isto que faz a igualdade e evita discriminação. Não podemos fazer um SNS para pobres porque será um SNS pobre, mas não podemos considerar nossos inimigos os que integram o sistema de saúde, porque a própria Constituição obriga a que nos articulemos, ou seja, regular e permitir que em caso de insuficiência seja atendida por outras partes do sistema", sustentou Maria de Belém.
Muros em vez de pontes
"Na apresentação da Autoridade Europeia de Preparação e Resposta a Emergências Sanitárias (HERA), o que se falou foi de colaboração, tal como a Organização Mundial da Saúde pugna. Não podemos ser uma sociedade partida que vive de muros em vez de pontes", afirmou Adalberto Campos Fernandes. Acrescentou que "hoje a Europa olha para a saúde como um setor estratégico e futuro, não apenas para proteção das pessoas mas também para a segurança dos próprios países. A ideia que a Comissão Europeia tem de começar a pagar preventivamente, mesmo que não haja serviços prestados, para que os grandes laboratórios e farmacêuticos públicos e privados estejam preparados, não só em termos de supply logístico, mas também de medicamentos, o que revela um outro ecossistema de pensamento", concluiu.
"A saúde precisa muito da economia e esta da saúde, vimos isto com a pandemia. Temos de aprofundar esta relação porque a saúde produz atividades e produtos de valor acrescentado que podem contribuir para a riqueza do país. Precisamos de ser mais ricos para ter mais receitas e ter um melhor SNS. Na saúde, temos recursos humanos altamente preparados, dos melhores do país e em cruzamento com as tecnologias, as engenharias, a informática. Tudo isto é um potencial de riqueza", defendeu Maria de Belém Roseira.
Assinalou que "a atual lei de bases da saúde só refere a interoperabilidade dentro do SNS e isso pode ser de uma grande ineficácia para o próprio SNS porque não conta com a dimensão privada e social. A interoperabilidade tem de ser garantida em todo o sistema porque é o cidadão o proprietário dos seus dados de saúde".