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‘Crescer a brincar’ ajuda a gerir competências emocionais

Projeto da Associação Prevenir em articulação com escolas do primeiro ciclo do ensino básico promove as competências sociais e emocionais das crianças envolvidas. Isto num contexto em que 10% a 20% das crianças e jovens em Portugal sofrem de algum tipo de perturbação psicólógica.

12 de Novembro de 2019 às 15:00
Ricardo Ruella
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A Associação Prevenir está localizada em São Domingos de Rana e tem projetos em 12 concelhos. Margarida Barbosa é a presidente da instituição e Inês Moirinho a assistente social que integra a equipa de especialistas que trabalham na associação.

É discreta e quase invisível, como se não existisse. A doença mental, alvo ainda de muita desconfiança e preconceito, não é palpável como uma perna fraturada ou uma ferida em sangue e é vista tantas vezes como sinal de fraqueza. Mas talvez algumas estatísticas ajudem a tornar esta problemática tristemente mais real: entre 10% e 20% das crianças e jovens em Portugal sofrem de algum tipo de perturbação psicológica, sendo que apenas 25% são referenciadas para algum serviço de saúde. O suicídio permanece uma das principais causas de morte nos jovens entre os 15 e os 24 anos. Os problemas de saúde mental são os que maior impacto têm na qualidade de vida das crianças e adolescentes e, simultaneamente, os que menos resposta têm em Portugal.

É contra esta realidade que a Associação Prevenir trabalha, através dos programas que desenvolve para crianças e jovens, de promoção de hábitos e comportamentos saudáveis para a prevenção e intervenção precoce. Até porque é na infância que podem surgir os primeiros problemas de saúde mental ou que se semeiam outros maiores, que só se manifestam anos mais tarde.

Tal implica trabalhar competências como a disciplina e o autocontrole, gerir emoções positivas e negativas, verbalizar sentimentos, resolver problemas e tomar decisões. Isto num contexto, o escolar, em que a aprendizagem formal é o foco central de tudo. Começando o mais cedo possível, pelo menos no 1º ciclo.

É nesse pressuposto que assenta o projeto ‘Crescer a Brincar’, um dos vários projetos que a Associação Prevenir desenvolve, de prevenção em meio escolar. O objetivo é que as escolas desenvolvam, em parceria com a equipa da associação, programas longitudinais, ou seja, durante os quatro anos do 1.º ciclo, com competências emocionais diferentes a desenvolver em cada ano. Destas faz parte o autocontrolo, a autoestima, a capacidade de gestão emocional, as competências sociais, a redução da agressividade e da a indisciplina.

A equipa da associação forma os professores, desenha os programas e vai acompanhando a sua implementação ao longo de cada ano letivo. Cada criança tem o seu manual e o professor também tem um próprio, todos editados pela Porto Editora e da autoria de Paulo Moreira.


Por regra o financiamento destes programas é assegurado por autarquias, sendo a câmara municipal de Cascais um parceiro por excelência da Associação. Há também algumas empresas, que querem ter projetos nas escolas das imediações das suas unidades empresárias ou fabris, e onde a Prevenir também implementa estes programas. "Fazemos intervenção em 12 concelhos", adianta Margarida Barbosa, presidente da Associação Prevenir. Esta psicóloga educacional explica que "idealmente começa-se no primeiro ano mas nem sempre; cada manual trabalha determinadas competências por ano, adaptadas ao ano em causa". No quarto ano, por exemplo, trabalham-se as emoções negativas ou a tomada de decisão, trabalha-se o saber dizer não, a gestão da pressão dos pares, o lidar com as emoções e previne-se o bullying.

"Há crianças que não têm emoções positivas a não ser na escola. Ali sentem que se cria um espaço de confiança", complementa Inês Moirinha, assistente social que integra igualmente a equipa de especialistas que trabalha na Associação. "Para além de criarem uma relação de confiança com a professora, criam também com os colegas. Sabem que há outros meninos que sentem o mesmo. Constroem um grupo de confiança com os pares", acrescenta. Em Lisboa está também Marta Costa da Cruz, psicóloga clínica. No Norte, está outra psicóloga.

