Há muito que a Festa do Alvarinho e do Fumeiro saiu das fronteiras do concelho de Melgaço e deixou de ser apenas das suas gentes. Hoje, o evento gastronómico é conhecido a nível nacional e os visitantes, que vêm de todo o lado, são fundamentais para a economia do território, desde os produtores de vinho, passando pelos criadores de animais, até aos donos de estabelecimentos comerciais. A mais-valia deste certame que promove o vinho Alvarinho, o fumeiro e os restantes produtos locais é, todavia, apenas o mote da entrevista feita a Manoel Batista Calçada Pombal, presidente da Câmara Municipal de Melgaço. Nesta conversa, o autarca não esquece a pandemia, fala da evolução natural da terra, aborda as políticas do Governo para com os territórios de baixa densidade e explica ainda quais são as vantagens de viver em Melgaço, para onde pretende atrair cada vez mais habitantes.
A Festa do Alvarinho deixou de ser apenas um grande evento do Alto Minho e passou a ter uma dimensão nacional. A pandemia poderá ter um impacto negativo na notoriedade deste evento?
Com toda a certeza que não. Antes pelo contrário. Os fãs da nossa festa anseiam por ela. Este grande evento de referência começou em 1995, como um pequeno acontecimento junto à câmara municipal. Com o passar dos anos, edição após edição, foi-se fortalecendo e afirmou-se como um grande evento de referência, como um exemplo e um modelo de boa prática a implementar noutras regiões.
Crescemos em profissionalismo, imagem e qualidade, acompanhando naturalmente o processo de afirmação da região. Não deixámos de o continuar a celebrar apesar da pandemia. No ano passado, assinalámos os 25 anos com eventos digitais e este ano encontrámos uma forma de o voltarmos a celebrar respeitando as regras de segurança. A Festa do Alvarinho e o seu espírito continuam vivos.
Melgaço é, sem dúvida, um destino obrigatório para a descoberta do bom Alvarinho e dos melhores brancos do mundo, devidamente reconhecidos e premiados. Porém, há também uma importante vertente económica?
A nossa fileira do vinho cria riqueza, existindo um conjunto de atores à sua volta muito importantes. Primeiro, os produtores de uva. Temos uma produção de uva requintada e cara. É a uva mais cara do país. Melgaço tem produtores com dimensão nacional e internacional. Começamos a ter players na área da produção com grande dimensão, força e pujança. A vinha é uma atividade que tem trabalho todo o ano, o que desenvolve imenso o território e cria riqueza e empresas à volta desta fileira que começa a demonstrar ter muitas outras áreas por explorar.
Os produtores de Melgaço estão muito diferentes dos que arrancaram com a Festa do Alvarinho em 1995?
Os nossos produtores hoje estão profissionalizados e os seus produtos atingiram elevados níveis de qualidade e não falo apenas dos Alvarinhos. Melgaço é reconhecido pela qualidade e pelos prémios que a mesma granjeia. Deixámos de produzir como atividade secundária, para assumirmos como atividade principal com grande peso na economia das famílias e do território.
Existem agora novas realidades que nos exigem também novas ações, de que é um bom exemplo o protocolo de colaboração recentemente assinado com o Instituto Politécnico de Viana de Castelo (IPVC) no âmbito do Núcleo Tecnológico para a Sustentabilidade Agroalimentar (NUTRIR). O NUTRIR, a instalar no nosso território, com orientação científica do CISAS – Centro de Investigação e Desenvolvimento em Sistemas Agroalimentares e Sustentabilidade do IPVC, tem como missão a caracterização territorial, avaliação das potencialidades e condicionalismos das principais atividades agrícolas da região e a vitivinicultura e a produção animal numa perspetiva de investigação, desenvolvimento e qualificação para suporte à inovação empresarial, dinamização económica e promoção da sustentabilidade territorial.
Mudando o tema da nossa entrevista para o assunto do qual não podemos fugir nestes dias. Como está o território a encarar esta fase de pandemia?
Com resiliência, sem desistir nunca. É uma fase muito triste e desafiante, exigindo de todos um maior empenho na concretização dos objetivos. Isto aplica-se aos autarcas, aos gestores e às populações em geral. Tivemos de ousar soluções novas para atingir as metas que se impunham. Aos políticos exige-se, e com legitimidade, sempre mais, já que somos responsáveis por implementar no terreno as medidas adequadas para que a sociedade possa reagir e continuar a funcionar, numa nova normalidade. O executivo até ao momento procurou e conseguiu, à nossa escala, dotar o território das ferramentas adequadas a esta fase. Melgaço não parou. Os melgacenses souberam, sem ensaios prévios, responder como deviam a esta pandemia e aos seus desafios.
Como define a ação da câmara, em três palavras?
Realização. Concretização. Empenho.
A nível nacional, como encara o novo posicionamento do Governo para com os territórios de baixa densidade?
Há de facto, por parte deste Governo, uma mudança de paradigma na abordagem aos territórios de baixa densidade. O novo ministério, liderado pela professora Ana Abrunhosa, é prova de que estamos no bom caminho. Sabemos hoje que não é suficiente colocar recursos nas regiões menos desenvolvidas, mas assumir que a diminuição das assimetrias regionais envolve investimento seletivo, qualificador e capaz de valorizar os recursos endógenos dos territórios.
Estando o crescimento dos municípios baseado nos seus recursos endógenos e na capacidade de atração de novas atividades e pessoas, exige-se de todos a coragem política para assumirmos que não é possível colocar a tónica no crescimento igual em todos os territórios. É preciso assumir um tratamento diferente para aquilo que é diferente.
Haverá essa coragem?
A coesão territorial está a ser sinónimo de uma melhor governação, dessa coragem, incorporando a dimensão territorial nas políticas públicas. O que está a implicar uma articulação mais eficiente entre os diferentes níveis de administração (da escala europeia à escala local, a que está associado o princípio da subsidiariedade) e as diferentes políticas setoriais, que devem ter uma atuação partilhada sobre o mesmo território. Só com uma maior coerência e sinergia entre políticas setoriais com enfoque no mesmo território é que se podem maximizar os impactos territoriais das políticas públicas.
Nos territórios de baixa densidade não podem, por exemplo, ser aplicados os tradicionais critérios que norteiam o investimento público. A valorização da sua atratividade e dos seus recursos exige, igualmente, um tratamento diferenciador (a chamada discriminação positiva), quer no que respeita às famílias, quer às empresas. E isto não é um custo para o país, é um investimento que o país deve assumir, na maior parte das vezes sem retorno imediato, mas que implica preservar e valorizar os ativos, cujo abandono tem tido um custo incomensurável para o país. Estas abordagens de base territorial implicam o desenvolvimento de formas de discussão e participação ativa dos cidadãos no processo de tomada de decisão.