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O potencial da economia circular não está a ser devidamente aproveitado

Para debater o estado atual da economia circular no país, a Associação SmartWaste Portugal, em parceria com a Fundação de Serralves, organizou a conferência “Smart Growth: O papel da economia circular”, que contou com a participação de prestigiadas figuras e empresas do panorama nacional.

11 de Maio de 2022 às 14:15
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Embora amplamente reconhecido nas sociedades modernas, o potencial da economia circular não está a ser devidamente aproveitado. Esta é a principal conclusão que se destaca da conferência “SmartGrowth: O papel da economia circular”, que se realizou no Auditório do Museu de Serralves, no Porto. Empresas e entidades públicas apresentaram as estratégias que desenvolvem no âmbito do melhoramento e aproveitamento de recursos, e propuseram ações urgentes a implementar, quer através da criação de legislação mais adequada, quer através da desburocratização de processos.


Atualmente, apenas 8,6% da economia mundial é circular, afirmou na abertura Aires Pereira, presidente da Associação SmartWaste Portugal, que apresentou um outro dado igualmente preocupante: “Todo este desperdício é responsável pelo aumento da temperatura mundial em um grau Celsius”, alertou, salientando que a aposta no crescimento da economia circular, para além de melhorara saúde do planeta “potencia o aparecimento de novos negócios”.



Sustentabilidade, descarbonização e racionalidade económica


“Devido às três novas realidades que marcam profundamente a Europa – inflação, subida das taxas de juros e das dívidas corporativas, familiares e estatais –, é urgente pensara sério na economia social, também para o incremento de um modelo económico mais racional e sustentável”. Foi assim que Paulo Portas, antigo ministro de Estado e dos Negócios Estrangeiros, e keynote speaker da conferência, abordou a temática da sustentabilidade, que reconhece ter sofrido retrocessos, devido a dois anos de pandemia e, agora, à guerra, garantindo que é altura de conciliar o “urgente” com o “essencial”. Para Paulo Portas, “o conflito na Europa levou ao agravamento de fatores macroeconómicos e a novas realidades que vão obrigar a um esforço de racionalidade, de forma a implementar novas eficiências que aproximem empresas e organizações da economia circular”, explicou, garantindo que “este é o momento certo para a impulsionar, reutilizando, reduzindo e recuperando”.



Novos modelos de negócio e ferramentas rumo à circularidade


Cerca de uma dezena de empresas nacionais de dimensão europeia estiveram presentes nesta conferência, constituindo um painel de discussão sobre novos modelos de negócio que potenciam a circularidade. A Sonae Arauco, representada por Rui Correia, incorpora madeira reciclada na construção de painéis há 25 anos. A empresa montou o seu próprio sistema de recolha de madeira para reciclar, devido à escassez de serviços que garantam o reaproveitamento deste material. Atuando na área da logística de transporte de mercadorias e no aluguer de equipamentos de transporte, a CHEP Portugal está direcionada para a circularidade através da recolha, junto dos clientes, dos materiais que transporta, para reutilização. Paula Sardinha, da CHEP, salientou “a implementação de uma melhoria constante rumo à circularidade”, bem como “a preocupação ambiental da empresa” que, porcada árvore que utiliza no fabrico das suas paletes, planta duas.


Para Catarina Dias, da TGM Automotive, a questão da circularidade é mais complexa, já que a empresa trabalha com matérias compostas utilizadas em interiores de automóveis, cuja reciclagem é “um desafio”. A estratégia futura passa pelo “desenvolvimento de monomateriais em detrimento dos compósitos” e pela “redução de25% do CO2 produzido com vista à diminuição da pegada carbónica”. Já a SEDA, do International Packaging Group, uma empresa de embalagens para a indústria alimentar cuja principal matéria-prima é o cartão, destacou a sua alta reciclabilidade e a transformação de cerca de 30 mil toneladas/ano. “Constituído por matérias naturais, o papel, no seu estado virgem, pode ser reciclado até 25 vezes sem perder características e sem nunca se transformar num resíduo”, garantiu Anselmo Viladerbó, responsável desta empresa.

"Atualmente, apenas 8,6%da economia mundial é circular. O desperdício é responsável pelo aumento da temperatura mundial em um grau Celsius. A aposta no crescimento da economia circular, para além de melhorar a saúde do planeta, potencia o aparecimento de novos negócios." AIRES PEREIRA, presidente da Associação Smart Waste Portugal

Cada matéria-prima coloca um desafio diferente à economia circular


Também o vidro se caracteriza por ser uma matéria altamente reciclável, apesar de algumas dificuldades ainda existentes na sua recolha. “A reciclagem do vidro, que é reintroduzido no processo de fabricação de novas garrafas, permite uma redução drástica da pegada carbónica”, garantiu Sandra Santos, da BA Glass, alertando para o baixo índice da taxa de recolha deste material no país. “O objetivo é ode chegar aos 90% de recolha, em2030, mas atualmente não vamos além dos 56%.”


Na Silvex, onde o plástico é a principal matéria-prima da atividade da empresa, já se recicla plástico há mais de 40 anos. Sendo um material discriminado devido à sua lenta decomposição no meio ambiente, o plástico tem vindo a apresentar uma tendência decrescente nos números da reciclagem. De acordo com Hernâni Magalhães, da Silvex, dos “9,3% que se reciclavam em 2015 passámos para os8,6% em 2021”. Para inverter esta tendência, a empresa está a trabalhar no desenvolvimento de bioplásticos. Paralelamente, a Silvex está a desenvolver um sistema de reciclagem “em circuito interno”, em que recolhe plásticos de pós-consumo junto dos seus clientes e, após a sua separação, lavagem e transformação em novo polímero, voltam ao mesmo cliente, numa lógica de reutilização de recursos.