Ao trabalhar a parte emocional, e dado o seu impacto na componente cognitiva das crianças, contribui-se também para uma melhor aprendizagem escolar. Há depois outro lado, que não sendo o foco principal, também é um benefício a retirar deste tipo de programas, refere Margarida Barbosa: "ao fazermos uma intervenção de saúde mental, poupa-se muito dinheiro mais tarde".


1.183
Alunos
Número de crianças abrangidas pelo projeto "Crescer a Brincar". Quatro anos depois todos revelaram melhorias.



A responsável adianta que, "durante o seu primeiro ciclo de implementação (do 1º ao 4º ano) de 2002 a 2006, foi efetuado um estudo de eficácia a nível nacional, em doze concelhos (Amares, Braga, Cascais, Fafe, Guimarães, Lisboa, Monção, Oeiras, Póvoa de Lanhoso, Vila Nova de Famalicão, São João da Madeira e Valpaços)".

De um total de 1.702 alunos, 1.183 foram alvo do programa Crescer a Brincar. Quatro anos depois, revelaram melhorias em todas as variáveis analisadas, ou seja, no autocontrolo, comportamento, diferenciação emocional e aceitação dos pares, diferenciando-se dos alunos que não tinham participado do programa.


A figura
Lorena Crusellas
Fundadora da Associação Prevenir

Foi numa colaboração com o Observatório Europeu da Droga e da Toxicodependência (OEDT), que trouxe Lorena Crusellas a Lisboa, que a socióloga espanhola se deparou com as carências existentes em Portugal na área da prevenção da doença e promoção da saúde, nomeadamente mental. Cruza-se com o psicólogo Paulo Moreira, que tinha já desenvolvido um manual para crianças do primeiro ciclo e possuía a ambição de criar programas a nível europeu nesta área da prevenção. Em 2002, criam, para esse mesmo efeito, a Associação Prevenir, destinada a desenvolver programas de promoção de comportamentos saudáveis e prevenção de comportamentos de risco. A ONG tem hoje uma delegação em Espanha, a cargo, precisamente, de Lorena, que entretanto regressou ao seu país natal. À frente da Prevenir, em Portugal, está hoje Margarida Barbosa. Um dos programas que desenvolve é o Crescer a Brincar.


Margarida Barbosa
Presidente da Associação Prevenir

"Resultados são melhores com os professores"

Porque são os professores que trabalham estas competências com crianças e jovens?
Está provado que os resultados são melhores com os professores do que se forem técnicos externos, sobretudo na primária. Depois, sendo o professor a implementar, pode fazê-lo consoante funcionar melhor. E são programas que ajudam a trabalhar várias matérias.

Não há resistências?
Desde 2002, nunca tivemos um professor que dissesse: "eu não quero dar continuidade a isto". E se o professor não aderir não resulta. Os professores gostam porque os ajuda a detetar situações e a trabalhar os miúdos em sala. E também se trabalha a gestão emocional do próprio professor.

Dê-me um exemplo?
Quando fazemos o acompanhamento nas escolas e estamos muito presentes detetam-se, de facto, situações de risco. Recordo-me do caso de um aluno que, porque estávamos a falar do sentimento de tristeza, de repente conta uma história que aconteceu em casa. Ou de uma aluna que, numa dada temática desenvolvida no manual, perguntou quem tinha escrito o livro. "O autor sabe mesmo como eu me sinto. É mesmo assim que eu me sinto", desabafou. E conseguem assim verbalizar sentimentos.

Trabalham sobretudo em escolas ditas problemáticas?
As câmaras que nos procuram são transversais. Não são necessariamente as escolas problemáticas. Todas as crianças enfrentam estas problemáticas.


"Os vídeos dos projetos finalistas ficam disponíveis, a partir de 22 de novembro, em www.premiosaudesustentavel.negocios.pt"


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