Se a ZERO (Associação Sistema Terrestre Sustentável) não tem dúvida de que os portugueses estão mais sensibilizados para a importância da mobilidade sustentável – nem que seja por via dos custos, e não apenas pela maior consciência dos profundos impactos ambientais e climáticos do consumo de combustíveis fósseis –, também frisa que os efeitos negativos de um sistema de transportes atomizado, baseado no uso de transporte individual a combustão, só têm permitido melhorias marginais que, mais do que resultantes de políticas de mobilidade sustentável adequadas à gravidade da situação, se devem ao aumento da eficiência energética dos veículos. A situação pede uma mudança de paradigma. Para “ontem”.
São necessárias mudanças de política mais profundas
A importância da mobilidade sustentável é máxima, pois o setor dos transportes é o que mais contribui para a emissão dos gases com efeito de estufa (GEE) em Portugal. De acordo com o Plano Nacional de Energia e Clima (PNEC), até 2030 teremos de reduzir as emissões nos transportes em, pelo menos, 40% face a 2005 (ano em que o gasóleo, gasolina e GPL auto contribuíram com cerca de 19 milhões de toneladas de CO2eq).
Esta meta, porém, foi traçada antes de os objetivos climáticos europeus se terem tornado mais exigentes (com o Pacto Ecológico Europeu e o Objetivo 55) e aos quais o PNEC ainda não se adequou. Para Acácio Pires e Pedro Nunes, analistas em energia, clima e mobilidade na ZERO, são necessárias mudanças de política muito mais profundas: “Em 2020, ano de uma drástica redução da mobilidade, a redução de emissões no setor dos transportes situava-se em apenas 23%. De 2020 até hoje, temos assistido a um recrudescimento nas emissões que pode pôr em causa o cumprimento dos objetivos definidos.”
Em Portugal, o automóvel ainda é rei
Segundo Acácio Pires e Pedro Nunes, apesar da redução do preço dos passes e da integração dos sistemas conseguida em 2019, o planeamento urbano ainda é pensado para o uso de transporte individual. Por consequência, o uso da bicicleta é residual, a partilha de velocípedes, motociclos ou automóveis é rara e pouco suportada por redes eficazes e os diferentes modos de transporte público não estão suficientemente articulados entre si. Para a ZERO, “mesmo nas cidades onde houve um investimento assinalável em ciclovias, o automóvel ainda é rei, muito por ausência de outras medidas complementares”.
Se há desafios, há soluções. É preciso passar à ação
Para os analistas da ZERO, a amplitude dos desafios que Portugal enfrenta na área da mobilidade sustentável exige respostas à altura. Eis o que é preciso:
• É necessário que os sistemas de transporte público regular se eletrifiquem e aumentem a sua velocidade comercial e frequência; que diminuam o número de comutações e que se articulem entre si, e com sistemas leves e flexíveis integrados nos sistemas de passes;
• A boa utilização de sistemas de trabalho híbrido – e mesmo o teste e concretização da semana de quatro dias – deve ser uma linha de ação a seguir para reduzir as deslocações;
• Há que desenvolver sistemas coletivos, geridos pelos municípios e pelas áreas metropolitanas, que deem resposta ao transporte de crianças e idosos com mobilidade condicionada, gerador de muitas deslocações com automóvel privado;
• Urge adaptar as redes elétricas e os postos de carregamento elétrico e de abastecimento de hidrogénio verde (no caso dos veículos rodoviários pesados, que deverão ser uma alternativa futura);
• É essencial densificar a rede ferroviária e integrá-la nas redes globais e locais de transporte, para melhorar a eficiência global do sistema;
• É preciso prestar atenção ao impacto crescente das viagens terrestres.
Esta década é decisiva
Para que todos estes desafios possam ser superados com sucesso, também é necessário que a informação sobre a mobilidade seja muito mais robusta e completa. Observadora atenta, crítica e interventiva na área da mobilidade, aos níveis local, regional, nacional e europeu, a ZERO pretende chegar “a ainda mais pessoas, organizações e atores políticos, económicos e sociais, e com eles contribuir para desenhar soluções e desenvolver campanhas informadas que permitam operar mudanças em áreas-chave no setor dos transportes”, sublinham Acácio Pires e Pedro Nunes. Para tal, salientam que, além dos contactos produtivos encetados com organizações do setor e com os decisores políticos, continuam a ser feitas “ações de identificação e análise dos impactos ambientais negativos do setor dos transportes ao nível da qualidade do ar, do ruído e da emissão de gases de efeito de estufa, dando visibilidade pública aos custos que temos de suportar por mantermos formas insustentáveis de nos deslocarmos”. Esta década é, definitivamente, decisiva.
A ZERO
conta, desde 2015, com um conjunto de cidadãos que assumiram o compromisso de intervir proativamente na sociedade portuguesa pela defesa das questões ambientais, por entender que só através do equilíbrio ambiente-sociedade-economia é possível construir um mundo mais coeso, social e economicamente, respeitando os limites naturais do planeta.