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Jogo da Bolsa: Tempos de incerteza monitorizam os mercados

Artigo de Luís Oliveira, ISCTE-IUL - Departamento de Finanças

Negócios 09 de Novembro de 2022 às 13:30
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Com a dinâmica de recuperação pós-pandemia iniciada no último trimestre de 2021, as projeções económicas e financeiras sustentavam fortes expectativas de um acentuado crescimento económico e dos mercados financeiros em 2022. Acreditava-se que a "crise pandémica" era coisa ultrapassada; já não era considerada uma ameaça apesar de, no início do ano, ter continuado a ser uma preocupação. Em quase todos os cenários de evolução se previa um ano de 2022, com maior ou menor crescimento, mas uma tendência ‘segura’ de crescimento global a médio prazo que antecipava um rápido regresso à normalidade pré-pandémica. Em finais de fevereiro do corrente ano, fatores geopolíticos entraram em cena e originaram conflitos regionais que impuseram uma revisão de todas as expectativas de evolução para o ano em curso.

A invasão da Ucrânia pela Rússia desestabilizou os mercados, a começar pelo delicado e sensível mercado energético, mas também a produção e circulação de matérias-primas. Este conflito geopolítico rapidamente alastrou à Europa desenvolvida e aos seus aliados norte-americanos tornando-se o principal foco das preocupações dos decisores económicos a nível internacional. Estão reunidos os ingredientes para um ameaçador cocktail económico e financeiro à escala mundial: decisões monetárias tomadas antes e durante o período pandémico em 2020 e 2021, injeções massivas de apoios financeiros e fiscais às famílias e às empresas, níveis inflacionistas que voltaram aos dois dígitos e bateram máximos dos últimos trinta anos, fortíssimo choque nas taxas de juro que haviam estado artificialmente baixas desde a crise económica e financeira internacional que resultou do ‘credit crunch’ nos EUA em meados de 2007. Ainda a nível geopolítico, o conflito China-Taiwan e a política sanitária chinesa de "covid zero", também originaram fortes disrupções nas cadeias de abastecimento e dificultaram o processo de reequilíbrio entre a oferta e a procura e, bem assim, o rápido processo desinflacionista.

Neste contexto de grandes ameaças, os bancos centrais começaram a agir na tentativa de controlar o surto inflacionista atuando diretamente no lado da procura (o único ao seu alcance), subindo de forma rápida e pronunciada as taxas de juro ao longo do ano de 2022. Inevitavelmente, este movimento levou os mercados financeiros a reagirem negativamente, antecipando uma desaceleração do crescimento económico e, mesmo, economias em recessão nos próximos anos. Em consequência, observou-se uma pronunciada desvalorização dos ativos financeiros, em especial nos mercados de ações, devido ao ajustamento em baixa pelo cenário de recessão da economia global que se antecipa.

A dimensão e duração da potencial contração da economia, ditará se a tendência nos mercados se agrava, ou se há margem para uma recuperação. Além da inflação e recessão, os resultados das empresas, até aqui ainda imunes face à forte deterioração das condições macroeconómicas, serão determinantes para a evolução dos mercados bolsistas.

Por vezes não nos apercebemos de que algo pode correr muito mal e sempre que correu mal foi mesmo muito mau. Embora as consequências sejam enormes, não nos apercebemos com o que estamos a lidar; carregamos sempre o fardo, nunca sentimos verdadeiramente o seu peso. É a volatilidade, a besta que pode devorar a nossa riqueza. A besta tem o aspeto de um urso! Fevereiro de 2020 e fevereiro de 2022, quaisquer semelhanças são meras coincidências. O que assistimos é, de facto, à incerteza dos mercados a funcionar em todo o seu esplendor.

Última nota: decorreu em Portugal na semana de 3 a 7 de novembro a Semana Mundial do Investidor e que tem como missão promover a literacia financeira e a proteção do investidor. Muito importante a campanha, da autoria do Banco de Portugal, "ativos virtuais, riscos reais", dividida em três vídeos: criptomoedas como meios de pagamento; as criptomoedas e as diferenças face ao euro digital; e a limitação das competências das autoridades sobre esta matéria.

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