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Paulo André Fernandes: Sem combate à infecção, não há qualidade dos cuidados prestados

Segundo Paulo André Fernandes, director do PPCIRA, em Portugal a maior parte das taxas de infecção hospitalar tem vindo a descer nos últimos anos. No entanto, algumas infecções continuam acima da média europeia.

06 de Setembro de 2016 às 09:45
David Martins/Correio da Manhã
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Paulo André Fernandes, 55 anos, é o director interino do Programa de Prevenção e Controlo de Infecções e de Resistências aos Antimicrobianos (PPCIRA). Licenciado em medicina e mestre em infecção associada aos cuidados de saúde, é especialista de Medicina interna. É responsável da Unidade de Cuidados Intensivos do Centro Hospitalar Barreiro-Montijo (CHBM) onde tem feito grande parte da sua carreira médica. Tem estado sempre muito ligado às questões de prevenção e controlo de infecções e de utilização e consumo de medicamentos, designadamente antimicrobianos.

Qual é a importância do combate às infecções hospitalares? Quais são os efeitos do facto de a taxa de infecção hospitalar em Portugal continuar acima da média europeia?
A infecção associada à prestação de cuidados de saúde pode ocorrer em qualquer cenário onde esses cuidados sejam prestados, incluindo hospitais, centros de saúde, cuidados continuados ou cuidados domiciliários. Em contexto hospitalar a aquisição de infecção assume em geral maior gravidade, pelas características dos doentes internados, maior complexidade das técnicas de diagnóstico e terapêutica, e maior resistência aos antibióticos dos microrganismos envolvidos.
A aquisição de infecção é um problema em todos os serviços de saúde do mundo. Agrava o prognóstico da situação clínica que motivou o internamento, acrescenta morbilidade ao quadro inicial, prolonga o tempo de permanência no hospital e aumenta os custos. Cada uma destas consequências, com natural destaque para o agravamento do prognóstico e potencial mortalidade atribuível, justifica por si só que seja incontornável o combate a estas infecções. Sem combatermos a infecção, de forma séria e eficaz, não poderemos falar em segurança do doente internado nem em qualidade dos cuidados prestados.
Em Portugal, a maior parte das taxas de infecção hospitalar tem vindo a descer nos últimos anos. No entanto, em algumas infecções continuam acima da média europeia, o que implica que os doentes internados podem, em alguns casos, ter maior probabilidade de contrair infecção quando comparados com os países do norte da Europa. Esta é uma situação a corrigir.

Refere-se que cerca de um terço das infecções hospitalares poderiam ser evitadas através do cumprimento de boas práticas. Quais são e qual é a dificuldade em implementar estas boas práticas?
O princípio segundo o qual cerca de um terço das infecções hospitalares poderiam ser evitadas foi estabelecido pelo estudo de referência SENIC, publicado nos EUA em 1985.
Nas últimas décadas, a implementação simultânea de feixes de medidas preventivas da transmissão da infecção (bundles), acompanhada de iniciativas promotoras do trabalho em equipa e melhoria da qualidade, permitiram reduzir acentuadamente as taxas de algumas infecções, como a bacteriemia relacionada com o cateter central e a pneumonia associada à intubação traqueal. Recentemente a OMS considerou que cerca de metade destas infecções são preveníveis.
A não ocorrência de infecção relaciona-se com diversos factores, entre os quais as boas práticas por parte dos profissionais é um dos mais importantes. Mas a depressão imunológica, os internamentos prolongados e a dimensão reduzida das equipas de trabalho são também importantes factores de risco.
O cumprimento de boas práticas de controlo de infecção pelos profissionais depende de uma educação eficaz e de condições de trabalho adequadas, mas é condicionada por múltiplos factores motivacionais, culturais e comportamentais. Importa que se fale mais de controlo de infecção nas fases de licenciatura e que se reforce a formação em exercício. Devem ser reforçados e premiados os bons exemplos por parte de profissionais, serviços e instituições. Devem modificar-se as estruturas e os processos, para que naturalmente favoreçam as boas práticas.

Até 2013, Portugal era o país europeu que mais consumia antibióticos de largo espectro. Como é que chegou a esta situação e como se pode baixar o consumo dos antibióticos?
Permitindo que fossem tratadas infecções anteriormente mortais, os antibióticos contribuíram significativamente para o aumento da esperança de vida observado na segunda metade do século XX. Gerou-se por isso na população, e também nos médicos, um sentimento de confiança ilimitada nestes fármacos, que passaram a ser prescritos com pouco critério e utilizados como panaceias. Não se atendeu, e em muitos casos ainda não se atende, à enorme capacidade geradora de resistências por parte dos microrganismos. O uso não racional de antibióticos promove o aumento das resistências. Chegámos a uma situação a qual, se não for resolvida, retirará aos antibióticos grande parte da sua utilidade, inviabilizando muitas das estratégias terapêuticas utilizadas para tratar doenças graves.
Nos últimos anos tem aumentado entre os médicos a noção da absoluta necessidade de usar os antibióticos racionalmente, não os prescrevendo quando não são necessários, por períodos excessivos ou com espectro demasiado alargado. Os resultados são já nítidos e positivos. Utilizamos já menos antibióticos, quer no ambulatório quer nos hospitais, que a média dos países europeus. A redução tem sido significativa em antibióticos de largo espetro como as quinolonas. O uso de carbapenemos tem diminuído, embora tenhamos que melhorar muito mais para atingir níveis razoáveis de consumo. Os portugueses têm que saber e interiorizar que gripes não se tratam com antibióticos.