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Sistema de saúde deve basear-se nos ganhos de saúde

Quantificar actos é necessário mas não é suficiente para um planeamento adequado que permita medir ganhos em sobrevivência, ou perdas por efeitos adversos graves, ou mesmo ganhos em produtividade.

17 de Novembro de 2016 às 11:20
Bruno Simão
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"O Sistema de Saúde deveria estar preparado para avaliar ganhos de saúde em áreas prioritárias" refere Luís Costa, director do Serviço de Oncologia Médica do Centro Hospitalar Lisboa Norte. No entanto, sublinha que "este tipo de gestão só será possível se formos capazes de planear o registo "automático e obrigatório" para alguns eventos que são representativos de ganhos em saúde, por exemplo, ganhos em sobrevivência, ou perdas por efeitos adversos graves, ou mesmo ganhos em produtividade (percentagem de doentes que se mantêm profissionalmente activos apesar de terem doença crónica que requer tratamento activo).

Quantificar actos é necessário mas não é suficiente para um planeamento adequado. Luís Costa acrescenta que para "algumas áreas pode-se inclusive obter informação proveniente do utente (doente), através da utilização de 'patient-reported outcomes' (particularmente útil para monitorizar efeitos adversos das terapêuticas instituídas, e não só)" diz Luís Costa, que também é professor na Faculdade de Medicina de Lisboa.

O busílis desta estratégia é a necessidade de tecnologia e recursos humanos para fazer o registo adequado de dados. "Sem esta decisão 'política' não teremos um verdadeiro plano de averiguação sobre quais são os reais ganhos em saúde, no mundo real" admite Luís Costa.

O sistema de saúde deve ser mais centrado nas pessoas e baseado no trabalho de equipas multidisciplinares. Para Luís Costa, "a Medicina do ponto de vista técnico, é cada vez mais multidisciplinar e, ao mesmo tempo, deve ser centrada no paciente". Esta permite utilizar indicadores para examinar a eficiência do sistema. Dá como exemplo um centro oncológico do cancro da mama. "Pode ser avaliado em cerca de 20 indicadores tais como o tempo desde a mamografia até obtenção do resultado da biópsia, o tempo desde esta resposta até à cirurgia, o tempo desde a cirurgia até à realização da quimioterapia (se estivesse indicada), etc." São indicadores centrados nos resultados para os doentes e não unicamente indicadores de produção.

António Vaz Carneiro, professor na Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa refere que "os cuidados baseados no valor ('value-based healthcare') são o mais recente avanço para avaliar a qualidade assistencial no SNS". Relaciona os resultados em saúde com os seus custos globais e permite, porque engloba os indicadores que são importantes para os doentes, uma hierarquização de intervenções a todos os níveis: cuidados primários, hospitalares, continuados, paliativos. Dá com exemplo da aplicação deste conceito o International Consortium for Health Outcomes Measurement (ICHOM), uma parceria entre Harvard, o Karolinska e o BCG, com quem o Centro de Estudos de Medicina Baseada na Evidência (CEMBE), da Faculdade de Medicina de Lisboa, que António Vaz Carneiro dirige, tem uma parceria científica e profissional. "Este sistema permite captar os indicadores de facto importantes para os doentes (e não apenas para os profissionais de saúde ou gestores em saúde, por exemplo), de modo a permitir uma avaliação de facto centrada no doente. Isto é absolutamente inovador a nível mundial".

O pilar dos cuidados de saúde primários

"Os cuidados de saúde primários deveriam ser um pilar fundamental no sistema de saúde" defende Luís Costa e poderia ser benéfico para o próprio funcionamento dos hospitais, pois "os doentes seriam referenciados e seguidos, após os cuidados hospitalares, em contexto de cuidados primários de saúde". Para António Vaz Carneiro, "parece não haver grandes dúvidas que a coluna vertebral de qualquer serviço de saúde moderno devem ser os cuidados de saúde primários".

Até porque o peso das doenças crónicas ambulatórias é esmagador e prevê-se que dentro de alguns anos 80% dos gastos sejam com estes doentes crónicos com múltiplas patologias. Terão de ser geridas fora do hospital, excepto nas descompensações clínicas. "Esta abordagem tem melhores resultados globais, apresenta uma taxa de maior satisfação dos doentes e dos profissionais e é mais racional em termos de gastos em saúde. Existem inúmeros estudos que provam isto mesmo" refere António Vaz Carneiro.

O processo clínico electrónico

"O processo clínico electrónico é hoje em dia uma ferramenta absolutamente essencial para a gestão clínica, administrativa e financeira do Sistema Nacional de Saúde" diz António Vaz Carneiro. Como existem vários tipos de software no SNS, o importante é que as plataformas falem umas com as outras, e haja fluxo de informação. "O processo clínico electrónico permite ainda fazer estudos de efectividade e de "real life data", captando uma informação de facto impossível de obter de outra maneira. Estas análises de "big data" são já uma realidade e serão absolutamente cruciais para o futuro dos cuidados de saúde, independentemente do tipo de serviços que se queiram oferecer" conclui António Vaz Carneiro.