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OPEP+ adia abertura de torneiras à espera de vacina

Não parecem restar dúvidas de que a OPEP+ vai manter o atual nível de retirada de crude do mercado, embora não seja um dado já adquirido. A confirmar-se, será por três ou seis meses?

A BP, a Galp Energia e a Repsol têm investido na energia solar para diversificar o seu portfólio e diminuir  o peso do petróleo.
Nick Oxford/Reuters
30 de Novembro de 2020 às 08:00
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Os 13 países-membros da Organização dos Países Exportadores de Petróleo reúnem-se esta segunda-feira e há grande expectativa de que decidam manter o atual nível de corte da oferta para lá de janeiro. A decisão ficará acordada na terça-feira, quando se juntarem às conversações os 10 países aliados do cartel para a reunião ministerial do chamado grupo OPEP+.

No âmbito do acordo que vigora desde janeiro de 2017 entre estes 23 países, tem sido retirado crude do mercado nos últimos anos, com o corte a ser ajustado ao longo do tempo, de modo a sustentar os preços. Mas este ano, passado o pico da primeira vaga da pandemia e com os preços já num patamar considerado aceitável, a OPEP+ decidiu aliviar esse esforço, estando o corte desde 1 agosto nos 7,7 milhões de barris por dia [8% da produção global] – e estando previsto que vigore até ao final de dezembro, passando depois para 5,8 milhões de barris/dia entre janeiro de 2021 e abril de 2022.

Acontece que, com a segunda vaga da pandemia a afetar de novo a procura por combustível, a OPEP+ está a pensar estender o atual nível de corte da produção e o mercado tem estado a descontar essa decisão, com os preços do petróleo a subirem há quatro semanas. A questão agora é saber durante quanto tempo manterá este nível – ou até se reforçará o volume do crude retirado do mercado.

Para Giovanni Staunovo, analista de matérias-primas do UBS, há várias razões para a OPEP+ adiar o aumento da oferta em pelo menos três meses. “Uma delas prende-se com as restrições à circulação na Europa e nalguns estados americanos, que irão reduzir a procura por petróleo no quarto trimestre deste ano e, potencialmente, no primeiro trimestre de 2021”, diz. “Outro motivo, de ordem sazonal, tem a ver com o facto de a procura por crude tender a enfraquecer na primeira metade de cada ano. Também a maior produção líbia é um fator que deverá sustentar a decisão da OPEP+.”

No entender do analista do UBS, a recente subida dos preços do petróleo e o crescente otimismo em torno de uma vacina contra a covid-19 poderão resultar numa extensão dos atuais cortes em apenas três meses, em vez de seis, “já que cotações mais elevadas diminuem a vontade da OPEP+ de os estender por um período mais longo”. “Existe a possibilidade de uma maior extensão, ou até de cortes mais profundos, dado que o ministro saudita da Energia tem tendência para surpreender os mercados, mas achamos difícil que Riade consiga um consenso nesse sentido com o Brent a negociar já perto dos 50 dólares por barril”, sublinha.

“O consenso do mercado prevê que a OPEP+ estenda os cortes de produção de 7,7 milhões de barris por três meses e, na nossa opinião, esse será o cenário mais provável, podendo o grupo vir a reunir-se novamente em março para rever as medidas”, comenta, por seu lado, Henrique Tomé, analista da XTB. No entanto, adverte, a decisão não deve ser tomada como certa. “O Iraque ou os Emirados Árabes Unidos não querem uma extensão das medidas e alguns países podem aceitar preços do petróleo em torno dos 50 dólares por barril”, aponta.

O Brent está a cotar nos 48,2 dólares/barril e o WTI nos 45,55 dólares, acumulando quedas respetivas no ano de 26,9% e 25,40%.

