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Indústria 4.0 aumenta eficiência mas destrói emprego

Entre os ganhos de produtividade e de controlo da produção que serão garantidos pelos mecanismos da indústria 4.0, há um problema importante: as novas ferramentas deverão levar à dispensa de 10% a 45% da força de trabalho actual no sector.

Bruno Simões brunosimoes@negocios.pt 07 de Dezembro de 2017 às 12:51
Inês Lourenço
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A quarta revolução industrial tem como principal marca a profunda digitalização de todo o processo produtivo. Não se trata apenas de promover uma automação isolada de máquinas e processos, como aconteceu com a introdução de robôs (uma das marcas da indústria 3.0, e que por si só já representou a eliminação de postos de trabalho). Na indústria 4.0, a digitalização será levada a um patamar inédito.

Isso terá custos em termos de emprego, porque quem quer ser competitivo terá de dispensar força de trabalho. E vai colocar pressão nas universidades, porque é preciso apostar em competências que hoje não são exploradas. Esta foi uma das principais conclusões do painel que discutiu a indústria 4.0 no pequeno-almoço executivo organizado pelo Negócios e pela Sage a 12 de Outubro.

A Southwest contrata pessoal com base nas aptidões das pessoas, as competências específicas depois aprendem lá dentro. (...) Só engenharia tradicional sem soft skills não vai lá. Luís Mira Amaral
Vice-presidente do Conselho Geral da CIP

Adriano Serrano, Director de Processos e Sistemas de Informação da Navigator, deu um exemplo histórico. "Antigamente tínhamos ascensoristas para carregar num botão, agora se calhar achamos ridículo. Se calhar um dia vamos achar ridículo uma pessoa a traduzir dentro de um cubículo". Actualmente, "é impossível nós conseguirmos tratar de tanta informação, basta ver os e-mails [que recebemos]. O que vai ter de aparecer? Agentes digitais que o façam de forma mais eficaz".


João Miranda, CEO da Frulact, também não tem dúvidas. "A indústria 4.0 vai promover seguramente desemprego". O que este gestor não sabe é se "ao nível da formação, na vertente mais curricular das nossas universidades, se estamos a apostar mais nesta vertente dos 'soft skills' e da transversalidade de conhecimento, que é fundamental". Porque hoje "não posso ser só engenheiro de nutrição… e não sei se temos isto nas nossas universidades".

O CEO da Frezite, José Manuel Fernandes, lembra o relatório "da Roland Berger", que diz que "numa estrutura estável", a nova revolução industrial "implica uma racionalidade de 30% a 45% de postos de trabalho". Mas também há "uma série de rácios aliciantes para a implementação da indústria 4.0, desde a produtividade à rentabilização dos meios de produção".

A indústria 4.0 é uma coisa que me tira o sono, mas positivamente, porque nos faz mexer na organização. (...) Não sei se estou a investir no conhecimento para o lado certo. Posso estar a dar um tiro ao lado, mas quero ser o primeiro. João Miranda
CEO da Frulact

Há profissões mais vulneráveis que outras. "Está muito próximo o desaparecimento da função do tradutor, porque um robot tem a mesma taxa de erro que um tradutor", ilustra Adriano Resende. A telefonista também é "uma profissão em risco", porque "é possível fazer mais rapidamente o trabalho com centrais telefónicas". E a rapidez é tudo neste novo paradigma industrial.

Ainda assim, Mira Amaral, que enquadrou esta nova indústria em nome da CIP, mostra-se optimista. "Estima-se que 10% a 15% dos empregos no sector industrial serão eliminados nos próximos 10 anos, mas serão criados outros", mais qualificados. Até porque actualmente apenas "2,2% dos doutorados estão nas empresas", um "falhanço dos governos socialistas". Uma lacuna também referida por José Manuel Fernandes: "o sector metalúrgico e metalomecânico tem um défice de 20 mil engenheiros".

Informação passa a ser mais bem utilizada

As vantagens de ter uma estrutura adaptada às ferramentas da indústria 4.0 são variadas. A quantidade de informação permite desempenhar as diferentes tarefas com um grau de eficiência inigualável, bem como antecipar problemas. Adriano Serrano diz que os "robôs digitais fazem trabalho com produtividade muito superior a um humano", porque um "robô digital interage connosco em linguagem natural, trata informação gigante em tempo reduzido e aprende". Uma empresa (que não especifica) colocou robôs digitais a fazer "distribuição de tarefas num call center" e isso "gerou ganhos de produtividade de 30%".

Na Frulact, por exemplo, é agora possível "integrar com maior rapidez informação que já tínhamos, que estava estática. Temos que a ler, e integramo-la através de sensores, tendo acesso a essa informação mais rápido". Mas o que importa verdadeiramente é saber o que utilizar. "Temos que ser muito disciplinados na informação que queremos aproveitar", explica João Miranda.


Ela é útil, por exemplo, para monitorizar de forma permanente, as 12 mil embalagens de mil litros que a Frulact expede para todo o mundo. "Elas podem ser monitorizadas por 'wireless' por nós, para sabermos qual a pressão, dióxido de carbono ou temperatura". Essa é "informação que é útil, porque tem a ver com a garantia de assépcia" e da "qualidade de armazenagem".

A indústria 4.0 trouxe uma redução do défice da qualificação dos recursos humanos e uma eliminação do erro nos layouts industriais, porque temos muito mais garantias que o robô cumpre, não falta. José Manuel Fernandes
CEO da Frezite

E a competitividade, hoje em dia, mede-se pela eficiência nos processos. "Se não nos preparamos para este movimento rápido, que é eliminar muitos processos que só acrescentam custos e tempo, corremos o risco de ficarmos fora do mercado, porque a competitividade hoje é isso. Não é preço nem qualidade, mas um conjunto de variáveis em que temos de ser muito bons".

Todas estas inovações permitem uma mudança de paradigma na produção de bens. Em áreas como a metalomecânica, passou a ser valorizado o produto com valor acrescentado. "Começámos com um espírito tayloriano, de produzir para stock e, a partir do stock, servir o mercado, e hoje… já trabalhamos 98% em costumização, produzimos uma unidade de sistemas complexos. Esta indústria dá-nos posicionamento e desafios novos e está dentro do nosso perfil. Produtos complexos, com integração de valor, e aí é uma das grandes vitórias da industria 4.0 na nossa experiência", diz José Manuel Fernandes.