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Quem disse para não julgar o livro pela capa?

Do calçado aos perfumes, houve marcas que, por causa das embalagens da Cartonagem Trindade, viram as vendas de alguns produtos duplicar ou triplicar.

Rute Barbedo 29 de Janeiro de 2019 às 16:00
Ricardo JR
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Os que circulam de branco controlam a qualidade, embora também existam os "brancos" do design. Depois, há os de cinzento, boa cor para não se notar a sujidade de quem lida com pós e quejandos. Na Cartonagem Trindade, é quase possível adivinhar a função de cada pessoa pela cor do fato. Há quatro anos, eram perto de 80 trabalhadores, hoje estão a caminho dos 200, embalados pelo crescimento - em março, a empresa abriu uma segunda fábrica em Guimarães e em agosto deverá inaugurar a terceira onde tudo começou, São João da Madeira.

A mexer agulhas, braços e lâminas, há '580 corpos de máquinas', que fazem da Trindade uma das produtoras de embalagens de papel e cartão mais competitivas da Europa.
A mexer agulhas, braços e lâminas, há "580 corpos de máquinas", que fazem da Trindade uma das produtoras de embalagens de papel e cartão mais competitivas da Europa. Ricardo JR

Em 1966, quatro Marias - uma delas Maria Trindade, mãe do atual administrador, Pedro Ventura -, uma Laurinda e uma Margarida juntaram-se para responder a uma necessidade evidente no concelho. "Se há tanta produção de sapatos, é preciso que alguém faça as caixas", terão pensado. Começaram com seis máquinas e umas quantas mesas. Entretanto, a Trindade diversificou a produção, estando nos negócios do têxtil, vinhos e, há menos tempo, na cosmética e perfumaria.

A mexer agulhas, braços e lâminas, há "580 corpos de máquinas", um "arsenal" que faz da Trindade uma das produtoras de embalagens de papel e cartão mais competitivas da Europa e uma das maiores do concelho. Em 2017, faturou 17,4 milhões de euros (segundo dados da Informa D&B) e, no ano passado, superou os 19 milhões.

A marca invisível

Cada paralelepípedo verde ou prisma negro a deslizar nos tapetes fabris é "private label" (fabricado aqui e posteriormente vendido sob a marca do cliente) e é assim que o negócio vai continuar. "Temos 7.000 produtos diferentes aqui dentro, e o nosso papel é servir o cliente, faz parte do ADN", diz Pedro Ventura, na empresa desde os 16 anos (nasceu em 1967), como administrador há 32. Por isso, quem um dia vir numa montra a embalagem de um vinho que faz lembrar os socalcos do Douro ou a caixa dourada de uma peça de alta-costura não vai saber que é Trindade, mas talvez a vontade de comprar aumente pelo grau de inovação e audácia da embalagem. Quem disse para não julgar o livro pela capa?

A matéria-prima não é portuguesa. Não temos produtores de cartão ou papel para este tipo de indústria 'premium', o que temos é massa cinzenta.

Só não fazemos mais porque o espaço físico não o permite.
Pedro Ventura
Administrador da Cartonagem Trindade


Na fábrica, as "capas" fazem-se em várias fases. "Somos praticamente autónomos, fazemos até a impressão", começa por explicar Carla Dias, do departamento de recursos humanos, numa visita guiada ao mundo dos cartões Trindade. Depois do design, é nas impressoras que a produção começa. Uma das máquinas chega a imprimir 18.000 folhas por hora, com seis cores e verniz incluído.

Complexo? Manual

Depois vêm os cortes, que começam a encaminhar a matéria-prima para as formas finais de cada embalagem. Rosa mete placas de cartão de um lado e elas saem como um quebra-cabeças do outro. Passamos pela estampagem, em que uma película dourada ou prateada, por exemplo, é aplicada no papel transformando-se no nome da marca ou em corações do Dia da Mãe. "Já há produtos para o Natal de 2019", atenta Carla. Mas é numa linha de montagem no centro do pavilhão, entre o cheiro da tinta e o da cola, que se concentra o maior número de trabalhadores. A responsável explica: "Há um ano, pediram-nos para fazer uma embalagem em forma de prisma triangular. Foi um projeto que demorou muito tempo a desenvolver e acabámos por perceber que teria de ser produzido de forma mais manual. É por isso que estão aqui 14 pessoas, enquanto no calçado e noutras linhas técnicas é muito mais automático." Nestas embalagens entrarão garrafas, noutras os sapatos pelos quais tudo começou e que ainda representam metade do volume de negócios.


