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Reabilitação urbana em Portugal sofre de “fachadismo”

Atual enquadramento legal da atividade de reabilitação de edifícios não encoraja sustentabilidade das operações e a recuperação criteriosa e com respeito pelo património.

25 de Janeiro de 2023 às 14:21
Alice Tavares, presidente da APRUPP
Alice Tavares, presidente da APRUPP
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A reabilitação urbana em Portugal apresenta-se de forma assimétrica, com elevada concentração de operações em Lisboa e Porto, sendo claro o contínuo e forte investimento em Lisboa, mesmo no período da pandemia covid-19. Em relação às operações de reabilitação urbana, e de acordo com o INE, no último período intercensitário (2011-2021) registou-se uma redução de cerca de 220 mil edifícios com necessidades de reparação.

 

Para Alice Tavares, presidente da Associação Portuguesa para a Reabilitação Urbana e Proteção do Património (APRUPP), esta evolução poderia apresentar-se como positiva, não fosse a razão que lhe está subjacente. Se por um lado, e segundo o INE, se regista a tendência decrescente da evolução do grupo de obras de ampliação, alteração e reconstrução – a chamada "reabilitação" – num total de cerca de 50 mil edifícios, por outro lado, tal é acompanhada pela tendência crescente do número de licenciamentos de obras de demolição de edifícios, muito claro a partir de 2013". 

 

Na análise desta responsável, "existe um desacelerar do uso dos recursos existentes de forma sustentável e criteriosa, que diminua a produção de resíduos de construção e todo o ciclo de consumo energético e produção de CO2 desde a produção dos materiais à sua aplicação e transporte. A fatura ambiental está a ser construída, mas com efeitos não previsíveis e controlados em termos do fim do ciclo de vida dos edifícios que atualmente usam materiais altamente processados e com menor durabilidade".

 

"Fachadismo" não é reabilitação de edifícios
Na sua perspetiva, estes dados apenas vêm confirmar uma tendência para que a APRUPP tem vindo a alertar desde a sua fundação: "A crescente prática do uso anacrónico do fachadismo nas cidades portuguesas, entendida, erradamente, como ‘reabilitação de edifícios’".

 

Para Alice Tavares, vários fatores convergem para esta situação, que representa a antítese da sustentabilidade: "A legislação da térmica é uma das mais evidentes e contínua a basear-se em equívocos. Por outro lado, temos falta de empresas com quadros e operários com formação e conhecimento técnico sobre os sistemas construtivos do edificado antigo, e consequentemente, em reabilitação, mas com alvarás que lhes permitem fazer ‘reabilitação’, incluindo em património classificado, sem terem operários suficientes com conhecimento para o efeito." Isto, refere, para além de uma legislação que "depende da capacidade técnica dos seus atores para justificar e fundamentar as razões pelas quais vários casos de reabilitação não devem aplicar uma legislação que está sobretudo formatada para edifícios novos, com materiais completamente diferentes".

 

Na análise da APRUPP, o fachadismo, a gentrificação, a perda de funções urbanas, o retorno às periferias com as consequentes necessidades de novas infraestruturas, em detrimento do recuo de expansões urbanas, otimizando as que já existem, tem sido a prática corrente em quase todo o país. "Se existem problemas associados à detenção de propriedade, decorrente de partilhas, existindo por isso uma parte do edificado com problemas de afetação para o arrendamento, no futuro, com a passagem da propriedade para estrangeiros, essa dificuldade, com outra roupagem, manter-se-á", afirma Alice Tavares.

 

Na sua perspetiva, "os Vistos Gold não trouxeram benefícios, pelo contrário, vieram reforçar o consumo rápido de bens de valor patrimonial e cultural, sem que tivessem sido estabelecidas regras de avaliação e ponderação de valores patrimoniais e culturais a preservar nas operações de reabilitação".

