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Inovar em tempos de desaceleração económica

O lançamento da segunda edição do Prémio Nacional de Inovação reforçou a ideia de que investir a longo prazo na inovação é crucial para o crescimento e sustentabilidade das empresas, independentemente do seu tamanho ou setor de atuação.

Susana Marvão 02 de Fevereiro de 2024 às 14:00
Ana Casaca, António Portela, Luís Miguel Ribeiro, António Miguel Ferreira, e Francisco Barbeira abordaram a inovação em tempos de desaceleração económica, num debate conduzido por Susana Marvão. Tony Dias/Movephoto
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O imperativo do investimento a longo prazo versus o curto prazo na inovação foi um dos temas particularmente debatidos na sessão de lançamento da segunda edição do Prémio Nacional de Inovação (PNI), uma iniciativa desenvolvida pelo Jornal de Negócios, BPI e Claranet, em parceria com a ANI - Agência Nacional de Inovação e a COTEC Portugal, como parceiros institucionais, conta com a Galp como patrocinadora e a Nova SBE como knowledge partner.

"Não há alternativa a inovar", disse de forma particularmente perentória Francisco Barbeira, administrador do BPI, num debate que se focou na "Inovação em tempos de desaceleração económica - Parar não é opção", o executivo vai ainda mais longe dizendo que "ter inovação é ainda mais importante em alturas em que é preciso reduzir custos".

Desmistificando a ideia de que inovar é lançar um novo produto altamente disruptivo, Francisco Barbeira focou-se na ideia de que os processos de inovação podem estar centrados na melhoria de procedimentos, aumento da satisfação dos clientes ou trabalhar incrementalmente num modelo de negócio que já esteja em vigor. "Tudo isto é inovar. Quando falamos em inovação não nos focamos apenas nos grandes saltos quânticos ou em disrupções de negócio".

Inovar é um processo: precisa de ferramentas, de know-how, de método, da definição de objetivos. É um processo que tem de estar treinado e com as pessoas certas para o fazer. Francisco Barbeira
Administrador do BPI
Ao mesmo tempo, o administrador recusa a ideia de banalizar o ato da inovação, lançando para a plateia a questão de que "inovar também não é encontrar a pessoa certa, tipo professor Pardal, que trouxe uma grande ideia. Inovar é um processo: precisa de ferramentas, de know-how, de método, da definição de objetivos. É um processo que tem de estar treinado e com as pessoas certas para o fazer". Se isto é tudo verdade, sustenta Francisco Barbeira, não é num momento de maior dificuldade económica que "vou encontrar as pessoas certas para me ajudarem a entregar um serviço no meu mercado de uma forma diferente e mais barato". O executivo basicamente sustenta a ideia de que a inovação é, também, incremental.

Inovar de forma colaborativa

Ana Casaca, global head of innovation na Galp, executiva que lida há 20 anos com a inovação, admite que o orçamento para esta área nunca é considerado suficiente, independentemente do período económico que o país esteja a atravessar. Daí que enfatize a importância de tornar muito claro o objetivo da área de inovação num determinado tempo, setor e empresa, assim como tornar claro o processo de decisão dos grandes investimentos.

Naturalmente, diz Ana Casaca, em tempos onde o orçamento é um pouco mais curto, há a tendência natural para apoiar projetos onde o impacto a curto prazo seja maior. "O que é um grande risco já que nas áreas de inovação, se a equipa ou empresa estiver a pensar apenas no curto prazo, não está a constituir o portfólio ou a sustentabilidade a médio/longo prazo o que, naturalmente, traz uma maior competitividade". Algo particularmente importante se tivermos em conta que na área de inovação só "existimos se conseguirmos entregar valor agora", com Ana Casaca a apelar a uma maior seletividade na escolha dos projetos tendo em conta o valor acrescentado. A executiva lançou ainda a ideia de que esta é uma excelente altura para que todas as empresas trabalhem com parceiros externos. "Não vamos ter capacidade, nem de recursos humanos nem financeira para fazermos os projetos sozinhos por isso esta é uma oportunidade para continuarmos a fazer este caminho, mas de forma colaborativa".

Investir a longo prazo é essencial

A Bial só existe porque há 30 anos resolveu apostar em investigação e desenvolvimento de forma consistente, esclarece António Portela, CEO desta empresa farmacêutica portuguesa que celebra este ano o seu centenário. Uma aposta materializada na comercialização de dois medicamentos que potenciaram a internacionalização da empresa trofense e a triplicação da sua faturação. "Passamos a vender medicamentos inovadores e patenteados no resto da Europa, Estados Unidos e Ásia. O que permitiu à organização ter dado um salto enorme foi esta contínua aposta na inovação". Convém salientar que na indústria farmacêutica os processos de desenvolvimento de produtos podem levar, em média, entre 10 a 12 anos. "Não nos podemos ainda esquecer que na indústria farmacêutica, em cada 15 a 20 mil compostos químicos que descobrimos, apenas um chega ao mercado. Ou seja, basicamente andamos a maioria do tempo a fazer coisas que não servem para nada, que vão acabar no lixo".

