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Durante a última crise, com a troika em Portugal, a Exatronic investiu na área industrial em Aveiro para juntar a capacidade de fabrico próprio aos projetos de engenharia, apostando em mercados de nicho e de valor acrescentado e antecipando que a tendência no setor seria o fim da concentração de volumes na Ásia e a criação de redes de produção regionais. Volvidos sete anos, essa flexibilidade produtiva adquirida pela empresa de eletrónica está a ser decisiva para abordar a nova crise, provocada pela pandemia de covid-19: apenas numa semana conseguiu fornecer a placa principal de controlo para o ventilador Atena.
A "mainboard" da Exatronic, que colabora há cinco anos com o CEiiA - Centro de Engenharia para o Desenvolvimento de Produto, é um dos principais componentes de produção nacional para o equipamento desenvolvido em Matosinhos num prazo recorde de 45 dias, que já tem as primeiras 100 unidades prontas para entregar aos hospitais portugueses. O projeto entra agora na segunda fase, prevendo mais 400 até ao final de maio e o início da internacionalização, com duas encomendas já confirmadas do Brasil.
Exatronic
Fundação: 1995
Localização: Aveiro
Trabalhadores: 45
Volume de negócios: 2,5 milhões de euros
Exportação: 15% de forma direta, mas os clientes são fortemente exportadores
Especialização: desenvolvimento de soluções verticais de eletrónica
O fundador e CEO lembra que os documentos técnicos e a lista de materiais necessários para o fabrico das placas chegaram mesmo antes da Páscoa e a equipa dedicou esse fim de semana alargado ao processo de industrialização, isto é, a preparar tudo para garantir que as séries saem todas iguais. Enquanto aguarda a validação final pelo Infarmed, Nuno Gomes espera que "haja capacidade na indústria portuguesa para tomar esta tecnologia". E declara que "quer fazer parte disso". "Disponibilizamo-nos com desapego e não houve preocupação com margens. Lá à frente, se tudo correr bem, queremos fazer parte da exploração comercial do que daqui resultar", resume o empresário.
A prazo, Miguel Braga sublinha que a ideia do CEiiA é replicar a célula de fabrico e de montagem em parceiros industrializadores nacionais e que tem "muito interesse em ajudar os interessados a posicionarem-se no mercado com este produto", arriscando que "neste momento não há nenhuma indústria em Portugal que não saiba que há esta possibilidade". Porém, explica que a instituição percebeu logo de início que "o grande desafio não era só - nem principalmente - desenvolver a tecnologia e [que] disponibilizar o código não ia resolver nada". "A ambição foi colocar ventiladores devidamente preparados, com fiabilidade e segurança para serem utilizados pelos hospitais. Tivemos de assumir essa responsabilidade dentro de casa, até ao final da linha de produção", acrescenta.
Para cumprir o objetivo de ter uma centena de ventiladores prontos neste prazo inédito - cumpre os testes em humanos na próxima semana no Santo António (Porto) e em Braga -, o Atena contou com três "parceiros críticos" e que foram "decisivos para acelerar o processo". A equipa de 106 engenheiros do CEiiA fez um "sourcing" muito detalhado para os materiais a serem fornecidos por empresas localizadas na zona Norte para facilitar a logística. "Temos orgulho nesse efeito replicador do projeto. Trouxemos indústrias que provavelmente encontraram aqui uma reorientação da capacidade produtiva", completa Miguel Braga, notando que muitos dos produtos importados foram também comprados aos distribuidores portugueses, como a Intersurgical ou os representantes da alemã Festo no país.
Mão ou salvação
Em contrarrelógio para arranjar dez modelos de peças internas para o Atena, foi na Trofa que o CEiiA encontrou o conhecimento técnico e o parque de máquinas para responder num prazo apertado. Alocando duas pessoas ao projeto para prepararem os equipamentos e tratarem da engenharia necessária à volta destes componentes, a Frezite forneceu cerca de mil peças para a primeira centena de ventiladores e vai "continuar a ajudar na produção em série, até não ser mais necessário", garante Pedro Pacheco.
Frezite
Fundação: 1978
Localização: Trofa
Trabalhadores: 520
Volume de negócios: 50 milhões de euros
Exportação: 80% para o Norte da Europa, Espanha, México e Estados Unidos
Especialização: fabrico de ferramentas de corte por arranque de apara
O diretor-geral salvaguarda que a metalomecânica estará "sempre disponível" enquanto o promotor precisar de ajuda, mas não pensa aproveitar esta oportunidade para criar uma nova linha no negócio, que é assegurado pelo setor do mobiliário e da transformação da madeira e pela indústria automóvel e aeronáutica. "Sai fora do nosso portefólio. Não entramos nisto com o intuito lucrativo; foi mais uma questão de emergência nacional e para rapidamente termos os hospitais equipados para nos poder salvar a todos", assegura o gestor.
Já no caso da Friconde, que viu as encomendas da hotelaria abrandarem até ser forçada a parar a produção e entrar em lay-off, o fornecimento de toda a parte metálica da estrutura base do Atena permite ter seis funcionários no ativo e dar trabalho a outras firmas, como a portuguesa que subcontratou para a pintura e o corte de tubos ou a alemã que reabriu de propósito para fabricar as mil rodas para o ventilador.
Friconde
Fundação: 1987
Localização: Vila do Conde
Trabalhadores: 35
Volume de negócios: 4,6 milhões de euros
Exportação: 85%, Espanha é o melhor mercado
Especialização: equipamentos de refrigeração e em inox para hotelaria
De um catálogo de sete mil produtos, esta empresa de Vila do Conde está quase exclusivamente focada na mecânica do ventilador. Carlos Barros, que soube da oportunidade em conversa com antigos colegas do CEiiA, onde trabalhou até 2018, antevê uma futura fonte de receitas. "Estamos perfeitamente abertos. Não estávamos a pensar nisso, mas neste momento temos o conhecimento e os equipamentos rentabilizados para este produto", remata o engenheiro de produto.
Perguntas a Miguel Braga
Diretor do CEiiA
"Tivemos de mimar os fornecedores. Foi anormal"
O diretor do CEiiA vê "grande oportunidade" na industrialização na área da saúde.
Qual a incorporação nacional neste ventilador?
No início era cerca de 25%, neste momento é 50% e há margem para continuar a aumentar. Mas não era possível desenvolver um ventilador em 45 dias se tivéssemos duas semanas a perceber como poderíamos incorporar mais-valia nacional.
Falta essa especialização?
De facto não existe nada. A industrialização na área da saúde em Portugal é residual. Não é possível que traqueias, válvulas e outras componentes relativamente simples sejam todos fabricados em Estónia, Letónia, Alemanha ou Reino Unido - nem sequer no Oriente. É uma grande oportunidade para algumas empresas reorientarem as suas linhas para produtos e equipamentos de que precisamos e que temos de importar.
E como foram essas compras no estrangeiro?
Tivemos a ajuda do Governo e da diplomacia - por exemplo, da embaixada na Alemanha - para os componentes decisivos chegarem mais rápido e a tempo para o ventilador. E tivemos de fazer algum charme junto dos fornecedores. Não só pagávamos tudo à cabeça como no processo ainda tínhamos de mimá-los para nos priorizarem nas entregas. Isto é absolutamente anormal. Estou habituado a mimar clientes, mas não fornecedores.