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O Futuro da Banca

No filme "É uma Vida Maravilhosa" o banqueiro George Bailey, representado pelo ator Jimmy Stewart, desempenha um papel crucial na sua comunidade. Não só recebe depósitos e concede crédito como é uma fonte fidedigna de conselhos financeiros para quem quer comprar casa ou começar um negócio.

17 de Outubro de 2019 às 15:30
Sérgio Rebelo, Professor of International Finance Kellogg School of Management Pedro Elias
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Tal como no filme, na vida real os bancos são indispensáveis. Recebem as poupanças de quem só quer gastar o dinheiro amanhã e torna-as disponíveis, na forma de crédito, a quem quer consumir ou investir hoje. Sem este processo de intermediação financeira haveria menos investimento, menos consumo e menos rendimento.

A banca está a enfrentar uma grande onda de desafios e transformações. Por um lado, passou-se nos Estados Unidos e na Europa de um sistema de regulação leve, sobretudo a nível da banca de investimentos, para uma regulação pesada e onerosa. Por outro lado, as taxas de juro na Europa são em muitos casos negativas, obrigando os bancos a cobrar tarifas aos clientes. Nos Estados Unidos, as taxas de juro de curto prazo são neste momento mais altas que as de longo prazo, pelo que os bancos não conseguem ganhar dinheiro pedindo emprestado a curto prazo e emprestando a longo prazo. Como se estes desafios não chegassem, vêm aí grandes transformações tecnológicas que vão mudar a forma de fazer pagamentos, atrair depósitos e conceder crédito.

A nível de pagamentos, temos assistido à criação de moedas criptográficas que permitem transações anónimas sem necessitarem de validação por uma autoridade central. Tal como o Nestcape foi um passo importante para os "browsers" que usamos hoje e o Napster uma plataforma que abriu as portas aos sistemas de "streaming" de música atuais, talvez algumas das ideias que estão por trás da "bitcoin" e outras moedas criptográficas venham a ser adotadas pelos bancos centrais.

O futuro vê-se na China

Enquanto o futuro das moedas criptográficas ainda é nebuloso, o futuro da banca é mais claro - está bem à vista na China. A WeChat, uma aplicação com mais de um bilião de utilizadores, permite não só enviar mensagens e usar serviços semelhantes aos do Facebook como fazer transações bancárias: gerir contas de poupança, obter crédito, fazer pagamentos, transferir e receber dinheiro. O sucesso desta aplicação é tal que hoje em dia é raro vermos alguém na China pagar com notas de renmimbi. Em todo o lado, desde as lojas mais luxuosas aos modestos vendedores de rua, os pagamentos são feitos através de códigos QR lidos com a WeChat.

Tal como a Kodak resistiu à introdução da fotografia digital e as produtoras musicais lutaram contra o "streaming", muitos bancos de países desenvolvidos estão a resistir à adoção das novas tecnologias financeiras. A dificuldade em mobilizar as entidades financeiras para a adoção de plataformas comuns torna a introdução de novas tecnologias mais difícil. O projeto Libra, lançado pelo Facebook, está a atravessar estas dificuldades. O resultado é que hoje é mais fácil transferir dinheiro no Kenya, através da Mpesa, uma aplicação que funciona à base de mensagens SMS, do que entre contas bancárias nos Estados Unidos.

No caso português o sucesso do multibanco é claramente um alicerce importante que permite a eventual adoção de uma plataforma digital única para todo o sistema bancário português.

O que é que vai ser a banca do futuro? Talvez uma boa forma de imaginar esse futuro seja estudar o que aconteceu na indústria musical. O "streaming" tornou mais eficiente a distribuição de música aumentando a quantidade de música ouvida, mas baixando as receitas dos músicos e das produtoras. Ao mesmo tempo a música ao vivo passou a ser mais rentável. Os concertos são um bem complementar à audição de música: quanto mais ouvimos um artista mais vontade temos de o ver ao vivo e mais estamos dispostos a pagar para assistir a um concerto.

O futuro da banca vai estar assente em plataformas que automatizam tarefas que vão desde a gestão de carteiras à atribuição de crédito. Essa automatização vai baixar o custo dos produtos financeiros tradicionais, aumentando a utilização destes produtos por consumidores e empresas. Esta maior utilização vai tornar mais valiosos os serviços complementares às transações financeiras: educação financeira, aconselhamento ao crédito, gestão de imobiliário, suporte ao desenvolvimento de planos de negócios, apoio à internacionalização das empresas, etc. Vai haver lugar para muitos George Baileys na banca do futuro.


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