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Territórios têm que ter uma estratégia integrada

O projeto europeu, o seu impacto no desenvolvimento da região Centro, os grandes desafios da região, o modelo que deveria ter o próximo quadro comunitário e os objetivos que deve servir são alguns dos temas abordados por Ana Abrunhosa.

09 de Setembro de 2019 às 06:59
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Numa altura em que a liderança da nova presidente indigitada da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, começa a definir novos horizontes para responder aos muitos desafios que se colocam à União Europeia (UE), Ana Abrunhosa, presidente da Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional do Centro (CCDRC), fala do significado da Europa, do caminho da paz, da prosperidade, da liberdade e da democracia. Apesar de a União Europeia não ser um caminho fácil, a entrevistada reconhece que ser cidadão europeu é um privilégio e afirma que Portugal e a região Centro não seriam o que são hoje se não estivéssemos na União Europeia.

 

Qual a importância para Portugal e para a região Centro de integrar o projeto europeu?

Portugal não conseguiria atingir os seus objetivos se não fosse um membro da UE. Não falo apenas dos fundos europeus. Os desafios da globalização, das alterações climáticas, da inteligência artificial, das migrações, exigem o envolvimento dos vários países e soluções conjuntas, que, na maioria das vezes, envolvem recursos avultados.

 

Muitas vezes não atribuímos o devido valor ao que temos. Quais os principais benefícios que a União Europeia trouxe à região Centro?

Na região Centro, em termos globais, os fundos europeus permitiram um grande investimento na modernização das empresas, que, gradualmente, têm vindo a alterar o seu padrão de especialização, passando a assentar a sua competitividade mais na inovação, na diferenciação, nas parcerias, na internacionalização, do que nos baixos custos do trabalho. Permitiram também um investimento significativo nas entidades do sistema científico regional, em que destaco o papel preponderante da investigação das instituições de ensino superior, em estreita ligação com a envolvente económica, cultural e social.

Nas cidades, na sua componente física, económica e social, os fundos europeus possibilitaram um percurso muito interessante de regeneração, esforço que temos de continuar a fazer, promovendo as redes de centros urbanos, pondo também especial enfoque nas redes urbano-rurais. Fez-se um investimento muito significativo, com o apoio de fundos europeus, nas infraestruturas de educação, de saúde, no património cultural, nas rodovias. Somos uma região e um país muito diferentes e, não tenho dúvidas, para melhor.

 

A região Centro foi, pela primeira vez, classificada como região fortemente inovadora pelo Regional Innovation Scoreboard, elaborado pela Comissão Europeia. Como se alcança este reconhecimento?

Este é o resultado da elevada dinâmica do sistema científico e tecnológico regional em parceria com as empresas da região. Os apoios do Centro 2020, no âmbito do Portugal 2020, nos projetos de investigação e desenvolvimento e no investimento inovador têm sido fundamentais para este resultado. A dinâmica de investimento das empresas da região tem sido extraordinária. Se tomarmos como indicador a procura de fundos europeus do Portugal 2020, verificamos que a região Centro é aquela que apresenta um maior apoio de fundos por empresa, com um valor de 6.838€/empresa por oposição aos 5.196€/empresa no Norte. Um outro indicador é o facto de o Centro 2020 ter, a meio do Portugal 2020, ultrapassado a execução que teve nos apoios empresariais em todo o quadro comunitário anterior, o QREN.

 

Em termos de infraestruturas, onde é necessário investir na região Centro?

Apesar do investimento feito, há ainda muito a fazer, sobretudo, assegurar uma ferrovia competitiva, como é o caso da linha da Beira Alta que garante o transporte de mercadorias. É fundamental a eletrificação e a qualificação da linha ferroviária do Oeste, entre outros investimentos estruturantes. No que respeita às rodovias, elas são fundamentais para a competitividade e a inclusão dos territórios. É fundamental acelerar a requalificação do IP3, eixo fundamental no coração da região Centro, e assegurar que os concelhos limítrofes têm ligações à mesma. A conclusão do IC6 é crucial para a competitividade de uma parte importante da região.

 

A educação tem sido prioridade na aplicação dos fundos europeus na região?

Sim, é sem dúvida um objetivo prioritário. A taxa de abandono escolar diminuiu significativamente, o que exigiu um grande empenho de toda a comunidade escolar e programas específicos para necessidades específicas. Em geral, a formação dos nossos jovens é de elevado nível, o que se comprova pela facilidade que têm em integrar-se no mercado de trabalho internacional.

 

Numa altura em que se prepara o próximo quadro comunitário, como gostava que fosse o modelo?

Considero fundamental que se mantenham os programas regionais, em estreita articulação com as Comunidades Intermunicipais (CIM), os Grupos  de Ação Local (GAL) e os Programas de Valorização Económica dos Recursos Endógenos (PROVERE). É necessária uma única coordenação para os fundos comunitários, exercida ao mais alto nível, em termos políticos, na responsabilidade direta do gabinete do primeiro-ministro, se possível. A setorialização dos programas operacionais temáticos é um entrave à coordenação dos instrumentos financeiros que devem ser colocados ao serviço de políticas públicas integradas e dos territórios e das pessoas. Todos beneficiaríamos com um modelo de governação dos fundos europeus com menos camadas administrativas, o que obrigaria a uma reforma do próprio Estado. Defendo também o reforço do papel das regiões/CCDR, num esforço de racionalização das estruturas representativas do Governo nas regiões, e do acentuar do princípio da subsidiariedade.

Tem de haver uma estratégia integrada para o território. Se as intervenções forem espartilhadas, por muito bom que seja o modelo de política, nunca se atingirão os resultados pretendidos. No que respeita aos territórios transfronteiriços, há que promover políticas e programas efetivos de cooperação, que possam fazer uso de fundos europeus, numa perspetiva de estancar a desertificação económico-social.

 

Em termos de áreas prioritárias, quais serão as grandes apostas para o futuro?

Em relação ao futuro acredito que tão importante como discutir o pacote financeiro que Portugal vai poder aplicar é discutir onde vai ser aplicado e os objetivos que se querem atingir. Não tenho dúvidas de que as linhas gerais traçadas pelo Governo são as adequadas, e até já estão consensualizadas com as várias forças políticas. Não podemos confundir os fundos europeus com a política, eles são um instrumento ao serviço das políticas públicas, que devem ter objetivos claros, partilhados por todos e que permitam ao país ter um desenvolvimento sustentável, onde a redução das assimetrias territoriais e a inclusão social sejam prioridades transversais às várias políticas.

Há que continuar a fazer a aposta na educação/formação das pessoas e trabalhadores, num contexto em que o conhecimento e os saberes se tornam rapidamente obsoletos; a aposta no conhecimento, inovação e internacionalização, que passa por continuar a apoiar as empresas e as entidades que constituem o ecossistema de inovação; e a aposta na transição para uma economia mais sustentável, assente nos princípios da economia circular.
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