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Remunerações, justiça distributiva e realidade

É um tema sempre delicado e que não gera consensos. Se os gestores de topo são as “cabeças pensantes” das organizações e responsáveis por todos os seus riscos, é justo que recebam salários muito mais elevados do que os demais empregados. Mas se todos os trabalhadores contribuem activamente para o sucesso da empresa, por que razão existe uma disparidade tão acentuada nos seus salários face aos seus superiores hierárquicos? A diferença salarial é um tema cada vez mais importante na gestão e a PwC perguntou a mais de 1000 executivos o que significa a mais “certa” justiça distributiva

16 de Setembro de 2018 às 10:00
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Podem as empresas ignorar a desigualdade e continuarem com o seu negócio de criação de riqueza, deixando para os governos a tarefa de a redistribuir? Poderão estas continuar a deixar-se guiar pelo famoso princípio de Milton Friedman que dita que "a principal responsabilidade social das empresas é a de gerar lucro"? Ou dever-se-ão estas considerar como entidades sociais, onde os conceitos de equidade e justiça devem predominar?

As interrogações não são novas. Mas o contexto político e económico está, pelo menos a tentar, a apertar as regras no que respeita aos chorudos salários e benefícios dos gestores. O conceito "say on pay" – que assenta na possibilidade legal de os accionistas terem, activamente ‘uma palavra a dizer’ sobre os montantes das compensações dos seus executivos, está a disseminar-se um pouco por todo o mundo. Regras mais duras no diferimento do pagamento dos bónus ou o mecanismo de clawback – que pressupõe que, em caso de dolo, negligência ou crime, uma parte desse mesmo bónus seja retirada – estão a ultrapassar as fronteiras do sector bancário. E a obrigação, nos Estados Unidos e por parte da SEC, de publicação do pay ratio – ou do montante que, face ao salário médio dos trabalhadores, é pago a mais aos executivos -, está também a encorajar os conselhos de administração a pensarem de uma forma mais abrangente sobre o que significa realmente "justiça salarial".

Pelo menos é o que acredita a PricewaterhouseCoopers (PwC), em conjunto com a London School of Economics (LSE), quando decidiu avaliar a percepção de mais de mil executivos de topo, de todo o mundo e em sectores variados, sobre os princípios da justiça distributiva. Os resultados deram corpo ao estudo The ethics of pay in a fair society: what do executives think e indicam que os ideais de justiça estão ainda muito longe da realidade.

Para a consultora, e tendo em conta que "justiça" é um conceito político e moral de peso, com o qual as empresas têm de lidar com "pinças", a boa notícia é que os filósofos há muito que o têm vindo a debater e não existe falta de material para o tentar compreender.

E foi por isso que em colaboração com Alexander Pepper, Professor de Práticas de Gestão na London School of Economics and Political Science (LSE), uma sumidade na matéria (e que o VER entrevista nesta edição) e Susanne Burri, Professora Assistente no Departamento de Filosofia, Lógica e Método Científico também na afamada escola de negócios, a PwC desenvolveu este estudo no sentido de confrontar os executivos seniores com os princípios subjacentes ao conceito em causa.

"É correcto compensar os executivos com um nível muito elevado desde que exista criação de valor para todos os stakeholders", Director, Educação, EUA


A pesquisa explora as atitudes relativas à justiça e à justiça distributiva tanto nas empresas, como na sociedade em geral, com o objectivo de ajudar as organizações a desenvolver uma nova linguagem sobre a temática, em conjunto com os seus empregados, no sentido de se construírem estruturas de remuneração que sejam justas e equitativas e que vão ao encontro não só das expectativas da força laboral como da sociedade enquanto um todo.

O VER apresenta de seguida os principais resultados do estudo, os quais são extensamente comentados na entrevista já referida com Alexander Pepper, presente nesta edição especial.

© DR

Os seis princípios da justiça distributiva e as quatro tribos filosóficas

A literatura no campo da filosofia política que aborda a justiça distributiva é por demais extensa, motivo que levou os responsáveis do estudo a eleger seis princípios por excelência, representando as suas respectivas teorias e avaliando as atitudes dos entrevistados – pedindo-lhes que as priorizem – no que respeita à sua prática "ideal" nas empresas e na sociedade.

