A atividade seguradora tem demonstrado que é capaz de fazer frente às adversidades. É capaz de se superar, sim, mas desafios não faltam. O setor tem de responder aos ciber-riscos e às novas exigências ambientais. Tem, igualmente, de ser um parceiro a ter em conta na área da saúde, da reforma ou nos riscos de catástrofes. José Galamba de Oliveira, presidente da Associação Portuguesa de Seguradores (APS), faz um ponto de situação do presente do setor e projeta o futuro.
Como se encontra atualmente o setor segurador em Portugal?
O setor segurador, assim como todos os setores de atividade, vive um momento de expectativa tanto em relação à evolução da situação sanitária como também em relação ao desempenho económico à escala global. Há uma elevada incerteza sobre qual será a capacidade de recuperação da economia nos próximos meses, um fator do qual depende diretamente a evolução da atividade seguradora. Apesar deste cenário, o setor tem mostrado a sua resiliência e, não obstante a redução muito significativa da produção de seguros, os indicadores de solvência do setor e a sua solidez financeira permanecem muito positivos.
Quais os desafios que se colocam, hoje, ao setor?
O setor tem múltiplos desafios pela frente. Manter as empresas capitalizadas e garantir a sua resiliência e solidez financeira num cenário de grande incerteza é o principal desafio.
Por outro lado, com a pandemia, o mundo mudou definitivamente e as prioridades das pessoas, das empresas e do país também mudaram. Temas como a economia circular e a necessidade de efetuar a transição energética têm um enorme impacto num setor que é um dos maiores investidores institucionais do mundo e é, simultaneamente, tomador de riscos ligados ao ambiente e às alterações climáticas.
Os ciber-riscos e a resiliência cibernética das empresas são desafios de enorme envergadura, também na dupla perspetiva em que as empresas de seguros têm de garantir a sua própria segurança contra os riscos cibernéticos, mas são também tomadoras de riscos nesta área.
Posicionar o setor segurador como um parceiro incontornável das políticas públicas, seja na área da saúde, da reforma por velhice ou nos riscos catastróficos é outro desafio fundamental, a bem da nossa sociedade de bem-estar e se quisermos ter o país mais bem preparado para enfrentar todas as dificuldades a que temos assistido nos últimos tempos.
Aumentar o grau de penetração do seguro e tornar este mais relevante na vida das pessoas é fundamental, e é também um indicador do grau de desenvolvimento das sociedades. Com a pandemia, assistimos no nosso país a uma redução importante da taxa de penetração do seguro (rácio produção/PIB). Mesmo num ano em que tivemos uma contração histórica do PIB, a quebra na produção de seguros fez com que este indicador descesse até aos 5%, algo que não era observado desde 2002. Também o prémio médio per capita sofreu uma redução significativa. É, pois, um desafio incontornável voltar aos indicadores anteriores à pandemia e ir além deles.
A digitalização e as alterações climáticas e ambientais são hoje, de facto, temas incontornáveis. De que forma pode haver aqui uma oportunidade para o setor segurador?
Estes temas têm ganho uma importante relevância tanto no debate nacional como no debate europeu, e, como tal, este é o momento propício para o setor consolidar as posições que vem assumindo ao longo dos últimos anos. Mais precisamente, em relação à transformação digital, as empresas seguradoras têm realizado uma importante aposta nesta área, através de relevantes investimentos na área tecnológica. A necessidade de agilizar processos, decorrente da pandemia, acelerou a implementação destes projetos nas áreas mais variadas. Esta foi uma oportunidade que o setor soube aproveitar de forma extraordinária e que resultou numa maior proximidade do cliente e simultaneamente numa redução de custos para as empresas seguradoras.
A título de exemplo, foi intensificada a utilização dos meios remotos, nomeadamente através da utilização da teleperitagem, teleconsultas, bem como foi facilitada a regularização de sinistros em teletrabalho.
No que diz respeito às questões ambientais e alterações climáticas...
Em relação às questões ambientais, a APS considera que é preciso voltar ao debate sobre a criação, a nível nacional, de um Sistema de Proteção de Riscos Catastróficos (SPRC). Este tema tem sido abordado pela associação há alguns anos, e agora deve ser reforçado, tendo em conta a sua atualidade.
O tema das alterações climáticas e da transição para uma economia verde e descarbonizada é, igualmente, um tema prioritário para o setor. Este constitui um duplo desafio para as empresas de seguros, quer como tomadoras de riscos, quer na gestão dos seus ativos enquanto grandes investidores institucionais.
Ao lado das famílias e das organizações
Na sua opinião, como se aproximam as empresas do setor segurador do cliente?
Num cenário de adversidade, as empresas seguradoras tiveram uma capacidade de resposta notável e, em grande medida, foi resultado da aposta numa maior proximidade, pois desde o início da pandemia que as empresas se posicionaram junto das famílias e das empresas, com o objetivo de encontrar soluções capazes de responder às necessidades decorrentes do ambiente disruptivo criado pela crise pandémica. Este estreitamento de relações foi fundamental para compreender quais eram as novas necessidades e como poderiam reestruturar a sua atividade de forma a apoiar os seus clientes.
Muito antes do decreto-lei que veio prever as moratórias, o setor começou logo a dar respostas à medida das necessidades das pessoas, revendo apólices, reduzindo ou fracionando prémios e conseguindo, desde a primeira hora, um conjunto de iniciativas junto de famílias e empresas, no sentido de entender e responder a esta situação excecional. O resultado é que, de acordo com os dados disponíveis, foram cerca de 9,7 milhões de apólices que beneficiaram de alterações ou de algum tipo de medida de apoio por parte das empresas de seguros.
