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A demência é uma doença cerebral adquirida, progressiva, que provoca défice cognitivo global, perda de autonomia e funcionalidade e que resulta da disfunção e da morte, lenta e progressiva, de células cerebrais. Estima-se que, no mundo, atinja cerca de 6% da população com mais de 65 anos, e em Portugal as estimativas apontam para a existência de 153 mil doentes, dos quais 90 mil com a doença de Alzheimer.
Este tema está cada vez mais na ordem do dia devido ao envelhecimento da população e, apesar de não ser uma doença exclusiva dos idosos, a sua incidência aumenta com a idade. Encontrar novas formas de enfrentar esta realidade é pois uma necessidade premente, conforme acredita Manuel Caldas de Almeida, médico e diretor clínico da unidade, que esteve na origem da criação desta UCCI. Foi ao exercer a sua atividade como médico que este responsável, atualmente membro do secretariado-geral da União das Misericórdias Portuguesas (UMP), se apercebeu da necessidade de criar um espaço especializado em demências, surgindo assim a Unidade de Cuidados Continuados Integrados Bento XVI. "Conseguimos ter uma unidade especializada, do ponto de vista arquitetónico e ambiental, com um método de trabalho próprio para cuidar de pessoas com demência", refere.
São vários os fatores diferenciadores desta unidade-modelo, que recebe utentes em média duração (até 90 dias) e longa duração (até 180 dias) e que assenta em princípios inovadores, conforme nos revela Catarina Cerqueira, diretora técnica da instituição, durante a visita que nos proporcionou às bem cuidadas instalações, inauguradas em 2013.
A estrutura do edifício, de base triangular e dotada de um jardim interior, é importante para este tipo de doentes - casos de Alzheimer, na sua maioria, mas também demências vasculares e degenerescência frontotemporal - que necessitam de cuidados redobrados. Assim, podem deambular sem nunca encontrar o fim, e o facto de ter um jardim interior dá-lhes a sensação de liberdade, podendo sair para o ar livre. Por outro lado, a porta de saída do edifício está camuflada propositadamente para não ser fácil encontrá-la. Códigos de cores, símbolos à entrada dos quartos, decoração aproximada aos lares, tudo são pormenores de um bom acolhimento. "Aqui tudo é pensado para orientar os nossos utentes", explica Catarina Cerqueira.
Equipa faz a diferença
Além da estrutura e ambiente do edifício, todo o cuidado humanizado prestado pela equipa multidisciplinar faz com que esta unidade seja reconhecida fora de portas. Entre os indicadores que motivam o orgulho da equipa está o facto de a larga maioria dos utentes escolher em exclusivo esta instituição, preferindo esperar até ter vaga. Também é motivo de orgulho a quase inexistente necessidade de recurso a contenção dos membros "o que quer dizer que o trabalho de controlo comportamental é feito de outra forma que não o uso da restrição dos movimentos. Se o fizermos tem de ser com uma justificação de medida excecional e autolimitada no tempo", conforme nos explica Liliana Miranda, enfermeira coordenadora. A equipa multidisciplinar, composta por médicos, enfermeiros, técnica de serviço social, terapeutas, fisioterapeutas, neuropsicóloga, entre outros profissionais, necessita estar sempre bem articulada, "havendo uma grande complementaridade entre os técnicos que fazem terapias e a prestação de cuidados nas 24 horas, para estarmos todos em sintonia", refere Liliana Miranda.
Quando dão entrada, os doentes são avaliados por todas as áreas, criando-se grupos de trabalho por categorias "É feita uma avaliação de base, tendo em conta o perfil cognitivo, o grau de declínio que já tem, bem como as capacidades mantidas. Isto vai permitir definir o que cada utente poderá trabalhar, aliado ao gosto de cada um e à capacidade de interação em grupo", explica Helena Pedrosa, neuropsicóloga. Estas atividades são integradas no plano global de cuidados do utente, tentando que estejam em diversas atividades de animação, pois todas têm um fundo de estimulação cognitiva global. Por exemplo, uma das atividades de vida diária (AVD) mais apreciadas, conforme nos revela a terapeuta ocupacional, Margarida Rodrigues, é o Café das Memórias. Realiza-se às terças-feiras, em quatro sessões com grupos de oito utentes que, enquanto bebem o café e comem bolo, vão falando das suas histórias e recordações.