Incentivar o consumidor a ter comportamentos ambientalmente responsáveis


Também dedicada ao desenvolvimento de biocombustíveis, a Galp está a produzir materiais para substituição do gasóleo, derivados de óleos alimentares reciclados. Para Teresa Abecassis, representante da petrolífera, esta “é uma área de grande importância no caminho para a sustentabilidade e com grande responsabilidade na economia circular”. Para Fernando Ventura, da Jerónimo Martins, o combate ao desperdício passa por uma boa análise do comportamento dos consumidores, que “transmitem” as direções a seguir. “Iniciativas como a recolha de óleos alimentares e de cápsulas de café foram ações inovadoras para a economia verde, reduzindo o impacto ambiental.” A substituição de produtos em forma líquida pela forma sólida, bem como as garrafas de água ‘refill’, contribui para a reutilização dos materiais de uma forma eficiente, mas “auscultando sempre a predisposição do consumidor para soluções inovadoras”. Já ao nível das tecnologias, a Minsait apresenta-se como uma solução inovadora na utilização de dados recolhidos através de dispositivos colocados em pontos estratégicos das cidades, transformando-os em soluções para problemas urbanos, como por exemplo, os locais mais adequados para a colocação de contentores, ecopontos ou mobiliário citadino, como explicou Miguel Angel San Roman desta empresa.


A Sociedade Ponto Verde continua a ser um parceiro importante para as empresas e a comunidade na recolha, separação e reutilização de materiais, e continua a investir na informação. Elga Almeida, responsável desta empresa, explicou que “a sociedade criou uma página no seu website oficial, no sentido de proporcionar ferramentas úteis aos embaladores e informação adequada aos consumidores”. Em outra vertente, e apresentando-se como um dos principais parceiros da Smart Waste, a Lipor representa um sistema integrado de gestão de resíduos entre oito municípios. Trabalhando desde a triagem até à valorização energética, a entidade intermunicipal atua em diversas áreas, entre as quais na produção de composto para enriquecimento dos solos ou na redução da quantidade de resíduos em aterro. Fernando Leite, CEO da Lipor, destacou algumas das iniciativas que apontam para um futuro mais sustentável, nomeadamente através do desenvolvimento de combustíveis sintéticos para a aviação, da aposta no grande potencial dos polímeros (plásticos), na utilização de escórias (matéria mineral que resultado da incineração de resíduos),sob o lema “Zero Resíduos em Aterro”.


Para além do desenvolvimento de uma rede colaborativa internacional, as principais soluções para o desenvolvimento da economia circular passam por conceitos como o ecodesign, a utilização de biomateriais, e a aposta no aumento da recolha e reciclagem, com vista à redução da pegada carbónica e à diminuição de gases com efeito estufa. Todos os participantes estiveram de acordo em que se torna fundamental a desburocratização e regulação de processos, bem como a criação de um mecanismo nacional de gestão de resíduos.

"O conflito na Europa levou ao agravamento de fatores macroeconómicos e a novas realidades que vão obrigara um esforço de racionalidade, de forma a implementar novas eficiências que aproximem empresas e organizações da economia circular. Este é o momento certo para a impulsionar, reutilizando, reduzindo e recuperando." PAULO PORTAS, antigo ministro de Estado e dos Negócios Estrangeiros

Economia circular com incentivos financeiros


Se este é um caminho que tem de ser feito, embora com diferentes posturas, é também um caminho que conta com a atenção crescente do sistema financeiro. Para o administrador do Banco de Portugal, Luís Laginha de Sousa, um dos keynote speakers deste evento, “este caminho envolve transformações muito alargadas e profundas, em que seremos inevitavelmente confrontados com a necessidade de efetuar investimentos de grandes proporções. Investimentos esses que, para serem concretizados, terão de ser financiados”. Para o Banco Europeu de Investimento, referiu, “a União Europeia vai necessitar de investimentos adicionais equivalentes a 2,1% do PIB, por ano, se quiser alcançar o objetivo de reduzirem 55% as emissões de gases com efeito de estufa até 2030”. Em conclusão, o administrador sublinhou que “apesar de serem incontornáveis as necessidades de financiamento que resultam do imperativo de fazer face aos riscos que referi, não é menos verdade que essas necessidades de financiamento podem ser substancialmente mitigadas. Seja através de um avanço na gestão do capital natural, seja pela incorporação das externalidades, negativas e positivas, nos preços dos bens e serviços. Seja ainda, e não menos importante, pelo fomento da economia circular, como tão bem nos lembra esta conferência.”

"As necessidades de financiamento podem ser substancialmente mitigadas. Seja através de um avanço na gestão do capital natural, seja pela incorporação das externalidades, negativasse positivas, nos preços dos bens e serviços. Seja ainda, e não menos importante, pelo fomento da economia circular." LUÍS LAGINHA DE SOUSA, administrador do Banco de Portugal

Cidades sustentáveis são mais atrativas


Por fim refira-se que na sessão de abertura, Filipe Araújo, vice--presidente da Câmara Municipal do Porto e responsável pelo pelouro do Ambiente e Transição Climática, referiu que a economia circular representa um modelo de referência com grande impacto nas cidades. Aliás, a Invicta está na listadas cem cidades que participarão na “Cities Mission – Cidades Inteligentes e com um Impacto neutro no Clima”, uma iniciativa da Comissão Europeia cujo objetivo é o de apoiar os municípios que se comprometam a atingir a neutralidade carbónica em 2030.



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