Notícia
"Se viver abaixo dos meus rendimentos, vivo com mais qualidade"
No livro "Independência Financeira para Mulheres", Susana Albuquerque aconselha as leitoras a pouparem, regular e automaticamente, 10% dos seus rendimentos mensais e a manterem sempre uma folga no orçamento.
09 de Fevereiro de 2011 às 08:43
Susana Albuquerque, secretária-geral da Associação de Instituições de Crédito Especializado (Asfac) |
Em "Independência Financeira para Mulheres" diz que as mulheres têm o mesmo talento que os homens na gestão do dinheiro. Sendo assim, como justifica um livro de finanças escrito só para as leitoras?
Tal como digo no livro, muitas vezes as mulheres não reconhecem esses talentos. Não reconhecem as formas como esses talentos podem ser usados para a sua independência financeira. É uma questão de reconhecerem primeiro o talento que já têm e, além disso, desenvolvê-lo.
Sim, isso resulta de um trabalho feito por duas psicólogas americanas, Olivia Mellan e Sherry Cristie. Elas concluíram, com base na amostragem de centenas de mulheres incluindo mulheres profissionalmente muito bem sucedidas com níveis de rendimentos elevados, que havia em comum o medo de um dia para o outro poderem se tornar sem-abrigo. Havia sempre um desejo secreto que um dia alguém viesse tomar conta delas. Claro que, quando se aprofundam estes estudos em disciplinas como a biopsicologia, começamos a perceber que estes mitos femininos têm a ver com as nossas características ancestrais. As mulheres ficavam em casa, tinham mais tendência para serem recoletoras e mais relacionais, e os homens tradicionalmente ia lá para fora assegurar o provimento da família. Existe a tendência para se achar que os papéis têm de ser só de um ou só do outro, quando a realidade é que as mulheres já foram chamadas há mais de quatro décadas a assumir o papel de fornecedoras de parte do provimento da família e do seu próprio sustento. Às vezes o que falta é apenas as mulheres reconhecerem a sua capacidade e deixarem de lado esses mitos que insistem em persistir.
Um dos mitos que indica no livro é "se correr riscos vou perder o dinheiro". Isso é o que leva as mulheres a serem financeiramente mais conservadoras?
Sim. É inegável e é bom que as mulheres reconheçam isso. Nós, mulheres, gostamos menos do risco do que os homens, em regra.
Então faz sentido que os bancos e as seguradoras tenham produtos financeiros especialmente desenhados para o público feminino?
É verdade que algumas instituições de crédito estão a especializar-se nisso. Na perspectiva do marketing, faz sentido. Como conselho para as mulheres potencialmente consumidoras desses produtos diria que elas têm de ter o mesmo cuidado a analisar esses produtos como têm a analisar qualquer produto financeiro.
Devem colocar estes produtos ao lado de produtos que não se destinam exclusivamente a mulheres?
Sim. Aliás, esta é uma regra essencial para homens e mulheres: tenho a obrigação de ter pelo menos três propostas de três instituições diferentes para eu as poder comparar. Tenho, obviamente, de conhecer todos os benefícios e todos os custos para poder tomar a melhor decisão possível.
Um dos princípios de construção de riqueza financeira que aconselha é viver abaixo dos rendimentos. Como convence as mulheres que a consultam a atingir esse objectivo nesta época de crise em que muitas nem conseguem cumprir os seus orçamentos?
Esse objectivo da riqueza financeira consegue-se, por um lado, poupando regular e consistentemente e, por outro, vivendo abaixo dos rendimentos. As pessoas mais ricas do mundo vivem abaixo dos seus rendimentos. Se eu quero viver abaixo dos meus rendimentos começo por poupar à cabeça: assim que o dinheiro entra na minha conta, ele sai automaticamente para uma conta de poupança. Eu sei que a minha reserva financeira aumenta todos os meses. Por outro lado, devo sempre redimensionar o meu estilo de vida para ficar abaixo dos meus rendimentos, e não ao contrário. Acreditamos sempre que a vida vai melhorar e, às vezes por causa disso, tendemos a viver a gastar tudo o que ganhamos. Mesmo acreditando que vai melhorar, se eu viver abaixo do meu nível de rendimentos, vivo com mais qualidade de vida porque não estou preocupada com um imprevisto. Estou preparada para fazer face a uma alteração na actividade laborar, um divórcio ou uma doença.
