Outros sites Medialivre
Notícia

Jogo da Bolsa: Criptopecados

Artigo de Luís Oliveira, ISCTE-IUL - Departamento de Finanças

Negócios 30 de Novembro de 2022 às 14:00
  • Partilhar artigo
  • ...
A proliferação dos ativos criptográficos (ACs) e a respetiva popularidade entre os investidores leva-nos a questionar a sua natureza, função, valorização e potencial de desenvolvimento. Os acontecimentos recentes indiciam que já estarão numa encruzilhada sem retorno no ‘triplo-entroncamento’ entre a inovação tecnológica, o desenvolvimento financeiro e a política monetária. O rápido avanço destas ‘inovações financeiras’ não parece poder constituir a base do desenvolvimento de uma sociedade financeira mais inclusiva; ou (muito menos) quebrar o monopólio dos (sistemas de) bancos centrais em termos de gestão da política monetária. São dois pilares que ao serem postos em causa, colocarão o futuro do ecossistema financeiro que conhecemos em risco.

O desenvolvimento dos ativos financeiros digitais tem sido objeto de muita e apurada atenção nos últimos anos. O interesse por estes ativos não é novo, porquanto os primeiros parecem ter sido desenvolvidos após o crash do mercado de crédito norte-americano em meados de 2007; a crise pandémica de 2020/21 deu-lhes um tremendo impulso, assistindo-se a que alguns destes ativos hajam multiplicado mais de sete vezes o seu num só ano.

Entre setembro de 2014 e novembro de 2022, o mercado de bitcoin registou uma valorização média diária de 0.12%, traduzindo uma taxa de rendibilidade anualizada de 44% e volatilidade de 61.5%. Neste mesmo período ter-se-ão evaporado algumas fortunas e mais recentemente assistimos ao colapso da plataforma FTX com o protagonista do "crash", o Token FTT, a mergulhar 94% em menos de duas semanas. Entre setembro de 2020 e abril de 2021 o mercado de bitcoin valorizou 4869% para 2 meses depois cair 54%; entre julho e novembro do mesmo ano valorizou 1217% para voltar a deslizar um ano depois 75%. Quais são as razões para esta loucura? Serão apenas mais uma forma de excesso ligada à recente inovação financeira? ou estaremos a assistir à emergência de um novo paradigma nas finanças descentralizadas e a uma profunda rotura nos sistemas de transação ligados à disrupção tecnológica (blockchain)? Os ACs podem realmente "competir" com as moedas oficiais nas suas funções tradicionais? E se assim for, será possível avaliar o risco que representam para a estabilidade financeira global?

A literatura sobre os ACs é vasta, não pretendendo esta crónica cobrir todos os debates e controvérsias, frequentemente de natureza técnica, mas sim chamar a atenção dos investidores sobre as questões relacionadas com o seu desenvolvimento, bem como sobre os impactos de volatilidade e até de incerteza ligada à condição de serem seus proprietários.

Em suma, captar os benefícios da inovação enquanto se controla os seus excessos é o maior desafio que os reguladores/bancos centrais enfrentam no século XXI. Apenas quando a envolvente regulatória tiver estabilizado e a relação com os mercados e plataformas de negociação de ACs tiver sido clarificada, os gestores de investimento deverão recomendar os ativos digitais como veículos seguros. No fim de contas, os investimentos em ACs podem ser promissores, mas, por enquanto, não passam de um ‘bolbo’ de natureza especulativa.

Mais notícias