Para encorajar os participantes a pensarem de forma mais profunda sobre as questões éticas subjacentes aos princípios da justiça distributiva e como explica o próprio Alexander Pepper, foi-lhes pedido para se imaginarem numa situação similar à "posição original" de John Rawls, um dos mais proeminentes autores de filosofia política e ética. Na sua obra mais conhecida, "A Teoria da Justiça", esta última concebida como "equidade", apresenta os princípios básicos que visam instituir uma sociedade com um sistema de cooperação equitativo entre os seus cidadãos e que, através desses mesmos princípios, sejam garantidas as liberdades e igualdades entre eles. De um modo geral, Rawls defende que o homem se insere numa posição original na qual se encontra envolto por um véu da ignorância, ponto a partir do qual é possível a escolha imparcial dos princípios de justiça. O primeiro princípio garante direito igual a liberdades e direitos básicos iguais para todos; o segundo princípio refere-se às desigualdades sociais e económicas, e deve preencher duas condições: primeiro, possibilitar condições de justiça e igualdade de oportunidades e, segundo, proporcionar maior vantagem para os membros mais desfavorecidos da sociedade.

"Os empregados fazem o trabalho todo e o CEO recebe todas as recompensas. Se tomarmos conta dos trabalhadores, eles tomarão conta da empresa como se fosse sua",Gestor Sénior, Retalho, África do Sul


Assim, e tendo em conta algumas teorias éticas, aos inquiridos foi pedido que "elegessem" aquelas que mais "sentido" lhes fariam, de seguida sintetizadas:

    A teoria do "merecimento justo" [just desert] – ou seja, algumas pessoas merecem receber certas vantagens económicas à luz do seu contributo, esforço, experiência e exigências de determinada função;

     A teoria do "merecimento justo" [just desert] – ou seja, algumas pessoas merecem receber certas vantagens económicas à luz do seu contributo, esforço, experiência e exigências de determinada função;

     A teoria da igualdade de oportunidades – todos têm de ter o mesmo acesso não discriminatório às posições que trazem consigo benefícios económicos;

     A teoria da suficiência – todos os membros da sociedade deverão ter um rendimento que seja suficientemente elevado para que possam ter uma vida digna;

     A teoria "maximin" ou "diferencial" (também de Rawls), que assenta no princípio de que convém "maximizar ao máximo" o mínimo para todos;

     A teoria da titularidade da justiça [entitlement] de Robert Nozick – que afirma que qualquer que seja o rendimento pago voluntariamente a alguém, este é justo;

     E, por fim, a teoria ética da eficiência, do filósofo canadiano Joseph Heath, que defende que é o mercado que decide o que é justo e que será assim que se criará a maior riqueza para o maior número possível de pessoas.

    A primeira grande conclusão que se pode retirar deste inquérito é a de que as visões dos executivos de topo no que respeita à justiça distributiva são multidimensionais e que esta multidimensionalidade aumenta à medida que os entrevistados têm mais idade. Mais de 82% dos executivos "subscrevem" três ou mais princípios de justiça e uma percentagem significativa – 20% – concorda com a totalidade dos seis princípios apresentados. Ou seja, um único princípio não é suficiente para descrever a amplitude das atitudes/percepções humanas, para além de que ser mais justo não significa ser mais igualitário. Adicionalmente, e para se desenvolver um resultado que seja encarado como justo são necessários trade-offs subtis transversais às várias dimensões.


    Por outro lado, as atitudes relativas à justiça tanto na sociedade como na empresa são surpreendentemente similares. Ou, e por outras palavras, a ideia de que as empresas criam riqueza e as sociedades a distribuem não gerou concordância nem sequer entre a população mais sénior. As empresas são, e ao invés, consideradas como entidades sociais de pleno direito, ou seja, um microcosmo dos desafios distributivos enfrentados ao nível da sociedade.


    Mesmo assim, e como esperavam os responsáveis pelo estudo, quatro "tribos" emergiram das visões distintas relativamente ao "tipo de justiça" que as pessoas esperam da empresa em que trabalham e da sociedade em que estão inseridas.

    A primeira, a dos idealistas, acredita que a distribuição da riqueza deverá conduzir a resultados morais. Apesar de os indivíduos deverem ser recompensados de acordo com o seu contributo, todos os membros de uma comunidade deverão ter um rendimento que seja suficiente para que tenham uma vida com dignidade.



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