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O ano de todas as polémicas na Caixa

Houve críticas à dimensão do conselho, aos interesses de certos candidatos, à origem dos gestores, ao seu salário e à falta de escrutínio dos seus rendimentos. A polémica reduziu à insignificância a luz verde dada por Bruxelas para recapitalizar a Caixa.

28 de Dezembro de 2016 às 10:11
Miguel Baltazar
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O ano prometia ser risonho para a Caixa Geral de Depósitos, depois da notícia que o Governo tinha escolhido um gestor profissional, sem ligações políticas, para gerir o banco do Estado. Mas as polémicas que se sucederam acabaram por ofuscar o principal feito do Executivo relativamente à instituição: ter luz verde de Bruxelas para capitalizar a CGD em 5.160 milhões de euros, escapando às regras das ajudas do Estado, cujos efeitos poderiam implicar a resolução do banco.

Corria o mês de Abril, quando António Costa surpreendeu com o convite a António Domingues para presidente da CGD. E durante algumas semanas, comentadores e banqueiros não se cansaram de elogiar a opção do primeiro-ministro. O estado de graça do banco público terminou logo em Maio. Tudo começou com uma notícia de jornal: "Governo aprova injecção de 4.000 milhões na Caixa", titulava o Expresso a 21 de Maio.

Considera-se que a obrigação de declaração [de rendimentos] vincula a administração da Caixa Geral de Depósitos. Marcelo Rebelo de Sousa Presidente da República, numa nota sobre a CGD, a 4 de Novembro

A dimensão da capitalização da CGD foi o primeiro motivo de polémica. Porquê tanto dinheiro?, questionaram PSD e CDS, os gestores da instituição ainda em funções e alguns bancos concorrentes. A resposta não tardou: é necessário limpar o crédito malparado com imparidades, financiar um plano de reestruturação agressivo - com saída de 2.000 trabalhadores e fecho de balcões - e dar folga de solidez à Caixa. É o preço a pagar para negociar com Bruxelas uma capitalização sem as regras das ajudas do Estado.

Mas a oposição não descansou e o PSD avançou com a proposta de criação de uma comissão de inquérito à gestão da Caixa, que avançou apesar da resistência inicial do PS. Para os sociais-democratas, se limpar o balanço da CGD podia exigir cerca de 2.000 milhões, por si só, então a origem das perdas só podia estar nos anos de gestão socialista do banco. Na mira do PSD está o Governo de José Sócrates e a administração de Santos Ferreira e Armando Vara.


As críticas generalizaram-se quando o Governo alterou o Estatuto do Gestor Público (EGP) para retirar a Caixa dos tectos salariais impostos por esta lei. O fim dos limites tinha sido uma das condições impostas por Domingues para aceitar o convite.

CDS, PSD, Bloco de Esquerda e PCP contestaram a decisão. E o ministro das Finanças veio fazer a sua primeira declaração oficial sobre a nova gestão e a capitalização da Caixa a 9 de Junho. Os salários serão fixados por uma comissão de remunerações cuja "decisão alinhará os salários da CGD com o que é a realidade dos outros bancos", contrapôs Mário Centeno.

Se houvesse aplicação das novas regras de ajudas de Estado, eu não teria aceitado o convite.  António Domingues
Presidente da CGD, no Parlamento, a 27 de Setembro

O mesmo argumento serviu para justificar a intenção de aumentar para 19 o número de administradores da instituição. E ainda: "é o necessário para poderem funcionar as comissões de controlo" da gestão, como os comités de risco, estratégia, auditoria e nomeações. Esta posição não travou a polémica, já que o próprio Banco Central Europeu defendia que o conselho da Caixa devia ter 15 elementos, no máximo. Os críticos também não pouparam o facto de vários gestores da equipa de Domingues virem do BPI.


Mais controversa foi a intenção de ter como não executivos gestores de grandes empresas e instituições: Leonor Beleza, presidente da Fundação Champalimaud; Ângelo Paupério, co-CEO da Sonae; ou Carlos Tavares, líder do grupo PSA Peugeot Citroën. Nomes que saíram da lista para evitar o chumbo do BCE, ditado pela lei portuguesa sobre limites à acumulação de cargos. O secretário de Estado do Tesouro e Finanças ainda quis alterar a regra para recuperar os candidatos em causa, mas foi travado pela oposição de Marcelo Rebelo de Sousa.

Não há ajuda de Estado, o que era um objectivo essencial para o Governo. É um acordo inovador na Europa. Mário Centeno, Ministro das Finanças, em conferência de imprensa, a 24 de Agosto

O Presidente da República haveria de ter o papel decisivo no desfecho da maior polémica que marcou o ano da Caixa, sobre a entrega das declarações de rendimentos dos gestores do banco. Domingues e a sua equipa foram para a CGD no pressuposto de que a alteração ao EGP levantava esta obrigação. Depois de Marques Mendes ter colocado o tema na agenda, até o PS se juntou aos outros partidos para reclamar a apresentação dos documentos no Tribunal Constitucional, com base numa lei de 1983. Mas o golpe fatal que levou à renúncia de Domingues foi uma nota de Belém deixando claro que aquela obrigação se mantém. O senhor que se segue, Paulo Macedo, terá de a respeitar. E executar o plano de capitalização e negócios que o seu antecessor desenhou.

Protagonistas

Pedro Passos Coelho
Presidente do PSD

O líder das críticas às opções para a Caixa: O PSD liderou a oposição às escolhas do Governo para a CGD. Foi dos primeiros a contestar o fim dos limites salariais e propôs uma comissão parlamentar de inquérito para apurar as causas do malparado. Passos pôs Domingues em cheque, acusando-o de ter feito um plano de capitalização com informação confidencial antes de entrar na Caixa.


Mourinho Félix
Secretário de Estado das Finanças

O rosto dos recuos do Governo: Prometeu alterar a lei sobre acumulação de cargos pelos não executivos dos bancos, que impediu vários candidatos de irem para a Caixa. Recuou perante as críticas de Belém. Mourinho Félix foi ainda o primeiro a admitir que Domingues teria de entregar a declaração de rendimentos, depois de as Finanças terem dito que não.


Marcelo Rebelo de Sousa
Presidente da República

Actor decisivo no caso das declarações: O Presidente teve um papel discreto na negociação da capitalização da CGD. Criticou os elevados salários da gestão ao promulgar a lei que pôs fim aos tectos remuneratórios. A sua actuação foi decisiva na polémica sobre a declaração de rendimentos dos gestores. Marcelo disse que era obrigatória e Domingues renunciou. 



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