A frente das vacinas

Já quanto à possibilidade de o atual nível de cortes se manter por mais seis meses, Henrique Tomé salienta que a hipótese foi avançada antes de chegarem aos mercados as notícias sobre vacinas promissoras contra a covid-19, o que pode ser visto como um fator positivo de curto prazo para os preços do petróleo e tornar assim menos provável um compromisso de corte da oferta mais prolongado.

As promissoras vacinas que têm estado a ser anunciadas vieram, de facto, trazer um impulso. Todos estão cientes de que a segunda vaga ainda vai penalizar a procura, mas o otimismo reina. “Acho que os mercados estão a descontar uma solução disponível para a parte final do inverno e uma diminuição dos confinamentos nos próximos meses. Caso as expectativas não se concretizem e a atividade económica continue confinada, é claro que o preço do petróleo será impactado. No entanto, cenários como o de abril, quando o preço do crude colapsou para menos de zero durante algumas horas, são neste momento muito pouco prováveis”, considera Carlo Alberto de Casa, analista-chefe da ActivTrades.

Já Harry Tchilinguirian lembra que os futuros do petróleo são ativos financeiros e que, por isso, vão reagir de forma rápida à aprovação das vacinas, antecipando os efeitos positivos que os avanços no combate à covid-19 terão nos fundamentais do setor petrolífero e na esperada retoma da procura. Para o responsável pelo departamento de “research” de matérias-primas do BNP Paribas, “os resultados promissores já anunciados pela Pfizer e Moderna reformularam as expectativas em torno do rumo da economia futura e, por arrasto, de uma retoma da procura por petróleo”. Assim, “quaisquer novos progressos no domínio das vacinas irão fazer subir mais os preços do crude, uma vez que o mercado irá olhar além da debilidade de curto prazo e projetar uma retoma que ganhará tração à medida que as vacinas começarem a ser amplamente distribuídas – o que, na nossa perspetiva, acontecerá no segundo semestre do próximo ano”.

Além das vacinas, também a estabilidade política nos Estados Unidos pode ser tratada como uma notícia positiva para os preços do petróleo, refere Henrique Tomé. “A promessa de um estímulo orçamental de dois biliões de dólares deve impulsionar a procura na maior economia do mundo”, diz o analista da XTB.

A pressionar um cenário de maiores subidas continuará a estar a Líbia, que regressou ao mercado exportador depois de as suas torneiras terem estado a conta-gotas durante grande parte do ano devido à guerra civil no país. A Líbia é membro da OPEP mas está isentada do esforço de corte da produção, tendo adicionado ao mercado mais de 1,1 milhões de barris por dia desde setembro.

Tudo pesado, é hora de a OPEP+ reunir um consenso que o mercado já antecipou. Na ausência de acordo para adiar a entrada de mais crude, é certo o cenário de derrapagem dos preços.

Giovanni Staunovo, analista de matérias-primas do UBS 

 

"Reiteramos a nossa perspetiva cautelosa para os preços do crude no curto prazo, uma vez que as restrições à mobilidade na Europa e o aumento de produção da Líbia deverão manter as cotações vulneráveis a novos reveses. Mas o ‘outlook’ para o mercado petrolífero não é completamente sombrio: as restrições à circulação na Europa são neste momento menos severas do que as que foram impostas em abril, e a procura de petróleo pela Ásia é sólida. À medida que o hemisfério norte caminha para o inverno, com as pessoas a trabalharem nos escritórios mas também em casa, a procura por aquecimento poderá beneficiar os preços de forma mais marcada do que é habitual."

 

Harry Tchilinguirian, chefe do departamento de "commodities" do BNP Paribas 

 

"Há um crescente consenso de que a OPEP+ irá adiar a flexibilização dos seus cortes voluntários da oferta. Em certa medida, esse adiamento está já contabilizado nos atuais preços do petróleo. Mas a questão é saber por quanto tempo será adiada essa entrada de mais crude no mercado. O consenso aponta para três meses como a decisão mais provável, já que isso dará à OPEP+ flexibilidade para reavaliar a sua política de oferta para o segundo trimestre de 2021. Nesse caso, o impacto positivo da decisão deverá ser modesto. Mas se a OPEP+ se comprometer por um período mais longo, como seis meses, isso surpreenderá e deverá ter uma incidência mais positiva nos preços do crude."

