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“A rede primária das faixas de interrupção de combustíveis tem de ser assumida como uma infraestrutura nacional, tal como as redes de energia, telecomunicações ou viárias”, considera Luís Braga da Cruz. Acrescenta que “mantê-las é responsabilidade nacional, devendo o Estado assumi-lo”.
O setor florestal português vive uma crise estrutural, a estrutura fundiária de uma vastíssima parte das zonas florestais, o despovoamento das zonas rurais, o decréscimo de valor dos produtos da floresta e os terríveis fogos, que assolaram o país nos últimos anos, determinam a necessidade de encontrar novas soluções para ultrapassar esta crise. O que é que pode/deve ser feito a curto, médio e longo prazo, para inverter a situação atual?
A situação radica na grande diversidade da floresta portuguesa: montado no Sul mediterrânico; floresta atlântica a norte e centro; folhosas no interior mais continental. A estrutura da propriedade também é condicionante. A falta de rendimento tem contribuído para a generalizada situação de abandono.
O combate ao abandono tem de ser feito com políticas adaptadas a cada distinta realidade e pelo estímulo à gestão. A grande dificuldade está no défice de gestão agrupada, por ser complexa e de difícil concretização, em especial por a floresta ser desvalorizada socialmente. Pode haver muitas soluções mas, para terem sucesso a médio prazo, há algumas condições básicas: não haver descontinuidade temporal nas políticas e garantir estruturas de proximidade para apoio, aconselhamento e reforço dos serviços ao produtor, seja pela reconstituição da proximidade da autoridade florestal, seja pela via da contratualização com as organizações de produtores florestais. Finalmente, as situações mais críticas reclamam abordagem de natureza integrada com o envolvimento de medidas de natureza social. Estamos no domínio das políticas de apoio ao desenvolvimento de territórios mais problemáticos, onde a floresta é um dos recursos mais importantes e tem de ser fonte de rendimento.
O Governo tem vindo a adotar medidas legislativas para o setor, entre as quais, a obrigatoriedade de os proprietários e produtores florestais efetuarem a limpeza das matas, a criação de faixas de gestão de combustível, a reintrodução da Guarda Florestal, etc. Estas medidas afiguram-se como preventivas/mitigadoras de fogos florestais, contudo, podem não ser suficientes para a necessária mudança de paradigma no modelo de gestão da nossa floresta. Como representante de um movimento associativo de proprietários florestais, qual é a análise que faz destas medidas e do seu impacto no setor?
O abandono das terras contribuiu para a acumulação de combustível, um fuel potencial que tem de ser reduzido, face ao risco de fogo. O problema é complexo, mas está identificado e as soluções são diversas. Temos a noção de que não há milagres e que é necessário atuar em múltiplas frentes em simultâneo. Os desastrosos incêndios de 2017 trouxeram muitos ensinamentos, dos quais os três mais importantes, em minha opinião, foram: o foco na prevenção; a opção por melhor coordenação das ações; a decisão política de valorizar o conhecimento para o integrar na política pública. A criação da AGI (Agência para a Gestão Integrada de Fogos Rurais) e as suas iniciativas de planeamento e operacionais estão a dar resultados positivos.
A rede primária das faixas de interrupção de combustíveis tem de ser assumida como uma infraestrutura nacional, tal como as redes de energia, telecomunicações ou viárias. Mantê-las é responsabilidade nacional, devendo o Estado assumi-lo. Os restantes níveis de atuação podem ser descentralizados para órgãos municipais ou para estruturas de produtores, desde que seja garantida eficácia na concretização. Há experiências bem-sucedidas através de centenas de equipas de sapadores florestais, mas é importante que esta atividade seja dignificada, bem coordenada e com remuneração compatíveis.
A sensibilidade dos problemas florestais reclama muita pedagogia e um robusto acompanhamento. É por isso que temos vindo a defender o restauro da Autoridade Florestal - o ICNF - a nível regional e local. Tem de haver uma muito forte aposta na estrutura da administração florestal para que seja reconhecida com autoridade.
Ao nível das medidas de apoio à intervenção na floresta, é necessário operar uma mudança radical nos instrumentos disponíveis. A medida 8 do PDR 2020, de apoio à floresta, foi desajustada à natureza dos problemas, conduziu a tratamentos regionais profundamente injustos, pondo em causa a coesão nacional em matéria florestal. Estamos a entrar num novo período de programação dos fundos europeus. Precisamos que as medidas florestais sejam mais simples, menos burocráticas, mais orientadas para os problemas e, sobretudo, com prévia afetação regional dos recursos.
Uma das revoluções do nosso tempo tem a ver com a digitalização e a sustentabilidade. Como é que a floresta portuguesa está a utilizar as ferramentas digitais e tecnológicas e a responder ao desafio da sustentabilidade? Como é que está a ser construída a Floresta 4.0?
As organizações de produtores florestais terão sido até hoje quem mais usou as tecnologias e que mais fez pela digitalização da informação cadastral das propriedades rurais florestais. A Forestis tem disponibilizado às suas associadas ferramentas informáticas que agilizam a gestão e apoiam os processos de certificação florestal que têm em curso. Estamos disponíveis para colocar à disposição do Estado a informação cadastral disponível para ajudar a ultrapassar o enorme atraso ainda existente. Fará sentido falar em Floresta 4.0 quando ainda estamos tão atrasados?