A ausência de incentivos governamentais adequados representa uma barreira significativa à adoção generalizada de veículos elétricos e híbridos defende a ACAP – Associação Automóvel de Portugal. Esta associação empresarial representa, há mais de 100 anos, a globalidade do setor automóvel em Portugal. Conversámos com Helder Pedro, secretário-geral desta organização.
Como tem sido a evolução da mobilidade comercial em Portugal, numa perspetiva de maior sustentabilidade?
Nos últimos anos, Portugal tem feito progressos notáveis no domínio da mobilidade comercial sustentável, com ênfase na adoção de veículos elétricos e híbridos. Em março de 2023, registou-se, em comparação com o período homólogo do ano anterior, não só um aumento significativo de 108,4% no número de matrículas de veículos elétricos ligeiros de passageiros, como um enorme aumento de 581,8% nas matrículas de veículos elétricos ligeiros de mercadorias.
A que atribui este enorme crescimento na mobilidade elétrica?
Este crescimento acentuado pode em parte ser atribuído à crescente consciencialização ambiental por parte de empresas e consumidores. Além disso, as políticas de descarbonização europeias têm servido como catalisador, impulsionando esta tendência. A introdução de novos modelos e os avanços tecnológicos, nomeadamente no aumento da autonomia, também desempenham um papel crucial na evolução da mobilidade sustentável. Vemos igualmente que os setores público e privado estão a adotar ativamente alternativas mais ecológicas para as suas frotas. Esta evolução inclui transportes públicos, serviços de partilha de automóveis e empresas que incorporam veículos sustentáveis nas suas frotas.
Como pode uma empresa determinar se um veículo elétrico ou híbrido é a melhor opção para o seu negócio?
A decisão de optar por um veículo elétrico ou híbrido depende das necessidades específicas de mobilidade da empresa. Ou seja, por exemplo, que tipo de veículos são necessários, qual a quilometragem diária percorrida e quais as regiões geográficas atravessadas. Em segundo lugar, devem ser considerados o custo total de aquisição, incluindo os custos de manutenção e as despesas em combustível, bem como os incentivos fiscais e apoios disponíveis. Igualmente, devem as empresas considerar a infraestrutura de carregamento existente, bem como as metas de sustentabilidade da organização. As empresas devem, portanto, realizar uma análise detalhada das suas necessidades e objetivos para tomarem uma decisão informada, que esteja não só alinhada com os seus objetivos financeiros, como esteja de acordo com o seu compromisso com a sustentabilidade.
Quais considera serem as principais oportunidades e os principais desafios que se colocam ao desenvolvimento de uma mobilidade comercial mais sustentável em Portugal?
Existem várias oportunidades e vários desafios. No que diz respeito às oportunidades, a redução das emissões de gases de efeito estufa é de elevada importância, uma vez que contribui para um ambiente mais limpo e ajuda a alcançar as metas de redução de emissões. Além disso, a adoção de veículos sustentáveis contribui para a redução dos custos com combustível e com a manutenção dos veículos. As empresas que investem em veículos ligeiros de mercadorias 100% elétricos também podem usufruir de incentivos até 6.000 euros, num máximo de 150 veículos, bem como de isenções de tributação autónoma, ISV e IUC, entre outros benefícios.
Apesar destas vantagens, subsistem desafios, como os custos iniciais significativos associados à aquisição de veículos elétricos e híbridos. E, embora a autonomia tenha melhorado nos últimos anos, e o tempo de carregamento se tenha vindo a reduzir, estes dois fatores podem ainda representar limitações para as empresas, sobretudo se considerarmos a disponibilidade limitada de postos de carregamento em Portugal. No entanto, a mobilidade sustentável vai continuar a ganhar importância e a adoção destas tecnologias vai continuar a aumentar, pelo que a abordagem e resolução destes desafios será crucial para garantir o sucesso da transição para a sustentabilidade, e satisfação das necessidades, quer dos consumidores, quer das empresas, no longo prazo.
De que forma a ACAP se posiciona perante os desafios da sustentabilidade no contexto das frotas de veículos?
No que diz respeito à resposta aos desafios da sustentabilidade no contexto das frotas de veículos, a ACAP reconhece que ainda há muito trabalho a fazer, tanto a nível nacional, como em termos europeus. É necessário reforçar o investimento na rede de carregamento para veículos elétricos e colmatar os custos elevados associados à aquisição deste tipo de veículos, e que continuam a ser uma barreira significativa para muitos consumidores e empresas. Para contribuir para superar estes desafios, a ACAP apresentou ao Governo, e ao público em geral, no Portugal MobiSummit 2022, o estudo "A Análise das Políticas para a Promoção de Veículos Elétricos na Europa", numa tentativa de sensibilizar para a necessidade de tomada de decisões e de criação de medidas coesas a médio e longo prazo, como o aumento dos benefícios diretos e indiretos que ajudem na adoção de uma mobilidade sustentável.
Incentivos para a sustentabilidade não são adequados
No diagnóstico da ACAP – Associação Automóvel de Portugal, a ausência de incentivos governamentais adequados representa uma barreira significativa à adoção generalizada de veículos eléctricos e híbridos. "Para acelerar a transição para um transporte mais sustentável, é imperativo que o Governo não apenas mantenha, mas também reforce medidas de apoio, tais como subsídios para a compra de veículos elétricos, incentivos fiscais e fundos para a implementação de novos postos de carregamento de veículos elétricos" afirma Helder Pedro.
Neste contexto, e na perspetiva da associação, o investimento no desenvolvimento e manutenção da rede de postos de carregamento é essencial para garantir que as empresas e os particulares com veículos elétricos possam deslocar-se de forma eficiente e fiável por todo o país. "A acessibilidade e o funcionamento destes pontos desempenham um papel crucial nas decisões dos consumidores e empresas em optar por veículos elétricos", afirma Helder Pedro. Para a ACAP a situação atual é insatisfatória. "É necessário um esforço conjunto entre o Governo, empresas e outras organizações para expandir a infraestrutura de carregamento e garantir a sua adequada manutenção", defende o seu secretário-geral. "Os incentivos insuficientes e o investimento limitado na infraestrutura de carregamento podem dificultar a transição para o transporte comercial ecológico" afirma.
15 anos é idade média de ligeiros e pesados comerciais
Uma outra questão enfatizada pelos responsáveis da ACAP é o envelhecimento do parque automóvel comercial português. De acordo com os dados apresentados recentemente pela associação, "um milhão e meio de automóveis a circular em Portugal – 26 por cento do total do parque automóvel – têm mais de 20 anos. Este número assume um peso relevante, tendo em conta que, em 2000, os carros com mais de duas décadas de vida representavam apenas um por cento do total". Neste contexto, a idade média tanto nos ligeiros de mercadorias, bem como nos pesados, de passageiros e de mercadorias, ronda os 15 anos.
Dessa forma, se o intuito é o cumprimento das metas ambientas definidas pela UE, e tendo em conta este cenário, a ACAP propõe que Portugal reintroduza mecanismos de incentivo ao abate de veículos em fim de vida para acelerar a substituição dos veículos convencionais mais antigos e poluentes por veículos de baixas emissões. É igualmente importante o reforço dos incentivos aos veículos elétricos no Fundo Ambiental, a simplificação da aplicação de incentivos fiscais, a harmonização e reforço dos pacotes de incentivos indiretos, entre outras medidas. Consequentemente, e segundo Helder Pedro, "a ACAP releva a importância que estes desafios sejam abordados e superados através de ações bem coordenadas e de um compromisso firme por parte das autoridades e dos intervenientes na indústria".