"O trabalho dos profissionais desta casa passa muito por pegar nos conceitos técnicos e aplica-los através da humanização. Por vezes fazemos entrevistas para profissionais que tecnicamente são muito bons mas percebemos que não vão conseguir dar o salto para a filosofia que pretendemos", remata Helena Pedrosa. E é este tipo de cuidado que faz a diferença.
A figura
Manuel Caldas de Almeida
Diretor clínico e membro do secretariado-geral da União das Misericórdias Portuguesas (UMP)
O mentor deste projeto-piloto é Manuel Caldas de Almeida, diretor clínico e membro do secretariado-geral da UMP, que sonhou e fez a obra acontecer. Este profissional, inicialmente médico de família no Alentejo, começou a perceber que muitos dos seus doentes eram idosos e que, nessa altura, não tinha uma forma organizada para trabalhar com essas pessoas. "Apercebi-me de que era necessário ter métodos e espaços de trabalho apropriados para pessoas mais velhas. Com base nisso criei, em Mora, uma unidade que veio mais tarde a transformar-se numa unidade de cuidados continuados, para dar resposta a pessoas idosas com demências e fragilidades", afirma. Nessa mesma lógica, muitos anos depois, já como elemento do secretariado da União das Misericórdias começou a perceber as reais carências nesta área e, com base nisso, propôs ao governo de então, com o apoio do presidente da UMP, a criação de uma unidade em que se pudesse trabalhar a demência e conseguiu a aprovação do projeto em Fátima.
Catarina Cerqueira
Diretora técnica da UCCI Bento XVI
"Unidade tem uma vertente formadora"
Catarina Cerqueira orgulha-se de um projeto que já é uma referência.
Qual a origem deste projeto e porque é inovador?
Surgiu pela necessidade de encontrar respostas para pessoas com demência. Foi feito um acordo com a ARS de Lisboa e Vale do Tejo no sentido de a unidade ser integrada na rede, porém com critérios específicos. Arrancou em 2013 para perceber se faz sentido, se devem existir mais, que custos adicionais traria com os medicamentos, com os recursos humanos, para que as novas unidades já possam ter valores adequados. É também uma unidade que funciona com uma vertente formadora já que recebemos estágios e outras pessoas interessadas em aprender, e ainda recebemos muitas visitas técnicas de instituições que querem fazer projetos nas suas zonas e querem perceber o que podem ou não fazer.
É também uma unidade que funciona com uma vertente formadora já que recebemos estágios e outras pessoas interessadas em aprender, e ainda recebemos muitas visitas técnicas de instituições que querem fazer projetos nas suas zonas e querem perceber o que podem ou não fazer. catarina cerqueira
Diretora técnica da UCCI Bento XVI
Já foi replicado?
Não, ainda não. Por enquanto, como unidade de cuidados continuados existe apenas esta. Em 2015, a UMP criou o Vidas - Valorização e Inovação em Demências que é o desdobrar deste projeto, com três pilares principais, entre eles a formação, pois o que se percebe é que nas unidades o grande problema surge após a alta. O utente chega aqui, é estabilizado, é-lhe estabelecido o plano de cuidados e depois, quando tem alta, quem é que está preparado para continuar este trabalho? O projeto Vidas surgiu também para dotar alguns lares dessas competências.
"Os vídeos dos projetos finalistas ficam disponíveis, a partir de 22 de novembro, em www.premiosaudesustentavel.negocios.pt"