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Retirar a Almada o rótulo de dormitório de Lisboa, criando condições para que este seja cada vez mais um concelho também para trabalhar, é uma das grandes apostas do executivo da câmara, diz Inês de Medeiros. Tal implica atrair mais investimento privado e, se for preciso, ter um "empurrão" do Estado com a deslocalização de serviços públicos para aquela margem.
Porque deve uma empresa ir para Almada?
Há um interesse cada vez maior pelo concelho. Pela centralidade que ocupa na Área Metropolitana de Lisboa, mas também porque cada vez mais surgem empresas que querem locais que acumulem a vertente trabalho e qualidade de vida. Depois, embora os preços do imobiliário estejam a subir, continuam muito inferiores aos de Lisboa. Outra mais-valia é a Faculdade de Ciências e Tecnologia. Para os investidores estrangeiros, sobretudo, que não estão condicionados por nenhum tipo de historial, é evidente que o grande desenvolvimento se vai fazer deste lado.
Mesmo com o problema dos acessos a Lisboa?
As questões da mobilidade, que temos de resolver, podem ser um entrave. Acredito que a terceira travessia se vai impor e, aparentemente, hoje é mais rentável e económico um túnel em vez de uma nova ponte. Mas se houver um desenvolvimento económico deste lado, com mais pessoas a trabalhar aqui, esses problemas diminuem.
O objetivo é reduzir o perfil de dormitório do concelho?
Isso tem de ser contrariado. Tudo o que são planos de desenvolvimento do território têm de ter, de uma forma equilibrada, as componentes da habitação e do emprego, seja através de novas empresas, seja via serviços públicos. Porque não ter um ministério em Almada? Ao nível, por exemplo, da Cidade da Água [projeto de reabilitação dos antigos estaleiros da Lisnave], se não queremos que seja apenas um dormitório, e já que se fala tanto da descentralização, porque é que o Ministério do Ambiente não está aqui? Ou o do Mar? Não há razão para não haver estruturas relevantes do Estado deste lado.
Mas essa vontade sua tem eco no Governo?
Por enquanto é apenas uma declaração minha. Mas quando se fala tanto em descentralizar, há uma descentralização fácil, que é atravessar o rio e trazer dinamismo e alternativas de emprego para a população que mora aqui.
Que retrato faz do tecido empresarial do concelho?
Está em transformação. Era um concelho totalmente industrial e não foi assim há tanto tempo. Teve de se transformar completamente, com a dificuldade acrescida de que muitas empresas à volta forneciam essa indústria pesada. O resultado foi que as pessoas foram trabalhar para Lisboa. Agora há que arranjar outras soluções. Neste momento, há boas bases para se tornar num concelho de ponta a nível tecnológico. Seja com a universidade, o Arsenal do Alfeite, o Instituto Português da Qualidade (que é pouco usado), ou o próprio Instituto de Arte e Tecnologia, projeto de parceria com a Universidade Nova. Todos estes projetos têm estado a funcionar em separado e uma das funções da câmara será tentar fazer essa ligação. Depois, há uma parte que é evidente, e que temos de desenvolver: o turismo. Temos uma oferta hoteleira miserável. Em quantidade e em qualidade.
O que vão fazer?
Os maiores incentivos ao investimento não são, neste momento, fiscais, até porque já temos uma derrama bastante baixa. Tem de haver qualidade nas infraestruturas. Tínhamos, por exemplo, uma situação bizarra: a praia era gerida pela Agência Portuguesa do Ambiente, os parques pelo Instituto de Conservação da Natureza e das Florestas e a estrada florestal pelo Estado. Não havia gestão integrada. Assumimos a gestão das praias e isso permitiu desbloquear situações e iniciar a requalificação e melhoria dos acessos.
Há um "gap" em termos de desenvolvimento e modernização entre Almada e Lisboa?
Sim. Sobretudo nos anos pós-crise, em que deveríamos ter aproveitado melhor a saída da crise. Demasiado tempo no poder cria forçosamente vícios na forma de funcionar e acaba por diminuir o sentido de urgência.
Pode dizer-se que a ideologia do partido que esteve no poder [PCP] influenciou as políticas de atração do investimento privado?
Não gostaria de generalizar mas, no caso de Almada, sim. Não era uma prioridade. Até podia ser no discurso, mas depois não havia estruturas para tal. Era tudo muito mais reativo do que proativo e muito controlado. Uma das coisas que queremos criar é um balcão do investidor, um manual do investidor, manuais de procedimentos e regras... Depois, é importante que exista uma estratégia. Agora é verdade que o fim da Lisnave foi um momento muito difícil para o concelho. Nomeadamente do ponto de vista social. E há que reconhecer esse mérito [da anterior governação].
Do cinema para a política
O percurso profissional de Inês de Medeiros tem pouco de usual. Conhecida pela sua carreira de atriz e realizadora, acabaria por fazer uma mudança radical, do cinema para o mundo da política. Foi deputada do PS entre 2009 e 2016 e, em 2017, dar-se-ia o segundo acontecimento inusitado, não só para ela como para a história do município de Almada e do PCP. O partido sofreu uma derrota histórica que o fez abandonar a gestão da câmara, onde estava desde 1976. Apesar das resistências encontradas, que encara como normais ("o português tem tendência para o ‘sempre foi assim’, não é só em Almada"), considera que, passados quase dois anos de mandato, "as equipas têm-se adaptado bem".