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Com mais dinheiro deve pedir-se mais resultados

Quem pede mais recursos tem de ser obrigatoriamente mais eficiente, porque o dinheiro que se gastou em excesso numa determinada área é dinheiro que faz falta em outros setores, defende Adalberto Campos Fernandes.

28 de Outubro de 2022 às 18:00
Painel de debate “A Saúde Baseada em Valor” contou com a participação de Adalberto Campos Fernandes, Altamiro Costa-Pereira e Rui Guimarães. Mariline Alves
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"Vamos interromper esta ideia perigosa de que o problema do SNS é a falta de recursos, que fez com que, entre 2015 e 2022, tivéssemos passado de um orçamento de 9 mil milhões para 15 mil milhões de euros, com menos atividade e com menos resultados", afirmou Adalberto Campos Fernandes, professor da ENSP NOVA, presidente da administração do Hospital da Cruz Vermelha e membro do júri do Prémio Saúde Sustentável, durante o debate "A Saúde Baseada em Valor", na 11.ª conferência do Prémio Saúde Sustentável, uma iniciativa da Sanofi e do Jornal de Negócios, tendo como knowledge partner a NTT DATA.

Na sua opinião, quem pede mais recursos tem de ser obrigatoriamente mais eficiente, porque o dinheiro que se gastou em excesso numa determinada área é dinheiro que faz falta em outros setores. E citou o professor João Lobo Antunes, que dizia: "O que me preocupa não são os recursos que gasto para os meus doentes, são os recursos que gasto a mais para os doentes dos meus colegas." Mas depois Adalberto Campos Fernandes concedeu que nesta espiral de crescimento da despesa, que não tem uma ligação direta com os resultados assistenciais e com a resposta, há uma parte "que vai claramente para a inovação que é cara e que todos os anos aporta valor aos cuidados de saúde". E adiantou que "a experiência do doente, que precisa e não tem cunhas, não a estamos a resolver".

Sem dinheiro nem cunhas

Rui Guimarães, presidente do Conselho de Administração, Centro Hospitalar Vila Nova de Gaia/Espinho, falou desta experiência do doente que muitas vezes não tem as respostas que o sistema deveria dar no tempo certo. Salientou que "é possível na área de integração de cuidados primários de saúde e dos hospitalares colocar o sistema ao serviço da pessoa e não o contrário". Mas até agora, "as pessoas que foram dez vezes à urgência do hospital foram dez vezes aos cuidados de saúde primários, e são estas as gorduras possíveis de eliminar, dando sentido ao percurso dos doentes".

É possível na área de integração de cuidados primários de saúde e dos hospitalares pôr o sistema ao serviço da pessoa e não o contrário. Rui Guimarães
presidente do Conselho de Administração, Centro Hospitalar Vila Nova de Gaia/Espinho
Acrescentou Rui Guimarães que "não é uma questão puramente económica, muitas vezes sinto que o dinheiro já está no sistema. Nós muitas vezes duplicamos e exageramos nos cuidados de saúde, mas não lhes estamos a dar saúde, como, por exemplo, com o absurdo consumo de urgências hospitalares no nosso sistema e que gasta muito dinheiro aos nossos contribuintes."

Temos de nos focar no direito do acesso, que são direitos constitucionais, direitos sociais importantes e relevantes. Ou conseguimos pela via pública assegurar todas as respostas a quem precisa ou temos de pedir ajuda ao setor social e privado sem nenhum tipo de constrangimento. Adalberto Campos Fernandes
professor da ENSP NOVA, presidente da administração do Hospital da Cruz Vermelha
Segundo Adalberto Campos Fernandes, estas ineficiências geram um país a duas velocidades. Um com 5 milhões de portugueses que têm segundas e terceiras coberturas porque têm um seguro de saúde ou a ADSE, e outro em que "temos cinco milhões de pessoas que não têm dinheiro nem cunhas". Na sua opinião, "temos de nos focar no direito do acesso, que são direitos constitucionais, direitos sociais importantes e relevantes. Ou conseguimos pela via pública assegurar todas as respostas a quem precisa ou temos de pedir ajuda ao setor social e privado sem nenhum tipo de constrangimentos".

O SNS tem capital de confiança junto das pessoas

Adalberto Campos Fernandes referiu que "temos um dos melhores sistemas de saúde da Europa e um dos melhores do mundo, temos uma formação médica de excelência, que nos posiciona no top 10 da Europa na qualidade médica. Temos tudo para fazer bem, com as limitações económicas e de recursos que temos".

"A descontinuidade das políticas é assunto muito sério que não pode acontecer, tem de haver um consenso mínimo estratégico na saúde para o país como há para a defesa nacional, a educação. Depois há políticas de conjuntura que são da maioria que está de serviço", sublinhou Adalberto Campos Fernandes.

Confessou que tem uma grande expectativa no trabalho de Fernando Araújo, o novo diretor executivo do SNS, que foi seu secretário de Estado quando liderou o Ministério da Saúde entre 2015 e 2018, e do novo ministro da Saúde, Manuel Pizarro. "Com 15 mil milhões de euros, com estabilidade política, com um ministro que é politicamente experiente, que sabe negociar e falar com os stakeholders, que conhece a vida dos hospitais, em diálogo é possível dar aos hospitais a autonomia de que eles precisam. Não interessa a cor do balcão, os gestores têm de entregar os resultados que contratualizam e a satisfação dos clientes se a pessoa saiu curada ou melhorada e foi tratada como pessoa, porque querem ser tratadas com dignidade no tempo certo, pelos profissionais adequados".

