Colocar a tónica na inovação para o setor das embalagens tem sido um foco da Sociedade Ponto Verde (SPV) ao longo dos seus quase 25 anos de atividade. E este é também o ponto de partida para o seminário organizado pela SPV, "Os Portugueses e a Reciclagem de Embalagens – Práticas e Atitudes", no qual se pretende dar papel de destaque a um dos mais importantes intervenientes nesta cadeia de valor: o consumidor.
O seminário abriu com a secretária de Estado do Ambiente, Inês dos Santos Costa, a lembrar que o passado dia 13 de maio ficou marcado pelo facto de Portugal ter "esgotado o seu orçamento ambiental e o balanço entre capacidade produtiva e de regeneração e absorção de resíduos e emissões passa a ser negativo". Mas mais do que isso, importa sublinhar que esta foi uma data que se antecipou em cerca de 12 dias face a 2020 e 13 dias face a 2019.
E, se a data portuguesa não é das melhores, a verdade é que países como a Dinamarca, a Noruega, a Suécia e a Finlândia, "que vemos como mais verdes, esgotaram o seu orçamento ambiental logo em março" e seriam precisos "quatro planetas para suportar as nossas necessidades se todos vivêssemos como os cidadãos da Dinamarca", ressalva Inês dos Santos Costa. Tendo em conta esta realidade, "é preciso pensar e redefinir a maneira como entendemos o conceito de ser sustentável".
De volta a Portugal, no que a resíduos diz respeito, o nosso país deve ter especial atenção "já que em 2019 ultrapassámos a média europeia de produção per capita de resíduos e atualmente cada cidadão português produz cerca de 500 kg de resíduos todos os anos, a larga maioria colocada em lixo indiferenciado". O que significa que "apenas 20% são recolhas seletivas", refere a governante.
Outros números relevantes deixados pela secretária de Estado do Ambiente dizem respeito diretamente às embalagens: "Em 2018, cada português produzia anualmente cerca de 40 kg de resíduos de embalagens dos quais reciclámos 35%. Somos, por isso, o quinto país da União Europeia que mais resíduos de embalagens produz", pelo que se deve reeducar a população no sentido de "reaproveitar o ciclo de vida por via da redução e reutilização".
Inês dos Santos Costa considera não haver nenhuma área de ambiente que tenha uma solução simples sendo por isso hora de "estarmos conscientes do desperdício de material que se produz e de exigir mais do Estado, das empresas e de cada um de nós".
Embora ainda exista trabalho a fazer, quer na educação dos cidadãos quer das empresas, não será de menosprezar o facto de "Portugal ser o país do Sul da Europa que mais aumentou o interesse digital por questões ambientais."
O estado da nação em reciclagem
A propósito da reciclagem de embalagens, António Nogueira Leite, chairman da Sociedade Ponto Verde, lembra que, numa altura em que a sociedade e a economia estão a virar cada vez mais para o digital é "muito importante desbravar novos caminhos no setor".
Importa, por isso, dar resposta à questão que destino estão os portugueses a dar às suas embalagens?, partindo "para uma viagem que nos levará a pensar em novas estratégias sobre esta área".
Nuno Lacasta, presidente da Agência Portuguesa do Ambiente
O chairman da SPV considera que "a reciclagem deve estar sempre na agenda de todos os agentes económicos, sejam públicos ou privados, assim como a neutralidade carbónica e a descarbonização da economia". São temas que fazem parte do ADN da Sociedade Ponto Verde e que devem "entrar no da população em geral".
E as ideias deram o mote ao debate em torno da reciclagem, promovido pela Sociedade Ponto Verde, no qual se tentou ajudar a compreender o panorama do setor dos resíduos a nível nacional e o caminho que ainda falta percorrer. Perceber, desde logo, se o processo de produção comercial poderá funcionar como um entrave ao aumento da reciclagem em Portugal.
Ana Filipa Claro, diretora de serviços de direito do consumo da Direção-Geral do Consumidor, considera "que sim", lembrando a necessidade de existirem aspetos a melhorar, já que a economia circular requer uma concertação de esforços entre todos os stakeholders.
A diretora de serviços de direito do consumo da Direção-Geral do Consumidor defende que "a forma como os produtos são comercializados e disponibilizados ao consumidor no retalho é um ponto importante para mudar esta realidade," mas "ainda são poucos os consumidores que, no momento da compra, têm a capacidade de verificar as características da embalagem de cada produto".
Importa apostar na "capacitação, sensibilização e educação dos consumidores" ao mesmo tempo que devemos também "ter noção dos vários grupos de consumidores e das suas fragilidades económicas, para não deixar ninguém para trás". Sendo assim, que medidas são necessárias para aumentar ainda mais a reciclagem em Portugal?