Neste contexto, conjugar esta realidade de investimento, persistência e resiliência - e altamente consumidora de recursos financeiros e humanos - é particularmente complicado, com António Portela a não ter dúvida de que o crescimento da Bial depende da capacidade de inovar e trazer novos medicamentos para o mercado. "Reduzir, parar ou travar é dar um tiro no pé" no futuro da empresa, esclareceu.

Os resultados trimestrais são essenciais, gerar caixa é fundamental e o EBITDA a crescer também. Mas, por vezes, temos de fazer concessões porque o amanhã é sempre mais importante do que o hoje. António Miguel Ferreira
Presidente e CEO da Claranet Portugal
Na linha de pensamento de Ana Casaca, também António Portela acredita na promoção de um ambiente colaborativo, mesmo que isso implique "ceder direitos mais cedo", já que, por outro lado, permite trabalhar em mais projetos, "diversificando o risco do que estamos a fazer, já que a probabilidade de um composto chegar ao mercado é muito pequena. Em tempos melhores ou piores temos de manter a inovação".

Compromisso é necessário

"Há sempre um compromisso que é necessário obter entre o longo e o curto prazo", garante António Miguel Ferreira, presidente e CEO da Claranet Portugal e fundador da Esotérica, uma pequena empresa que nasceu no Porto há quase 30 anos, pelas mãos de cinco sócios e se tornou no primeiro fornecedor de acesso à Internet em Portugal. "O curto prazo é relevante, os resultados trimestrais são essenciais, gerar caixa é fundamental e o EBITDA a crescer também. Mas, por vezes, temos de fazer concessões porque o amanhã é sempre mais importante do que o hoje, sobretudo se estivermos numa lógica de permanecer no mercado e não numa lógica puramente financeira de ‘daqui a cinco anos saímos e maximizamos’".

Para premiar uma cultura de inovação, a Claranet criou o Claranet Labs que promove internamente as boas ideias, colocando-as num processo que permite que floresçam. "Algumas dão fruto a curto prazo, outras a longo e outras morrem. Mas é importante manter esta cultura de inovação e capacidade de nos reinventarmos".

Das grandes empresas ao mundo das PME, ou do "mundo real", como lhe chamou Luís Miguel Ribeiro, vice-presidente da Confederação Empresarial de Portugal, a visão sobre a inovação ganha algumas nuances. Tendo noção de que a inovação tem de estar presente, as empresas de menor dimensão lutam, no entanto, com questões de sobrevivência e permanência no mercado, capacidade produtiva e competitividade.

"Não temos dúvidas de que se não formos inovadores e não criarmos valor acrescentado nos produtos que produzimos, as dificuldades vão ser muito maiores, mas para isso tem de haver um contexto que permita que as empresas consigam libertar alguns recursos para investir na inovação, em novas tecnologias, em novas formas de comercialização".

Luís Miguel Ribeiro sustentou que o contexto no qual vivemos penaliza, sobretudo ao nível fiscal, as empresas que necessitam crescer, para além de "custos de contextos altamente penalizadores".

O exemplo dado por Luís Miguel Ribeiro foi o PRR e as agendas mobilizadoras, instrumentos que permitiram a criação de consórcios e projetos, mas que, no seu entender, "foi estragado pela burocracia e incapacidade de se colocar em funcionamento, já que que a inovação tem timings". Janelas de oportunidade que, nas PME, não se coadunam com os prazos que empresas como a Bial podem sustentar.

Candidaturas já estão abertas

Esta sessão contou com uma intervenção de Sílvia Garcia, da ANI, que fez o ponto de situação dos programas de inovação em Portugal, assim como Inês Lourenço, da Worten, e Jorge Monteiro, da Ethiack, que partilharam as suas histórias de sucesso de inovação.

Paulo Dimas, da Unbabel, trouxe a Leixões a temática da inovação em tempos de desaceleração económica e o impacto da inteligência artificial em vários setores de atividade.

A apresentação da nova estrutura do Prémio Nacional de Inovação coube a Pedro Brito, associate dean da Nova SBE. As candidaturas abriram precisamente no dia da conferência, 31 de janeiro, com esta segunda edição a dividir-se em dois grupos de categorias: Tecnologias, relacionado com a temática da inovação, seja nos processos, tecnologias, ou noutros âmbitos de atuação das empresas e Segmento de Negócio, relacionado com o setor de atividade da organização.

Além dos prémios atribuídos em cada uma das categorias, serão ainda entregues quatro prémios - três por dimensão da organização (Grande Organização, PME e Startup) e o Prémio Personalidade.
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