Não destratar o SNS

Por sua vez, Rui Guimarães rememorou que o SNS teve um grande desempenho durante a pandemia, em tempos difíceis em que "muitas pessoas privilegiaram o seu serviço público, a sua missão, em alternativa a estar em casa com as próprias famílias, e isso não é reconhecido devidamente". Assinalou que, apesar das dificuldades operacionais que existem no terreno, é também preciso reforçar que, apesar de tudo, o SNS continua a ser o principal prestador de serviço de saúde e que, muitas vezes, resolve aquilo que atingiu o limite dos outros parceiros.

"O SNS tem um enorme reconhecimento da população. Era importante que nós, que temos um papel importante nas organizações, não alimentemos muito a forma de destratar o SNS, porque estamos a destratar os doentes que precisam, estamos a criar um clima de desconfiança em relação aos cuidados, e estamos, também, a descredibilizar o próprio sistema. Não devemos contribuir para retirar o capital de confiança que as pessoas têm no SNS", afirmou Rui Guimarães.

O Sistema Nacional de Saúde tem a receita eletrónica porque foi a Faculdade de Medicina do Porto que fez a informatização das bases de dados de medicamentos do Infarmed. Altamiro Costa-Pereira
diretor da Faculdade de Medicina da Universidade do Porto
Adalberto Campos Fernandes referiu que "temos um dos melhores sistemas de saúde da Europa e um dos melhores do mundo, temos uma formação médica de excelência, que nos posiciona no top 10 da Europa na qualidade médica. Temos tudo para fazer bem, com as limitações económicas e de recursos que temos."

As queixas da Faculdade de Medicina do Porto

"O Sistema Nacional de Saúde tem a receita eletrónica foi porque a Faculdade de Medicina do Porto fez a informatização das bases de dados medicamentos do Infarmed", afirmou Altamiro Costa-Pereira, diretor da Faculdade de Medicina da Universidade do Porto. "Foi um trabalho muito bem feito que ainda continua hoje a funcionar, mas foi mal pago. O verdadeiro preço que tivemos de pagar, por termos feito um bom trabalho, foi nunca mais pormos os pés no Infarmed nem em Lisboa."

A Faculdade de Medicina do Porto tem uma unidade de fármaco-vigilância há muitos anos, "é certamente a melhor, e deram-nos um prémio que foi deixarmos de fazer o Norte e ficarmos apenas com o Porto". Mas as queixas de Altamiro Costa-Pereira não ficam por aqui. Recentemente, o consórcio formado pela ESEP - Escola de Enfermagem do Porto, Faculdade de Medicina do Porto (Universidade do Porto) e Escola Superior de Saúde do Porto (Instituto Politécnico do Porto) apresentou, no âmbito do PRR, um programa, que se chama IP Alliance, para se treinar equipas conjuntas de médicos, de enfermeiros e outros profissionais de saúde em sistemas de simulação, como se faz na aviação. "Pedimos na altura cerca de 15 milhões, recebemos 200 mil euros".

Como financiar a eficiência "Não é tabu que o custo de um doente tratado na região de Lisboa ou na região do Norte é substancial diferente, com menos custos nesta, há uma margem muito grande", referiu Rui Guimarães, presidente do Conselho de Administração, Centro Hospitalar Vila Nova de Gaia/Espinho. Assinalou que se continuam a alimentar muitas gestões ineficientes durante anos e isso tem um preço a pagar-se tanto financeiro como moral. Em termos financeiros é um custo de eficiência e custa dinheiro a todos, por outro lado, "as tropas perdem completamente a vontade de fazer mais e melhor quando não se tem um bom exemplo".

Se um hospital não pode deixar de receber o financiamento, porque, como diz Adalberto Campos Fernandes, "não passa pela cabeça de ninguém fechar um hospital porque o Estado tem de olhar para todos os portugueses e para o território na sua totalidade", poderá haver formas de discriminação positiva para os mais eficientes, com mais resultados e com mais valor nos cuidados prestados.

Como sublinha Rui Guimarães, "o hospital recebe por cada freguês que atende na urgência e tem o mesmo valor seja por uma dor de dentes ou por um acidente politraumatizado que obriga a meses de cuidados". Refere que mesmo que depois se incluam critérios de qualidade e que haja barreiras e limites, "a forma como contratualizamos a saúde com os prestadores é deficitária".

Recorre ao exemplo do seu hospital que tem uma equipa de 24 horas sobre 24 horas a fazer neurorradiologia de intervenção. "Se esta reabilita a pessoa, que regressa à sociedade a fazer exatamente o que fazia e noutro hospital uma pessoa fica numa cama ao cuidado de terceiros, o hospital não devia receber o mesmo valor de financiamento, até deveria ser, em alguns casos, impedido de tratar algumas patologias pelos resultados que não tem. E esta informação tem de ser pública", considera Rui Guimarães.

Para Altamiro Costa-Pereira, diretor da Faculdade de Medicina da Universidade do Porto, falta reconhecimento dos gestores hospitalares e dos profissionais de saúde e "tipicamente é melhor ser ineficiente do que ser eficiente, porque se for ineficiente tem sempre garantido que alguém vai pagar as faturas, se for eficiente custa-lhe mais fazer isso e depois não tem vantagem absolutamente nenhuma".
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