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Os que circulam de branco controlam a qualidade, embora também existam os "brancos" do design. Depois, há os de cinzento, boa cor para não se notar a sujidade de quem lida com pós e quejandos. Na Cartonagem Trindade, é quase possível adivinhar a função de cada pessoa pela cor do fato. Há quatro anos, eram perto de 80 trabalhadores, hoje estão a caminho dos 200, embalados pelo crescimento - em março, a empresa abriu uma segunda fábrica em Guimarães e em agosto deverá inaugurar a terceira onde tudo começou, São João da Madeira.
Em 1966, quatro Marias - uma delas Maria Trindade, mãe do atual administrador, Pedro Ventura -, uma Laurinda e uma Margarida juntaram-se para responder a uma necessidade evidente no concelho. "Se há tanta produção de sapatos, é preciso que alguém faça as caixas", terão pensado. Começaram com seis máquinas e umas quantas mesas. Entretanto, a Trindade diversificou a produção, estando nos negócios do têxtil, vinhos e, há menos tempo, na cosmética e perfumaria.
A mexer agulhas, braços e lâminas, há "580 corpos de máquinas", um "arsenal" que faz da Trindade uma das produtoras de embalagens de papel e cartão mais competitivas da Europa e uma das maiores do concelho. Em 2017, faturou 17,4 milhões de euros (segundo dados da Informa D&B) e, no ano passado, superou os 19 milhões.
A marca invisível
Cada paralelepípedo verde ou prisma negro a deslizar nos tapetes fabris é "private label" (fabricado aqui e posteriormente vendido sob a marca do cliente) e é assim que o negócio vai continuar. "Temos 7.000 produtos diferentes aqui dentro, e o nosso papel é servir o cliente, faz parte do ADN", diz Pedro Ventura, na empresa desde os 16 anos (nasceu em 1967), como administrador há 32. Por isso, quem um dia vir numa montra a embalagem de um vinho que faz lembrar os socalcos do Douro ou a caixa dourada de uma peça de alta-costura não vai saber que é Trindade, mas talvez a vontade de comprar aumente pelo grau de inovação e audácia da embalagem. Quem disse para não julgar o livro pela capa?
Só não fazemos mais porque o espaço físico não o permite. Pedro Ventura
Administrador da Cartonagem Trindade
Na fábrica, as "capas" fazem-se em várias fases. "Somos praticamente autónomos, fazemos até a impressão", começa por explicar Carla Dias, do departamento de recursos humanos, numa visita guiada ao mundo dos cartões Trindade. Depois do design, é nas impressoras que a produção começa. Uma das máquinas chega a imprimir 18.000 folhas por hora, com seis cores e verniz incluído.
Complexo? Manual
Depois vêm os cortes, que começam a encaminhar a matéria-prima para as formas finais de cada embalagem. Rosa mete placas de cartão de um lado e elas saem como um quebra-cabeças do outro. Passamos pela estampagem, em que uma película dourada ou prateada, por exemplo, é aplicada no papel transformando-se no nome da marca ou em corações do Dia da Mãe. "Já há produtos para o Natal de 2019", atenta Carla. Mas é numa linha de montagem no centro do pavilhão, entre o cheiro da tinta e o da cola, que se concentra o maior número de trabalhadores. A responsável explica: "Há um ano, pediram-nos para fazer uma embalagem em forma de prisma triangular. Foi um projeto que demorou muito tempo a desenvolver e acabámos por perceber que teria de ser produzido de forma mais manual. É por isso que estão aqui 14 pessoas, enquanto no calçado e noutras linhas técnicas é muito mais automático." Nestas embalagens entrarão garrafas, noutras os sapatos pelos quais tudo começou e que ainda representam metade do volume de negócios.
Faturação
A Trindade superou os 19 milhões de euros de faturação em 2018.
53
Idade
Nasceu em 1966 especificamente para fornecer a indústria do calçado.
48%
Exportações
Principais destinos são Espanha, Holanda e França. Itália e Alemanha são a seguir.
190
Trabalhadores
Nos últimos quatro anos, a empresa mais do que duplicou a equipa.
Mas é a cosmética e perfumaria que mais tem aproximado a Trindade do exterior. No ano passado as exportações cresceram para 48%. "Nos últimos três a quatro anos, todos os esforços foram para vender para fora", reconhece o Pedro Ventura.
A partir de agosto, caixas e caixinhas para cremes e perfumes serão produzidas na terceira fábrica. Tal como aqui e na unidade de Guimarães (voltada para o calçado), o novo edifício não terá o nome da Trindade à vista e serão poucos a dar pelo que acontece nas suas entranhas. Aí, será mesmo preciso abrir o livro.
Perguntas a Pedro Ventura
Administrador da Cartonagem Trindade
"As instituições estão muito aquém do que as empresas precisam"
Em menos de dois anos, a Trindade passa de uma para três fábricas, mas lamenta os entraves causados pelo excesso de burocracia.
O que tem sustentado o crescimento da Trindade?
Temos investido em contraciclo. Agora começa a ouvir-se que vem aí uma crise e nós estamos a construir uma terceira unidade [em São João da Madeira, além de uma segunda fábrica que começou a operar em março de 2018, em Guimarães]. Ao nível da Península Ibérica, destacamo-nos pelos investimentos que temos feito.
Em quanto vão aumentar a capacidade de produção?
Poderemos aumentar em 40 a 50% [atualmente, conseguem produzir 70 mil embalagens num dia]. Estamos a dar um passo muito grande. E este ano prevemos crescer 5 a 6%.
O que motivou a construção de duas novas fábricas?
Só não fazemos mais porque hoje o espaço físico não o permite. Em Guimarães construímos porque é lá - e em Felgueiras e Vizela - que está a força do calçado, uma área que tem um peso significativo na empresa [entre 50 e 51%]. A de São João da Madeira é porque a área da cosmética e perfumaria tem hoje certas exigências no 'layout' das fábricas, como não poderem estar sujeitas a pó ou outras situações.
Quanto investiram nas duas unidades?
Na de Guimarães foram cerca de 4,5 milhões de euros. E na de São João da Madeira entre 8 e 10 milhões.
Administrador da Cartonagem Trindade
Terão mais trabalhadores?
Tivemos um crescimento enorme de colaboradores nos últimos quatro, cinco anos. Éramos perto de 80 e agora somos quase 190. Estamos mais maduros e agora a ideia é rentabilizar ao máximo para sermos competitivos.
Para amadurecer é preciso passar por dificuldades. Quais têm sido as maiores?
Uma delas é quando nós, empresários, necessitamos de algo que mete burocracia, a nível nacional. As instituições ainda estão muito aquém do que as empresas precisam. O empresário pensa em investir mas depois vê o que precisa de fazer e muitos projetos ficam na gaveta. Por outro lado, porque é que continuamos a ver investimento estrangeiro em Portugal e os portugueses continuam a ter tanta dificuldade em investir no próprio país?
A consciência atual em relação ao plástico tem beneficiado a Trindade?
O impacto tem sido positivo para o papel e o cartão, sim. Mas não basta pensar que o mercado está em alta. Hoje vive-se muito de especulação; com facilidade se investe e com facilidade tem de se desinvestir.