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O produtor não pode ser remunerado apenas pela madeira

É um recurso que produz bens ambientais, é fonte de biodiversidade, contribui para o sequestro de CO2, zela pela qualidade do ar e da água. “Temos de encontrar mecanismos para custear os restantes recursos de que toda a sociedade aproveita”, defende Luís Braga da Cruz.

29 de Dezembro de 2020 às 15:30
Inês Gomes Lourenço
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Para o presidente da Forestis, Luís Braga da Cruz, “o planeamento, só por si, não resolve, mas constrói cenários. O que é necessário é gestão e construir soluções que operacionalizem as intervenções em função dos problemas”.

A pandemia veio revolucionar a forma como o mundo vive e se relaciona. Na sua opinião, a situação pela qual estamos a passar pode constituir-se numa janela de oportunidade para que a sociedade passe a ver a floresta e a sua governança de forma diferente, ou não?

A floresta é um recurso multidimensional: produz bens ambientais, é fonte de biodiversidade, contribui para o sequestro de CO2, zela pela qualidade do ar e da água e ainda é um recurso económico muito estimável, que não podemos estigmatizar. A floresta não pode ser remunerada apenas pela madeira. Temos de encontrar mecanismos para custear os restantes recursos de que toda a sociedade aproveita. Assim se mitigaria o défice de rendimento da floresta para o produtor e se estimularia o proprietário a melhor gerir.

Relativamente à floresta, o Plano de Recuperação Económica de Portugal 2020-2030 refere a necessidade de melhorar o ordenamento do território, através da reforma do minifúndio, da promoção de operações de emparcelamento de terras, da atualização dos registos cadastrais, da reflorestação de montanhas, entre outras medidas. Quais são as expectativas da Forestis relativamente a este plano?

Recentemente o Ministério do Ambiente, que agora detém a tutela conjunta da política florestal e do ordenamento do território, anunciou novas figuras e planeamento e gestão florestal, enfatizando intervenções em torno do conceito de paisagem: Planos de Transformação de Paisagem, Planos de Reordenamento e Gestão de Paisagem, Ações Integradas de Gestão de Paisagem. A cada uma destas figuras corresponde uma escala de intervenção territorial, desde o nível macro (sub-regional) ao nível local (freguesia). Esta abordagem pode parecer complexa, mas faz sentido, em especial se tiver como preocupação a garantia do equilíbrio entre as três dimensões da sustentabilidade: económica, social e ambiental. A paisagem é tudo o que resulta da interação do Homem com os elementos naturais - ar, água, solo, clima, fauna, flora, orografia - num dado território. Assim, esta relação é determinada pela escassez ou pela abundância desses elementos e pelas suas características, tudo na busca de um equilíbrio. Daqui resulta a necessidade de cultivar ou gerir a paisagem para garantir equilíbrio. Não gerir, conduz ao abandono, à instabilidade dos ecossistemas, à perda de biodiversidade. Havendo pessoas é necessário convocá-las a assumir o seu papel de agentes e remunerar os serviços de interesse geral que providenciam.

Se o Plano de Recuperação Económica tiver isto em atenção, a floresta beneficiará. Se não, será mais uma ilusão. A biomassa florestal para fins energéticos não pode ser confundida com matéria-prima lenhosa, porque tem apenas caráter sobrante, não esquecendo os custos de a levar até à central. O planeamento, só por si, não resolve, mas constrói cenários. O que é necessário é gestão e construir soluções que operacionalizem as intervenções em função dos problemas.

 

Perfil: engenheiro e ministro Luís Braga da Cruz nasceu em Coimbra a 30 de maio de 1942. Estudou no Liceu D. João III, Coimbra, 1951/59, fez os preparatórios de Engenharia na Universidade de Coimbra e licenciou-se em Engenharia Civil pela Universidade do Porto, 1962/65. Foi professor catedrático convidado entre 1977 e 1986, e de 2003 a 2012.

É desde 2016, presidente do Conselho de Fundadores da Fundação de Serralves no Porto, presidente da Forestis – Associação Florestal de Portugal desde 2018, e integra o Conselho de Curadores da Universidade do Porto desde junho de 2020.

Desempenhou ainda várias funções administrativas e de gestão, bem como uma extensa atividade associativa. Entre elas, a de presidente da Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional do Norte (CCDR-N), da Enenorva (1995-1996), e do polo português do Operador do Mercado Ibérico de Energia (OMI). Em 2001 e 2002 foi ministro da Economia e, entre 2005 e 2006, desempenhou funções como deputado na Assembleia da República.