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Jogo da Bolsa: S. Martinho, monitor do mercado

Artigo de Luís Oliveira, ISCTE-IUL - Departamento de Finanças

Negócios 08 de Novembro de 2023 às 13:30
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Após o ataque do Hamas a Israel, as últimas semanas têm sido dominadas pela geopolítica. É um tema da maior importância uma vez que, além do enorme impacto humano e das vidas perdidas, antecipam-se os muito prováveis impactos macroeconómicos num momento em que a economia mundial ainda estava centrada na luta contra a inflação, que disparou na esteira da pandemia e da muito "geopolitizada" invasão militar especial russa à Ucrânia.

Embora o efeito nos mercados financeiros, até ao momento, seja muito limitado, é evidente que existe o risco de escalada do conflito onde, neste caso, o vector de contágio à economia mundial é basicamente o preço do petróleo, que poderá escalar com o avançar da ofensiva terrestre em Gaza. Neste contexto geopolítico, uma pesquisa pelos indicadores do Purchasing Managers’ Index (PMI) da Zona Euro para o mês de Outubro, surpreenderam negativamente, em comparação com a expectativa consensual de ligeira melhoria. Paralelamente, o inquérito do BCE sobre o mercado de crédito relativo ao terceiro trimestre revelou condições de crédito mais restritivas e uma procura mais fraca em todas as categorias de crédito. Os bancos também apontam para um agravamento das condições de crédito no quarto trimestre. Em suma, a pesquisa sugere que o processo de transposição da política monetária para a actividade económica ainda não foi concluída, mas mostra já resultados significativos.

Tudo isto alerta para a possibilidade de o PIB da zona euro registar uma ligeira contracção no terceiro trimestre, abrindo a porta a uma provável recessão técnica no segundo semestre, uma vez que os indicadores continuam a apontar para um cenário de fraco desempenho económico, com as taxas de inflação do mês de outubro a sinalizarem mais uma vez uma sustentada tendência de descida dos preços na maior parte dos países e na zona euro.

Em contraste com a Zona Euro, a economia dos EUA, fortemente impulsionada pela procura interna, registou um crescimento do PIB de 4,9% no terceiro trimestre do ano. O consumo foi particularmente dinâmico e os gastos em bens e serviços cresceram muito mais rapidamente do que no trimestre anterior. Sem dúvida que o crescimento O PIB americano também responde a factores transitórios, como por exemplo a acumulação de stocks registada, que não podem ser replicados no futuro, ainda assim, a dinâmica do PIB no terceiro trimestre do ano não foi suficiente para, no curto prazo, dissipar a elevada incerteza na economia dos Estados Unidos.

Perante estes indicadores, o sentimento dos investidores deteriorou-se significativamente nas últimas semanas face a alguma complacência detectada no início do verão, começando já a descontar os riscos económicos e geopolíticos e dando força ao cenário, para 2024, de uma aterragem suave das economias desenvolvidas. Tal conjuntura poderá favorecer as estratégias de investimento em activos de rendimento fixo em detrimento do investimento em capital.

A tomada de risco sendo, obviamente, desconfortável, é também uma dinâmica saudável nos mercados uma vez que os investidores, preparados para más notícias, poderão acolher melhor os movimentos em baixa se os receios se confirmarem, em contraponto ao que aconteceria se a expectativa estivesse em alta. Claro que é difícil prever com precisão pontos de viragem do mercado, porém enquanto os investidores assimilaram a mensagem dos bancos centrais de taxas de juro elevadas por um longo período, a incerteza geopolítica e a inflação a mostrarem sinais de resistência, o sentimento negativo do mercado pode ser justificado. Uma conhecida piada, frequentemente atribuída a Paul Samuelson, é que o mercado previu oito das últimas cinco recessões. O jogo começou, façam as vossas apostas.

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