Ana Isabel Trigo Morais, CEO da Sociedade Ponto Verde, sabe que "os portugueses aderem e praticam a reciclagem", mas importa apostar, mesmo assim, "em melhores serviços ao cidadão, serviços de proximidade, ou seja, ter ecopontos mais perto de casa, esclarecer alguns pontos controversos sobre a reciclagem e, acima de tudo, dizer o que acontece aos produtos depois do ecoponto". Falamos aqui na já referida "economia circular, que é ainda uma incógnita para muitas pessoas".
E, apesar deste caminho que está já a ser trilhado, Ana Isabel Trigo Morais lembra que "há ainda uma carência enorme relativamente à prática da reciclagem fora das embalagens, como é o caso das pilhas ou dos objetos elétricos e eletrónicos".
A CEO da Sociedade Ponto Verde considera que, "se queremos convocar as pessoas para a prática da reciclagem no geral, temos de servir o cidadão e oferecer conveniência".
Resíduos urbanos: caminhamos para melhorar
E como se poderá então servir o cidadão e reforçar as medidas necessárias para melhorar a gestão dos resíduos urbanos? Emídio Pinheiro, presidente do conselho de administração da EGF, reforça a tónica de conveniência e proximidade "dois dos pontos mais importantes para a recolha seletiva e a reciclagem, mas que devem ser complementados com mais ingredientes, todos eles ligados à informação e educação ambiental subjacente".
Na EGF são desenvolvidas atividades diretamente com as escolas e os cidadãos para fomentar esses conceitos bem como reforçar a aposta no digital por via, por exemplo, de uma app que premeia quem faz a reciclagem e que foi recentemente distinguida pelo Jornal de Negócios.
Emídio Pinheiro pede "mais coordenação ao nível da gestão dos intervenientes neste processo, mais complementaridade, mais diálogo efetivo e eficaz e menos litigância". Neste campo, a CEO da SPV considera que "o consenso entre todos é difícil", sendo que importa criar "uma cadeia de valor com práticas colaborativas".
Do lado da população
Saber se os portugueses já olham para os resíduos não como lixo, mas como algo que tem valor a vários níveis, é igualmente determinante na área da reciclagem.
Luísa Schmidt, coordenadora do estudo "Práticas e Representações Sobre Resíduos e Reciclagem" e investigadora no Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa, lembra que "os resíduos urbanos são uma preocupação maior dos portugueses", algo até certo ponto surpreendente, já que se esperava que as atenções ficassem centradas "em outras questões, como a da água".
Depois de em 2001 ter encerrado em Portugal a última lixeira a céu aberto, o país "mudou muito nos últimos 20 anos" e, com as crises mais recentes, "percebeu-se também a relevância do que é o desperdício. E reforçou-se a educação ambiental".
Estas são práticas já fomentadas nas escolas, mas Luísa Schmidt fala na necessidade de "investir ainda mais na literacia e na educação tendo em conta que temos também uma sociedade diversificada e com know-how a diferentes níveis".
Os portugueses tiveram já diferentes comportamentos face à reciclagem, considera Nuno Lacasta, presidente da Agência Portuguesa do Ambiente (APA). E, "se tivemos um primeiro período em que a reciclagem veio para ficar em Portugal, com uns primeiros 15 anos muito positivos, a verdade é que na última década estagnámos".
Diz Nuno Lacasta que o país "se acomodou e não conseguiu imprimir eficácia ao tema". Ora, estando o país numa fase de mudança em que os consumidores exigem do fabricante muito mais atitude, por exemplo, na questão do plástico, e obriga a maior exigência nas metas, importa tirar partido desta realidade. "Recolha porta a porta dos resíduos e acento tónico na tara dos plásticos são pontos a ter em conta", diz ainda o presidente da APA.
Em todo este cenário, a gestão da inovação e da tecnologia pode fazer a diferença, assegura Ana Isabel Trigo Morais, para quem todos os players são necessários para resolver os problemas ao mesmo tempo que "se deve apostar também em mais e melhor comunicação ativa, continuidade, clareza e mediação qualificada".
A este propósito, Nuno Lacasta deixa o exemplo de uma iniciativa recente na cidade do Porto: "Jovens mediadores que vão pelos bairros falar sobre reciclagem com a população e explicar as suas mais-valias."
Luísa Schmidt, investigadora no Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa
Consumidores (ainda) mais exigentes
João Torres, secretário de Estado do Comércio, Serviços e Defesa do Consumidor, fechou o seminário começando por sublinhar que "a evolução neste campo tem sido muito positiva" e destacou, a propósito, o papel da SPV "na construção de uma transição verde no nosso país com momentos marcantes para os consumidores que aproximam a reciclagem dos portugueses, cidadãos e empresas".
Os consumidores são mais exigentes, a sociedade civil está mais consciente e informada, por isso, "os desafios são redobrados, sendo os consumidores agentes económicos fundamentais na condução da mudança".
João Torres sabe que "há ainda muito a fazer neste domínio em áreas como a rotulagem, em que podemos evoluir mais e dar passos mais sólidos no contexto do mercado único sem que os distribuidores percam vantagens competitivas". Contas feitas, importa afirmar a Europa como bom motor da transição verde.