 


Existem bons esforços de reabilitação dirigida a habitação social
No entanto, considera, nem toda a evolução tem sido problemática. "Observa-se nos últimos tempos a aposta de algumas autarquias na reabilitação de espaço público degradado física e socialmente. E, em alguns casos, reabilitação dirigida aos bairros de habitação social ou de habitação para arrendamento a custos controlados, e que se apresentam como medidas muito relevantes e positivas para o futuro, desde que seja assegurado um planeamento com recursos financeiros para a sua manutenção e preservação", afirma a dirigente. Para Alice Tavares, "há ainda a destacar a perda de áreas verdes nas cidades e a maior impermeabilização do espaço público, com efeitos nas cheias e inundações, mas também na qualidade de vida urbana, decorrente de uma diminuição clara nas funções de manutenção urbana, quer em termos de recursos humanos, quer financeiros. As árvores estão a desaparecer de muitas das nossas cidades", afirma.

 

Que soluções se podem considerar para, na ótica da APRUPP, melhorar esta situação? "O conceito de ‘reabilitação’ devia estar claro na legislação para que as obras de construção, reconstrução, ampliação e demolição de edifícios localizados dentro de Áreas de Reabilitação Urbana apenas pudessem usufruir de redução de IVA no caso de essas operações realmente preservarem e otimizarem a maior parte do edifício. E não o que se observa, que são apenas reconstruções ou construção nova." Por outro lado, em casos de verdadeira reabilitação, "a taxa reduzida do IVA devia abranger toda a cadeia da operação, incluindo os projetos de arquitetura e especialidades".

 

Segundo Alice Tavares, é necessária uma adaptação e clarificação dos conceitos inerentes aos instrumentos de incentivo à reabilitação (fiscais, financeiros, administrativos e regulamentares). "E entendemos que cabe à administração pública (central, local e desconcentrada) um papel fundamental no controlo e monitorização desta atividade."

APRUPP prossegue trabalho de salvaguarda e valorização do património construído

 

Fundada em 2012, a APRUPP define-se como uma organização sem fins lucrativos que pretende promover e divulgar o conceito de reabilitação urbana como principal veículo para a salvaguarda da identidade e valorização do património construído, a redução das assimetrias sociais e a promoção da participação dos cidadãos.

 

Na perspetiva da APRUPP é ao nível do território que se tomam as grandes decisões com impacto duradouro e é também a esse nível que se deveriam estar a fazer as articulações intermunicipais de valorização do património. Tendo isto presente, a APRUPP está a desenvolver um trabalho-piloto de valorização de estruturas identitárias rurais, integrado numa rede ibérica que envolve a participação de outras associações congéneres espanholas, denominada Rede Ibérica de Celeiros Elevados.

 

Valorização de estruturas identitárias rurais
Neste contexto, e segundo Daniel Miranda, vice-presidente da APRUPP, "pretende-se apoiar municípios que tenham interesse em trabalhar em rede e em alicerçar a reabilitação destas estruturas rurais num conceito alargado dirigido às comunidades, que preserve simultaneamente funções (mesmo que readaptadas) e património local". O turismo cultural e de paisagem é uma segunda vertente do projeto, com base em rotas/percursos pedestres/cicláveis a criar, intermunicipais e ibéricos.

 

"Pretendemos assim acompanhar modelos de desenvolvimento regionais como um processo-piloto dirigido a áreas com maior dificuldade de captação de recursos financeiros como são as regiões do Interior do país", afirma o vice-presidente. Para este efeito, a associação tem analisado a evolução das redes de aldeias, entretanto criadas no país, nomeadamente as Aldeias do Xisto e as Aldeias Históricas.

 

Prémio valoriza contributos para melhorar práticas de reabilitação
Além deste programa, a APRUPP encontra-se no presente a analisar as candidaturas ao Prémio APRUPP 2022 nas categorias de dissertação de mestrado e de doutoramento, querendo com isso valorizar a investigação que se faz e o contributo que esta pode dar para a melhoria das práticas de reabilitação e de intervenção equilibrada no território. O Prémio APRUPP 2020 distinguiu o trabalho de um jovem arquiteto sobre a temática da reabilitação em contexto rural.

 

"Estas são apenas algumas formas demonstrativas dos modos de atuação que a APRUPP defende. Conhecer em primeiro lugar, depois avaliar recursos e a estrutura social, e finalmente planear medidas que beneficiem o desenvolvimento local, numa estratégia de longo prazo, que traga alicerces efetivos, duradouros e sustentáveis de desenvolvimento", refere Daniel Miranda.

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