19
Faturação
A Trindade superou os 19 milhões de euros de faturação em 2018.

53
Idade
Nasceu em 1966 especificamente para fornecer a indústria do calçado.

48%
Exportações
Principais destinos são Espanha, Holanda e França. Itália e Alemanha são a seguir.

190
Trabalhadores
Nos últimos quatro anos, a empresa mais do que duplicou a equipa.

Mas é a cosmética e perfumaria que mais tem aproximado a Trindade do exterior. No ano passado as exportações cresceram para 48%. "Nos últimos três a quatro anos, todos os esforços foram para vender para fora", reconhece o Pedro Ventura.

A partir de agosto, caixas e caixinhas para cremes e perfumes serão produzidas na terceira fábrica. Tal como aqui e na unidade de Guimarães (voltada para o calçado), o novo edifício não terá o nome da Trindade à vista e serão poucos a dar pelo que acontece nas suas entranhas. Aí, será mesmo preciso abrir o livro.


Perguntas a Pedro Ventura
Administrador da Cartonagem Trindade

"As instituições estão muito aquém do que as empresas precisam"

Em menos de dois anos, a Trindade passa de uma para três fábricas, mas lamenta os entraves causados pelo excesso de burocracia.

O que tem sustentado o crescimento da Trindade?
Temos investido em contraciclo. Agora começa a ouvir-se que vem aí uma crise e nós estamos a construir uma terceira unidade [em São João da Madeira, além de uma segunda fábrica que começou a operar em março de 2018, em Guimarães]. Ao nível da Península Ibérica, destacamo-nos pelos investimentos que temos feito.

Em quanto vão aumentar a capacidade de produção?
Poderemos aumentar em 40 a 50% [atualmente, conseguem produzir 70 mil embalagens num dia]. Estamos a dar um passo muito grande. E este ano prevemos crescer 5 a 6%.

O que motivou a construção de duas novas fábricas?
Só não fazemos mais porque hoje o espaço físico não o permite. Em Guimarães construímos porque é lá - e em Felgueiras e Vizela - que está a força do calçado, uma área que tem um peso significativo na empresa [entre 50 e 51%]. A de São João da Madeira é porque a área da cosmética e perfumaria tem hoje certas exigências no 'layout' das fábricas, como não poderem estar sujeitas a pó ou outras situações.

Quanto investiram nas duas unidades?
Na de Guimarães foram cerca de 4,5 milhões de euros. E na de São João da Madeira entre 8 e 10 milhões.

Estamos a dar um passo muito grande. E este ano prevemos crescer 5 a 6%. Pedro Ventura
Administrador da Cartonagem Trindade 


Terão mais trabalhadores?
Tivemos um crescimento enorme de colaboradores nos últimos quatro, cinco anos. Éramos perto de 80 e agora somos quase 190. Estamos mais maduros e agora a ideia é rentabilizar ao máximo para sermos competitivos.

Para amadurecer é preciso passar por dificuldades. Quais têm sido as maiores?
Uma delas é quando nós, empresários, necessitamos de algo que mete burocracia, a nível nacional. As instituições ainda estão muito aquém do que as empresas precisam. O empresário pensa em investir mas depois vê o que precisa de fazer e muitos projetos ficam na gaveta. Por outro lado, porque é que continuamos a ver investimento estrangeiro em Portugal e os portugueses continuam a ter tanta dificuldade em investir no próprio país?

A consciência atual em relação ao plástico tem beneficiado a Trindade?
O impacto tem sido positivo para o papel e o cartão, sim. Mas não basta pensar que o mercado está em alta. Hoje vive-se muito de especulação; com facilidade se investe e com facilidade tem de se desinvestir.

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