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O Serviço Nacional de Saúde precisa de uma refundação

“Em vez de discutirmos o retorno aos níveis de atividade pré-pandemia, devia-se pensar na refundação do SNS de forma a torná-lo mais justo, mais útil e mais eficaz”, diz Alexandre Lourenço. Adianta que o SNS necessita de mais organização e não apenas de investimento.

09 de Setembro de 2020 às 11:00
Alexandre Lourenço diz ser necessária uma maior integração entre os vários tipos de cuidados. David Martins
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A pandemia de covid-19 veio revelar as forças e as fraquezas do Serviço Nacional de Saúde (SNS). Como sublinha Alexandre Lourenço, presidente da Associação Portuguesa de Administradores Hospitalares, mostrou sobretudo "a falta de investimento dos últimos dez anos, em que o SNS perdeu investimentos e os seus equipamentos estão cada vez mais obsoletos". A resposta à pandemia obrigou a centrar todas as atenções no combate à pandemia o que implicou que quase cessasse o apoio a outro tipo de doentes e ao cancelamento de dezenas de milhares de cirurgias e mais de um milhão de consultas.

"Esta crise pandémica poderia ter sido uma grande oportunidade para desbloquear o sistema, mas o seu potencial não foi utilizado e, mesmo o que foi conseguido, como a telemedicina, não foi de uma forma nova, de uma maneira organizada e de melhoria de acesso, mas como um meio de resolver o problema das consultas que não se conseguiam fazer", considerou Alexandre Lourenço, que também é administrador hospitalar no Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra.

Por isso, Alexandre Lourenço defende a refundação do Serviço Nacional de Saúde e não a simples recuperação do que ficou por fazer, porque é a única resposta para preparar o Serviço Nacional de Saúde para o futuro.

Refundação em vez de retoma

Na opinião do presidente da Associação dos Administradores Hospitalares, há passos que se têm de dar na refundação deste sistema e que passam por uma maior integração entre os vários tipos de cuidados como os hospitalares, os primários e os continuados e entre todos os prestadores de saúde.

"Em vez de discutirmos o retorno aos níveis de atividade pré-pandemia, devia-se pensar na reformulação do sistema de forma a torná-lo mais justo, mais útil e mais eficaz." Acrescenta ainda que "esta refundação faz sentido porque o SNS não consegue voltar a ter os mesmos níveis de atividade até porque está mais lento".

Hoje as condições de funcionamento das instituições de saúde, nomeadamente os hospitais, implicam uma maior lentidão no atendimento, que Alexandre Lourenço denomina como "processo muito mais lentificado de prestação de cuidados, isto porque os profissionais têm de usar equipamentos de proteção individual, é necessário fazer testes aos doentes antes das cirurgias ou tratamentos de doenças crónicas, por isso com os mesmos recursos muito dificilmente se chegará aos mesmos números que se praticavam antes da emergência da pandemia".

Para Alexandre Lourenço é necessário mais investimento mas a resposta passa sobretudo por organização, mais coordenação para se identificar os recursos necessários, onde é que devem ser colocados e onde estão as prioridades, "porque não basta contratar profissionais, deitar dinheiro em volume para o sistema".

Entre março e maio, houve, de acordo com a Ordem dos Médicos, menos três milhões de consultas, em comparação com o período homólogo de 2019. A ministra da Saúde referiu no Parlamento que teria havido uma descida de 902 mil consultas, 371 mil das quais primeiras consultas, entre o início do ano e o fim de maio, quando comparado com as estatísticas de 2019.

Os riscos da desigualdade

"O sistema é fomentador da desigualdade, porque se no tratamento da covid-19 se assistiu a todos por igual, ao mesmo tempo, desprotegeram-se os doentes de outras patologias em que os mais pobres perderam capacidade de acesso aos bens de saúde porque não podem recorrer a outros sistemas de saúde", referiu Alexandre Lourenço.

Temos visto incapacidade para responder a situações de saúde não covid-19. Alexandre Lourenço
Presidente da Associação Portuguesa de Administradores Hospitalares

Este gestor prevê ainda um aumento de desigualdades no acesso à saúde devido ao desemprego e ao empobrecimento das famílias, que levam "a uma maior dificuldade em aceder a cuidados de saúde". E os mais pobres são também os segmentos sociais mais vulneráveis a doenças e com possibilidade de agravamento do seu estado de saúde. Do ponto de vista de oferta de cuidados, "temos visto ao longo dos últimos meses uma incapacidade do sistema de saúde para responder a situações de saúde não covid-19", considerou Alexandre Lourenço.

Para evitar as iniquidades de um sistema de saúde que fomenta as desigualdades, Alexandre Lourenço sublinha que há uma necessidade de definição de programas de acesso a cuidados de saúde, com incentivos, mediante a avaliação clara da mortalidade e da morbilidade e dos portadores de algumas patologias como a diabetes e a hipertensão, que afetam pessoas com menos recursos económicos e, por norma, com mais doenças. Nestes casos defende programas sociais direcionados para estas pessoas, e mecanismos, como, por exemplo, a majoração na compra dos medicamentos para reduzir os custos e facilitar o acesso. Como sublinhou, "segundo o INE, as famílias financiaram 29,5% das despesas totais em saúde, no ano de 2018".

Nos cuidados intensivos não são suficientes os planos de investimento, até porque há falta de recursos humanos nesta área. Por isso, para Alexandre Lourenço, é fundamental formar e treinar profissionais nesta área. Segundo Alexandre Lourenço, durante a pandemia poder-se-ia ter tentado atrair médicos especialistas em profissão liberal, como pediatras, entre outros, que existem no país para o sistema de saúde.

Em conclusão, "uma definição da resposta e da rede que inclua camas, hospitais, centros de saúde e profissionais para responder à covid-19 e uma definição da rede que dê resposta aos serviços essenciais que ficaram muito limitados durante a fase inicial de pandemia e que continuam ainda a acumular um défice de prestação de cuidados", diz Alexandre Lourenço.
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