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João Rodrigues: “Um olhar humanista sobre a produção agrícola”

No Matéria, os produtores são quem tem visibilidade, embora todo o projeto seja transversal à gastronomia, sendo um projeto vivo, que nunca está fechado, refere o chef João Rodrigues.

Filipe S. Fernandes 25 de Setembro de 2023 às 16:30
João Rodrigues, criador e rosto do Projecto Matéria Mariline Alves
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"Não sou produtor, mas o que faço, sou cozinheiro, depende muito do que os produtores fazem, são eles que nos dão a nossa matéria-prima para fazermos o nosso trabalho", afirmou o chef João Rodrigues, criador e rosto do Projecto Matéria, em conversa com João Maia de Abreu, durante a apresentação da 12.ª edição do Prémio Nacional de Agricultura.

Em 2015, quando João Rodrigues era chef no Feitoria, surgiu o Projecto Matéria porque queria ter "uma ideia de identidade para o que estávamos a fazer, para o menu que estávamos a servir, para a filosofia que tínhamos no restaurante". Mas não podia ter ideia desta identidade sem usar produtos locais ou nacionais, "até porque Portugal é um país relativamente pequeno e facilmente chegamos hoje em dia a todos os seus cantos".

Teriam de ser produtos numa lógica de pequenos produtores com práticas éticas e amigas do ambiente, mas que tivessem consistência, porque "quando se trabalha num certo patamar de exigência, a consistência é fundamental, isto é, ter o mesmo produto, a mesma qualidade", resume João Rodrigues.

A peregrinação pelo país

O caminho para a construção do Matéria, que "começou por ser uma necessidade profissional", e se tornou "uma base de informação que pudesse ser partilhada por todos numa primeira fase e depois ser ajudada a construir por todos", teve vários momentos que fazem a sua história, e foi construído por muitos, revelou João Rodrigues.

Como havia falta de informação, a primeira coisa que João Rodrigues fez, "de uma forma muito orgânica", foi ligar a outros chefs e perguntar-lhes sobre que produtos conheciam e utilizavam que fossem úteis para o seu restaurante. "Houve recetividade dos chefs, mas percebemos que havia uma lacuna muito grande na utilização destes produtos porque muitas coisas vinham de fora para ser usadas sobretudo por causa da questão da consistência."

Iniciou a sua peregrinação por Trás-os-Montes, seguindo-se depois o país e hoje todas as regiões do continente e ilhas estão bem representadas, como se pode verificar no site do Projecto Matéria. João Rodrigues percebeu "que haveria uma dificuldade grande em encontrar estes pequenos projetos que dependem de pessoas muito apaixonadas, muito resilientes". Acrescenta que "se trata de projetos em que o produto é limpo, sem a utilização de produtos químicos, com uma escala muito pequena, com um preço mais alto, por causa das características do produto e da produção em si, e, depois, há uma grande dificuldade na cadeia logística para fazer viajar estes produtos".

Mas quando a engrenagem do Projecto Matéria começou a funcionar em pleno, foi mais fácil identificar, porque os próprios produtores criaram uma cadeia de recomendações e a rede foi-se ampliando. "Agora, os produtores já nos enviam mensagem a dizer: venha visitar-nos, estamos a fazer este determinado trabalho."

O futuro mais internacional

João Rodrigues assinala que "inicialmente os produtores de trigo barbela eram dois, e, à medida que a informação circulou, mais produtores deste trigo se juntaram, o que aumentou a utilização deste trigo na gastronomia", conta João Rodrigues.

Este projeto é um olhar humanista sobre a produção, é mais sobre pessoas do que sobre produtos. João Rodrigues
Chef e criador do Projecto Matéria
O chef salienta que "este projeto é um olhar humanista sobre a produção, é mais sobre pessoas do que sobre produtos". Diz que, além de qualquer rótulo ou certificação, que faz parte do processo, o mais importante é "o contacto direto, ver como é que as coisas são feitas, a história que está por trás, porque no fim de contas estamos a falar de pessoas".

Revela o que poderá ser o primeiro passo na internacionalização do projeto Matéria. Têm um protocolo assinado para fazer no próximo ano, em Angola, um projeto irmão e João Rodrigues gostava de abranger os países da lusofonia. Mas salienta que têm desenvolvido "laços com outros países que querem muito perceber como é que funciona e como é que se pode adaptar, linkar e poder trabalhar em conjunto numa perspetiva mais global ou pelo menos europeia".

Em jeito de balanço, João Rodrigues diz que "é um projeto vivo, nunca vai estar fechado porque há produtores que mudam, há uns que deixam de produzir, outros iniciam a sua atividade, outros que se juntam e criam outros caminhos. É um projeto vivo que tem de estar em constante atualização e monitorização da nossa parte."
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