Mas esta aproximação ao cliente traduz-se também em medidas que tornam o seguro mais relevante e importante na vida das pessoas. Por exemplo, a postura das seguradoras de saúde que colocaram à disposição dos seus clientes (e até não clientes) consultas de medicina online, que assumiram desde o início o pagamento dos testes covid. Algumas anunciaram até que pagariam aos seus clientes os tratamentos desta doença, mostrando a importância de ter um seguro de saúde. Não é por acaso que num ano de forte quebra de produção os seguros de saúde continuaram a crescer.
Pode dar-me outro exemplo?
Outro exemplo é o seguro de multirriscos habitação. Com os confinamentos, as famílias passaram mais tempo em casa e perceberam a importância de um bom seguro de habitação e a importância das coberturas de assistência para resolver problemas que vão surgindo no dia a dia. A componente de assistência que muitos seguros têm incorporada é fundamental para facilitar a vida das pessoas e ajudá-las a ultrapassar as pequenas e grandes dificuldades do dia a dia. É importante que as pessoas percebam que os seguros existem para, nos momentos mais difíceis, tornar a vida mais fácil ou menos complicada. É, aliás, interessante ver nos estudos de mercado que são feitos que as pessoas que tiveram sinistros revelam, em geral, um grau de satisfação maior com o seguro do que as que nunca tiveram sinistros.
A digitalização e a modernização administrativa foram aceleradas
A pandemia impactou quase todos os setores ou áreas de negócios em Portugal e no mundo. O setor segurador no nosso país não foi exceção e registaram-se impactos diversos e transversais nas diferentes áreas da atividade.
O primeiro grande impacto foi "a necessidade de se recriar, pois foi exigida uma capacidade de resposta rápida, que permitisse resolver as novas necessidades dos clientes", explica o presidente da APS. As empresas foram obrigadas a desenvolver novos modelos de operação, adaptados à realidade, para prestar um serviço adequado às famílias e às empresas, clientes e beneficiários de seguros. Ao mesmo tempo, foi necessário manter os canais de comunicação com a vasta rede de prestadores de serviços das seguradoras – mediadores, oficinas, clínicas, hospitais ou redes de assistência – e garantir as melhores condições de saúde, segurança e a motivação dos trabalhadores.
"Para atingir estes objetivos, alguns processos foram eliminados e outros, como a digitalização e a modernização administrativa, foram acelerados. Adicionalmente, os investimentos que já vinham sendo realizados em áreas como tecnologia, inovação e eficiência operacional mostraram a sua relevância e tornaram mais fácil a implementação de medidas, como por exemplo o teletrabalho, a telemedicina ou as peritagens à distância", relembra o presidente da APS.
Queda da produção justificada pelo ramo vida
Quanto aos custos económicos desta pandemia para a indústria seguradora em Portugal, são ainda desconhecidos, não sendo possível realizar uma análise detalhada para o setor. José Galamba de Oliveira salienta inclusive que muitos seguros ainda se encontram a beneficiar do regime de moratórias no pagamento dos prémios, desconhecendo-se se, no final, os prémios vão ou não ser pagos.
No entanto, e face aos dados conhecidos, é de registar "uma importante quebra na produção de seguros em 2020, quando comparado com o ano anterior". "A queda da produção é, em grande medida, justificada pelo ramo vida. No ramo não vida, muito impactado por quebras no crescimento nos acidentes de trabalho e automóvel, terminou ainda assim com um ligeiro aumento quando comparado com 2019, muito devido ao crescimento dos seguros do ramo doença e riscos múltiplos", informa o responsável da APS.
No que diz respeito aos custos com sinistros, foi registado "um incremento dos custos superior ao verificado em 2019, em alguns ramos, nomeadamente os seguros de multirriscos, de doença, de assistência ou de crédito e uma quebra de sinistralidade no ramo automóvel".
APS é um elemento agregador
A APS distingue-se por estar sempre muito ativa, participando em iniciativas, lançando livros, como "Talvez uma App" ou "Armadilha digital", que, aliás, integra o Relatório das iniciativas de sensibilização para os ciber-riscos, publicado pela GFIA, ou mesmo através da sua academia com os seus cursos.
Este ano, não vai ser diferente. O principal objetivo da APS para 2021 é o mesmo que teve para 2020, ou seja, "continuar a ser uma instituição atenta às necessidades da sociedade, particularmente neste momento crítico, e a ser um elemento agregador das empresas de seguros, na defesa da imagem desta indústria e da sua crescente profissionalização e credibilidade", afirma José Galamba de Oliveira.
Daí que a aposta na aprendizagem das temáticas ligadas aos seguros, na promoção do estudo e na divulgação do conhecimento seja fundamental. O próximo livro de educação financeira "já está em preparação", abordando uma área nova, mas muito importante na vida de todos. E a área de formação da APS está a ser "reconfigurada" para melhor, apostando muito na formação à distância.
Como é igualmente essencial ajudar as empresas de seguros a serem mais eficientes, há que adotar medidas "simplex", abolindo regimes que geram elevados graus de ineficiência. E implementar sistemas que "facilitem os processos operativos entre seguradoras ou entre estas e entidades terceiras".
"Em suma, a APS mantém os objetivos definidos em 2016, quando iniciei o meu primeiro mandato: potenciar o aumento da matéria segurável; aumentar a eficiência do setor identificando obstáculos legais ou operativos que devam ser superados; melhorar os processos operativos das seguradoras; melhorar a comunicação sobre o seguro e a perceção externa do risco", explica José Galamba de Oliveira.