Criado em 1994 com o objetivo de promover a cooperação e o diálogo entre as instituições de ensino superior em Portugal, o CRUP é uma associação de reitores das universidades portuguesas. Ontem como hoje, é parceiro de referência na governação do ensino superior, empenhado em contribuir para a adoção de políticas públicas que valorizem a educação, a ciência e a cultura. Entrevistámos António Sousa Pereira, presidente do CRUP e reitor da Universidade do Porto.
Quais as principais mudanças no ensino superior em Portugal nos últimos anos?
Passaram pela sua democratização. O país deve continuar a alargar a base social de recrutamento para que haja uma maior percentagem de portugueses a frequentar o ensino superior. Sabemos que as instituições vão enfrentar um "inverno demográfico" nos próximos anos, mas é importante garantir que o número de estudantes a ingressar no ensino superior se mantenha constante para que, percentualmente, a taxa aumente.
E o principal desafio que enfrenta?
O principal desafio está fora das universidades: é preciso fazer com que os jovens percecionem as vantagens de terem um curso superior. Não creio que hoje existam políticas públicas concertadas para valorizar convenientemente quem tem uma formação superior, o que produz um efeito destrutivo para o país. O ensino superior deve ser percecionado como o mais eficaz, e democrático, elevador social.
Atualmente, o ensino superior é visto pela maioria dos estudantes como uma continuidade do ensino secundário. Há mercado para todos?
Mercado para todos há sempre, mas as universidades não devem funcionar em função do mercado. O foco das instituições de ensino superior deve estar no desenvolvimento das pessoas e na sua permanente atualização em termos de competências. Isto sim: depende da interação com os empregadores.
Para a geração que ingressa no mercado de trabalho, as competências técnicas e os graus académicos são suficientes?
Sim, as competências são suficientes, mas num horizonte temporal muito curto. O mundo está em constante evolução. Pensar que com uma licenciatura ou mestrado estamos capacitados para toda a vida é um erro. É por isso que apelamos à formação ao longo da vida. As pessoas devem voltar à universidade para se requalificarem ou adquirirem novas competências, estando permanentemente atualizadas.
Ter quadros qualificados confere às empresas uma vantagem competitiva?
As empresas só têm a ganhar com a presença de jovens com formação superior pela diferenciação nas competências técnico-científicas que possuem e que os distinguem no sentido de se tornarem uma mais-valia para as empresas.
O que é preciso fazer para reforçar a conexão entre os mundos académico e empresarial?
Num país cujo tecido empresarial é particularmente marcado por micro, pequenas e médias empresas, em que por vezes os empresários têm pouca sensibilidade para empregar jovens com formação superior, é necessário que as empresas se mentalizem que têm benefícios ao contratar pessoas qualificadas e diferenciadas. Isso vê-se, por exemplo, pelo facto de Portugal ser dos piores países da Europa no que diz respeito a empresas que investem em investigação, comprometendo o caráter inovador necessário para o sucesso empresarial. Contudo, cada vez mais se vê jovens empresários que encaram o ensino superior como uma mais-valia, o que acaba por contrariar esta tendência.
E como poderá o ensino superior adaptar-se ao mercado global de trabalho?
Evoluindo para formações de banda larga, isto é, uma formação mais generalista que confere competências relacionais, de análise e resolução de novos problemas. Esta é a estratégia contrária à que tem vindo a ser colocada em prática nos últimos 40 anos, mas é a que melhor prepara para o futuro e para as novas profissões.
Existem diferenças qualitativas entre as instituições do ensino superior público e privado?
Não são universos comparáveis. Nos cursos em que exigem infraestruturas laboratoriais não existe oferta privada, como é o caso da maioria das engenharias. Onde é possível fazer essa comparação é em cursos de natureza das ciências sociais e humanas, que são áreas menos exigentes do ponto de vista das infraestruturas. Desta forma, no momento da escolha por parte dos alunos e do mercado, a qualidade é igualmente uma não questão. Os candidatos escolhem em função das suas preferências de determinadas áreas de formação e o mercado recruta os especialistas que melhor respondem às suas necessidades.
O nosso ensino superior atinge níveis comparáveis com os dos restantes países da UE?
Claro que sim. Os indicadores são objetivos: temos instituições de ensino superior de grande qualidade que se comparam com as melhores, não só a nível europeu, mas também a nível mundial. O mais recente ranking divulgado pelo QS World University Rankings (QSUR) coloca as universidades do Porto, de Aveiro, de Coimbra, do Minho, a Nova de Lisboa, o ISCTE e a Universidade Católica Portuguesa junto das mais prestigiadas instituições a nível mundial. Outro exemplo: o Finantial Times colocou quatro mestrados portugueses entre os cem melhores do mundo.