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A Torre de Belém com turistas a mais

A cultura e o entretenimento devem contribuir para o turismo e o património cultural, sem perder de vista os seus fins e objectivos. Tem de contribuir para que o fluxo de turismo se mantenha, sem que afecte negativamente como aconteceu em outros locais na Europa.

01 de Junho de 2017 às 12:14
Paula Araújo da Silva, da Direcção-geral do Património Cultural e Carlos Vargas, presidente do Teatro Nacional de São Carlos discutiram o papel da cultura no turismo. Inês Lourenço
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A Torre de Belém teve em 2016 quase 700 mil visitantes e em 2017 está quase a atingir os limites. "Tem pessoas a mais porque é um monumento muito pequeno e provavelmente, em determinadas alturas, vamos de ter de limitar as entradas" conta Paula Araújo da Silva, directora da Direcção-geral do Património Cultural. Por sua vez o Mosteiro dos Jerónimos ultrapassou um milhão de visitantes em 2016, o Mosteiro da Batalha que teve quase 400 mil visitantes em 2016, deve estar ultrapassar o meio milhão este ano.

Como diz Paula Araújo da Silva, há museus que "nunca atingirão esses valores e pelas equipas que têm de ter, pela qualidade de trabalho que têm de desenvolver, pela natureza do trabalho que fazem são instituições que do ponto de vista financeiro não são rentáveis". Assinala que "temos de sair do pensamento do século passado e há um equilíbrio a que é preciso estar atento. O princípio de que é o Estado que paga já não existe. As instituições têm que ter capacidade de atrair visitantes em números razoáveis de modo a não prejudicar a própria instituição". Nos espaços culturais da DGPC (museus, palácios e monumentos, num total de 23) houve 3,2 milhões de visitantes em 2011 e em 2016 foram 4,7 milhões.

Rigidez e pouca colaboração

"O insucesso de muitos museus pelo país tem a ver com a rigidez e falta de abertura. Não têm de passar da cultura ao entretenimento, mas têm de ter uma abertura à modernização" disse Mário Ferreira, CEO da Douro Azul, que também detém e gere o Museu dos Descobrimentos no Porto. Diz que nos meios museológicos o acusam de "disneyzificação", "mas temos 140 mil visitantes e, ao lado, um museu, com todo o seu mérito, continua a criar pó sem visitas" ilustra Mário Ferreira. Para este empresário devia haver uma maior abertura e colaboração em determinados sectores e há situações, seja na museologia ou noutros casos, que poderiam ganhar com uma ligação com uma mente mais aberta.

O Museu do Côa precisa de algum fôlego. É isso que neste momento se está a tratar com a reformulação da fundação, que lhe dará possibilidades de se desenvolver. Paula Araújo da Silva
Directora da DGPC

"Seria importante um trabalho conjunto, mas em Portugal nota-se rigidez e portas fechadas nas relações. O que acontece é que existe uma elite muito bem formada no que se refere à museologia que não dá abertura. Depois temos o problema do museu de Foz Côa, no Douro, que não funciona nem nunca vai funcionar porque o conceito está errado em termos de atracção de mais pessoas. Está feito para uma determinada elite que foi lá e aquilo continua a ser um buraco de milhões todos os anos que temos que ir cobrindo com os impostos".

As pessoas têm de trabalhar em conjunto

Por sua vez Paula Araújo da Silva, directora da Direcção Geral do Património Cultural, explicou que o Museu do Côa "foi estrangulado com a diabolização das fundações em 2013" e ficou de tal forma do ponto de vista financeiro que se limitava a pagar os salários ao pessoal. "O Museu do Côa tem potencialidades enormes porque do ponto de vista cultural tem um património que é único e está inscrito na lista do património da Humanidade. Precisa de algum fôlego. É isso que neste momento se está a tratar com a reformulação da fundação, que lhe dará possibilidades de se desenvolver" sublinhou Paula Araújo da Silva. Acrescentou, no entanto, que, "no caso do Douro, como em outros casos, as instituições culturais como o Museu do Douro e o Museu do Côa têm de trabalhar em conjunto com quem está a levar o turismo ao Douro".

Para este alto quadro da administração pública "as pessoas têm de trabalhar em conjunto, tem de se deitar abaixo os muros e fazer trabalho conjunto, de entendimento". Por uma questão de desenvolvimento económico de que o turismo é um dos motores. A cultura e o entretenimento devem contribuir para o turismo e o património cultural, sem perder de vista os seus fins e objectivos. "Tem de contribuir para que este fluxo de turismo continue e não nos venha a afectar como afecta outros locais na Europa. Temos tempo mas temos de aprender com as experiências anteriores".

Equipamentos a mais, gestão a menos

Para Bárbara Coutinho, presidente do MUDE, "olhando estritamente para os museus, centros de cultura, embora a cultura seja muito mais do que isso, houve uma fase em que se fez talvez um excessivo investimento". Como diz "todos os municípios, todas as localidades queriam ter o seu museu" mas o problema não está apenas nos equipamentos culturais mas na sua gestão. "Se formos ver o número de museus e o número de edifícios que existem desenhados para serem museus, centros de interpretação, as labs, as indústrias criativas é grande, mas depois não têm equipas nem financiamento, nem um modelo organizativo e de gestão que seja de facto eficaz".

"Não sei se há mais ou menos modernidade, falta de arrojo ou de inovação, creio que os museus também se debatem diariamente com sérios problemas e há também necessidade de requalificação e de renovação e de um modelo de gestão que seja feito por objectivos" conclui Bárbara Coutinho.

A festa como reinvenção das cidades

Como refere Carlos Vargas, "quer o turismo, quer a pressão do entretenimento para a ocupação dos tempos livres lançam sobre a dimensão cultural uma pressão que tem como resultado a necessidade da festa e portanto uma das outras características que ocorre com grande significado e com grande sucesso e que tem a ver já não com os ciclos da natureza como os ciclos das possibilidades de circulação das pessoas". Desta pressão surgem os festivais literários, de música, de cinema porque se as vendas dos objectos físicos como os livros, os cds continuam a cair, festivais de consumo intensificação. Se as cidades e os territórios forem capazes de agarrar e especializarem têm resultados evidentes.

Por exemplo, "Óbidos em Portugal é um exemplo e extraordinária reinvenção, porque a dimensão patrimonial e tem as suas singularidades, tem produto mas saturou e teve de reinventar-se e transformou-se numa cidade cenário como é Veneza à nossa escala Óbidos, mas que já começa a debater-se com problemas de pessoas a mais" exemplificou Carlos Vargas.

Este gestor explicou ainda que não fórmulas únicas. As cidades têm de encontrar valores que as identifiquem e as especializem e que criem dinâmicas. "Há bons exemplos de práticas culturais e alguns dos quais são apresentados na Europa como verdadeiramente extraordinários porque o caso de Guimarães que faz a evolução de capital patrimonial e recicla a condição de cidade Berço, que era uma coisa do Estado Novo, para a democracia e ser património da humanidade. Percebem que isso não chega e fazem uma transferência muito interessante para a criação contemporânea" disse Carlos Vargas.