Seguindo esse raciocínio, os créditos não deviam ser tão frequentes como são na sociedade portuguesa...
Seguindo este raciocínio, deve-se respeitar aquilo para o qual nós, a Asfac, nos diversos programas de educação financeira, alertamos as pessoas: a percentagem do nosso rendimento mensal afecta ao pagamento de créditos deve ser no máximo de 40%.
Outra percentagem que aconselha é uma taxa de poupança de 10% do rendimento. Porquê esse valor?
É um valor que diversos estudiosos, como economistas da riqueza, aconselham. Para já porque é uma percentagem fácil. Por outro lado, pela chamada lei da elasticidade da oferta e da procura, que diz que nós toleramos sem alterar o nosso nível de vida uma variação do nosso rendimento de 10%. As pessoas que têm feito formação comigo e com a Asfac que passaram a instituir esta regra reportam isso.
Refere no livro que as doações devem fazer parte da vida financeira das portuguesas. Porquê?
É um conceito sobre o qual quase não se fala. Fala-se no poupar, no gastar, no investir, mas não nos lembramos da doação. Vivemos em sistemas em que pagamos impostos ao Estado e depois o Estado vai fazer justiça social, vai redistribuir o rendimento. Acredito que cada vez mais essa redistribuição deve ser feita a nível individual. É uma forma de dar de volta, partilhar um pouco do que temos, mas também porque isso ajuda-nos a conectar com a nossa abundância de recursos. Quando eu partilho uma parte daquilo que já conquistei e fui capaz de produzir, então eu percebo que consigo gerar mais daquilo. Isso ajuda-me a gerar mais recursos.
O Estado devia dar mais incentivos à doação?
Do ponto de vista do mecenato, claramente. Do ponto de vista dos benefícios fiscais, podia-se fazer muito mais do que existe neste momento na lei.
Como Susana Albuquerque poupa
Quando começou a poupar, Susana Albuquerque decidiu amealhar 10% do seu rendimento mensal. Desde então, a poupança é aumentada trimestralmente. O seu esforço financeiro é dirigido para uma conta de poupança à qual tem associados vários depósitos remunerados à ordem e a prazo que servem de base à sua "pirâmide de investimentos". Sucintamente, essa pirâmide, um conceito desenvolvido no livro "Independência Financeira para Mulheres", é uma estratégia de aforro que diz que "devemos ter sempre uma base sólida e larga de poupança, depois iniciamos os nossos investimentos pelas aplicações que têm menor risco e, à medida que vamos ganhando dinheiro, adquirimos o direito de investir em aplicações de maior risco". Em resultado do formato piramidal da táctica, os instrumentos mais arriscados devem ter menos peso na carteira.
No patamar seguinte da pirâmide de Susana Albuquerque está um conjunto de produtos de baixo risco, nomeadamente planos de poupança-reforma e fundos de obrigações. Porém, na área seguinte, destinada aos investimentos em acções, a secretária-geral da Asfac não tem qualquer instrumento financeiro. "Não tenho informação suficiente que me permita investir em acções", explica. Por isso, o seu cabaz de poupança e investimento culmina no imobiliário, um segmento no qual entrou há pouco tempo.
O percurso profissional de Susana Albuquerque é muito diversificado: antes da Asfac, através da qual dá formação na área das finanças pessoais por todo o país, exerceu advocacia em Portugal e em Inglaterra, sempre em áreas ligadas às finanças. Paralelamente, trabalhou no teatro, no cinema e na televisão. "Procuro desenvolver-me em áreas que possam contribuir de alguma maneira para melhorar a minha actividade profissional", conta.
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