 

Bill O’Grady, estratega da Confluence Investment Management 

 

"Penso que a Organização dos Países Exportadores de Petróleo e os seus aliados (o chamado grupo OPEP+) se decidirão por alargar o período de vigência das atuais quotas de produção, e essa decisão deverá sustentar os preços da matéria-prima em torno dos níveis em que negoceiam neste momento. Além disso, os fundamentais de mercado estão a melhorar gradualmente. Exemplo disso está no facto de os elevados inventários de destilados de petróleo nos Estados Unidos estarem a diminuir. E embora a pandemia de covid-19 esteja ainda, claramente, no nosso caminho, a promessa de uma vacina constitui também um fator de otimismo para o mercado petrolífero." 

 

Carlo Alberto de Casa, analista-chefe da ActivTrades

 

"As reuniões da OPEP e OPEP+ desta semana e as suas decisões são um passo fundamental para a recuperação dos preços do petróleo, mas os investidores estão a olhar mais longe e a apostar também na eficácia das vacinas. As expectativas estão a desempenhar um papel crucial e os mercados estão a confiar na grande indústria farmacêutica. Obviamente a OPEP + também está a cumprir o seu papel, mas não é o único impulsionador de mercado para o petróleo neste cenário. Os mercados parecem já ter descontado uma extensão dos cortes atuais da produção da OPEP+ e provavelmente ficariam desapontados se essas expectativas não se concretizassem."

 

 

Contango menos evidente

A estrutura de contango no mercado – quando os preços dos contratos futuros estão mais altos do que o custo do produto para entrega imediata – estreitou-se na semana passada para 31 cêntimos de dólar, a mais reduzida desde junho, refletindo a opinião dos operadores de que o excesso de crude vai diminuir. Se acreditassem que o excedente estaria para durar, o contango seria mais evidente, com os preços do contrato mais próximo bastante mais baixos do que os restantes, devido à pressão do menor espaço para armazenamento do produto. Foi o que sucedeu em abril, quando um supercontango atirou as cotações para preços negativos, já que ninguém queria ter petróleo em mãos quando os contratos expirassem, por não haver onde o guardar. Se as vacinas contra a covid chegarem rapidamente, em breve poderá registar-se uma estrutura de mercado oposta, em que os preços dos contratos mais imediatos são superiores aos de mais longa distância – fenómeno a que se dá o nome de "backwardation".

 

 

“Shale” à espreita e OPEP+ atenta 

Há um fator que manterá em alerta os membros do cartel e seus aliados: o ritmo de produção do "shale oil" (petróleo extraído das rochas de xisto betuminoso) nos EUA, salienta Bill O’ Grady, estratega da Confluence Investment Management. "Por outras palavras, com que rapidez aumentará a produção do petróleo de xisto se os preços recuperarem? A minha convicção é a de que a retoma será menos robusta do que no passado, devido a questões financeiras. Mas, para a OPEP+, a disposição para aumentar a produção depende da atividade norte-americana", acrescenta. É precisamente aqui que a OPEP tenta sempre conseguir um equilíbrio, ou seja, fazer subir os preços… mas não muito. Isto porque os custos de extração do "shale" são mais elevados do que os do petróleo convencional, pelo que a maioria das empresas do setor só consegue continuar no ativo com cotações mais altas. E se a OPEP retira oferta do mercado, não quer ver esses esforços gorados com uma subida da produção norte-americana.

 

 

7,7
milhões de barris
É este o valor diário atual de corte da produção da OPEP+. E poderá estender-se para lá de janeiro. Decisão é terça-feira.

 

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