Paulo Lima, CEO da Powershield, está preocupado com o estado da segurança privada em Portugal. O responsável da empresa especializada na área de serviços de segurança e vigilância humana ou eletrónica critica a atuação do Estado no setor, acusando-o de não estar a fazer o suficiente para a sua regularização. E pergunta mesmo: "Quem protege a segurança privada?"
O CEO da Powershield diz que é necessária uma revisão da lei da segurança privada para esclarecer várias questões, como "a segurança em espaços noturnos de diversão, a questão das revistas pessoais ou o montante autorizado para o transporte de valores". Se tudo for clarificado e compilado num diploma, não será necessário recorrer a várias portarias e decretos de lei, assegura. A informalidade das empresas da área que não cumprem as regras também não é esquecida por Paulo Lima, que, todavia, está reticente sobre a revisão desta lei por parte do Parlamento. "Não deposito grande esperança nesta revisão da lei da segurança privada. O Estado é o primeiro a incumprir, porque aprovaria uma revisão profunda à lei?", questiona.
Para o responsável da Powershield, o Estado português dá um mau exemplo, contratando ao mais baixo preço. E mostra-se preocupado com a sua fraca capacidade de análise financeira. "Se compramos a um preço abaixo do custo, alguém sai prejudicado. A Segurança Social é a primeira a sê-lo. Depois a Autoridade Tributária com o IRC das empresas e o IRS dos trabalhadores. Por último, os vigilantes, obrigados a aceitar trabalhar 12 horas por dia, seis dias por semana, perfazendo uma média mensal de 260 horas, a troco de 800 euros, já com os duodécimos de subsídios de férias e Natal incluídos."
O Estado perde "cerca de 300 euros" por cada vigilante, segundo contas feitas por Paulo Lima. "Se contabilizarmos cerca de 20 mil vigilantes que prestam serviços em empresas incumpridoras, serão cerca de seis milhões de euros por mês a menos, cuja incidência de Segurança Social e impostos se traduzirá numa média de 2,4 milhões de euros por mês."
Com o intuito de explicar como é uma má prática contratar tendo como único critério de seleção o preço, recorda a urgência de um hospital: "Eu, como cidadão, prefiro chegar a um hospital e ter como primeiro contacto um(a) vigilante com atributos no âmbito da comunicação e aspeto visual condizente, o fardamento." Quem visita o hospital está muitas vezes emocionalmente fragilizado e não pode ser recebido por um(a) vigilante que interroga num tom agressivo: "O que quer?" Ou diz: "Não pode entrar aí!" Mais: "Com um fardamento tipo militar... ou pior." Este é um exemplo "real e transversal" a outros serviços do Estado: uma rececionista da Segurança Social, um rececionista de um tribunal, entre outros exemplos.
A importância do preço mínimo
Fundamental para a regularização do setor seria "definir um valor mínimo para a aquisição dos serviços de segurança privada física ou humana, seguindo as práticas de outros países", em que estivesse contemplado o "valor de remuneração acrescido de todas as obrigações inerentes". "Um posto 24 horas todos os dias do ano tem um custo que é igual para todas as empresas, como é possível existirem preços de venda abaixo deste custo mínimo?", pergunta. A continuar assim, vão manter-se empresas a vender abaixo do preço de custo de referência, criando "instabilidade" na área.
Outra solução que ajudaria a resolver os problemas da área seria a da corresponsabilização no ato da contratação pela empresa contratante. Ou seja: o cliente que contratasse uma empresa de segurança privada com "histórico de incumprimento ou a possibilidade de o vir a ser, nomeadamente em função de o preço que apresenta ser abaixo do tal preço mínimo, seria responsabilizada também".
O dumping e a fiscalização
O dumping é uma prática recorrente no setor, dado que "o crime compensa". Paulo Lima garante que as empresas conhecem as suas obrigações – com os seus funcionários, sociais e fiscais. Vendem abaixo do preço de custo porque "a fiscalização é pobre". "As empresas fiscalizadas são as que mais faturam por os valores das coimas estarem indexados ao valor da faturação. Assim, podem ir vendendo abaixo do preço de custo, firmarem com os funcionários um vencimento combinado e até não faturar alguns dos serviços." A insolvência dessas empresas não acarreta problemas, pois rapidamente se abre outra com os clientes da anterior. Basta alterar "o nome da empresa no fardamento, acrescentando um número, e problema resolvido". O CEO da Powershield recorda que no passado houve empresas que "chegaram ao número IV na numeração romana!". "É ridículo aquilo que o nosso sistema permite ser feito", acusa.
Paulo Lima explica que a fiscalização realizada às empresas de segurança privada é feita pela Polícia de Segurança Pública (PSP), sendo que aí existe uma "incongruência", uma vez que a PSP é em muitos casos "concorrente". Nas discotecas, a segurança deveria ser garantida "pelas forças de segurança do Estado e não por empresas de segurança privada", opina. Nos supermercados, "não deveria ser permitida a presença das forças de segurança pública em regime de gratificado." Paulo Lima conta que no passado a fiscalização era "efetuada por pessoas ligadas contratualmente ao Ministério da Administração Interna". "Assim seria o correto: uma entidade isenta e externa à atividade a fiscalizar as empresas de segurança privada."
Muitas empresas para um mercado pequeno
Certas atividades económicas, como as que têm a ver com o rácio de número de clientes e empresas prestadoras daquele serviço, como é o caso da segurança privada, deveriam ser "alvo de apertada fiscalização e ter um limite para o número de alvarás cedidos". Em Portugal, existem "66 empresas" autorizadas a prestar este tipo de serviços e vários estudos desenvolvidos por empresas acreditadas mostram que o setor movimenta "700 milhões de euros por ano e que engloba cerca de 47.000 vigilantes". Para Paulo Lima, este número de organizações é "demasiado" para um mercado tão pequeno. Este exagero, aliado à desregulação do mesmo, leva ao "estado crítico em que este setor se encontra".
Questionado se limitar a livre concorrência no setor não é uma forma de criar monopólios e promover más práticas ao não existir concorrência, responde: "Sim, mas não! Isto é: a pergunta tem de ser feita segundo um enquadramento real, no qual existem 66 empresas autorizadas para um mercado de 700 milhões de euros." A maior empresa de segurança em Portugal tem nos últimos anos apresentando "prejuízos", mantendo-se apenas por ser "uma multinacional e ter a capacidade de injetar capital através do exterior". "Neste caso concreto, as más práticas existem devido ao número elevado de empresas a operar no mercado", conclui.