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“Há quem só visite imóveis na condição de o proprietário baixar 10% à cabeça”
O mercado imobiliário regista já sinais lentos de inversão de tendência do lado da procura, estimando-se uma recuperação em V. “Até 15 de março, quem definia preços era o proprietário, mas agora o comprador sabe que é um ativo raro e dita condições", afirma consultor imobiliário.
Apesar de o futuro próximo não se revelar promissor, "o mercado imobiliário regista já sinais lentos de inversão de tendência do lado da procura, estimando-se uma recuperação em V, embora um ‘V’ muito aberto do lado da recuperação", considera a Imovendo.
Para esta consultora imobiliária, "é expectável que o mercado de compra e venda de moradias recupere de forma mais célere, uma vez que este tipo de produto, não só se destina, geralmente, a segmentos de população de mais altos rendimentos, como não sofrerá (como no caso dos apartamentos), de uma maior instabilidade de preços, por via da injeção de novo produto oriundo do alojamento local", detalha na sua última análise mensal do mercado, a que o Negócios teve acesso.
"Hoje, quem tem o poder é a procura. Até 15 de março, quem definia preços era o proprietário, mas agora o comprador sabe que é um ativo raro e dita condições. Há quem só visite imóveis na condição de o proprietário baixar 10% à cabeça. E com o eventual agravamento da crise, poderão, mesmo, acabar por aceitar", conclui Manuel Braga, CEO da Imovendo.
De acordo com o estudo desta empresa, os dados analisados " permitem constatar quebras significativas do lado da procura, cujo ponto mínimo foi atingido na semana de 15 a 22 de março", quando foi declarada a pandemia a nível global e se determinou o primeiro estado de emergência.
Entretanto, "a queda abrupta da procura imobiliária parece já ter iniciado a sua recuperação, mas com um comportamento não simétrico", que resulta sobretudo, enfatiza, da combinação de três fatores – sanitários, emocionais e económicos.
"Sanitários, uma vez que o estado de emergência ainda se encontra em vigor e o isolamento social ainda está recomendado; emocionais, pois a questão de fundo não é a de saber se é possível adquirir um imóvel, mas se as famílias se encontram emocionalmente disponíveis para tomar essa decisão agora; e económicos, em virtude de a contração económica ter atirado mais de um milhão de portugueses para o lay-off ou para o desemprego, e todos os sinais apontarem para uma deterioração do emprego e da conjuntura económica em Portugal nos próximos 12 a 24 meses", explica o mesmo estudo da Imovendo.
Eventual normalização só no segundo semestre de 2021
Ao longo dos últimos sete anos (entre 2013 e 2019) o valor médio dos imóveis residenciais transacionados aumentou cerca de 42,5% em termos nacionais (alcançando variações máximas nas áreas metropolitanas de Lisboa e Porto e no Algarve), "sendo que esta dinâmica não foi acompanhada, nem por um crescimento semelhante em termos das remunerações auferidas pelas famílias, nem em termos da riqueza per capita gerada em Portugal", conclui a Imovendo.
Esta consultora imobiliária lembra que, de acordo com o Banco de Portugal, em igual período, o volume de crédito à habitação concedido pelas instituições financeiras nacionais aumentou 418,6%, "sendo que esta foi uma das principais forças motrizes da recuperação económica do sector imobiliário até março de 2020".
Entretanto, com o isolamento social e o estado de emergência declarados no final do primeiro trimestre, "a desaceleração da economia foi dando progressivamente lugar a inequívocos sinais de recessão, sendo que o sintoma mais visível é o facto de mais de um milhão de portugueses, no espaço de um mês, ter ficado em lay-off (perdendo parte não negligenciável do seu rendimento disponível), ou ter ficado em situação de desemprego", constata.
De acordo com a análise da Imovendo, apesar das medidas compensatórias definidas pelo Governo e das moratórias estabelecidas para proteção de inquilinos e de famílias com crédito à habitação, "caso a amputação das remunerações seja significativa e caso se verifique um aumento substancial nos créditos de cobrança duvidosa, poderemos estar na aurora de uma nova crise financeira em Portugal".
A acontecer, "poderá gerar, novamente, uma crise de dívida soberana, se o Estado português se vir forçado a financiar a revitalização da economia sem o suporte de uma estratégia conjunta europeia", considera.
"A recessão que o país viveu entre 2008 e 2013 foi uma crise sentida a dois tempos (primeiro, com uma crise financeira com origens internacionais e, posteriormente, afetando a sustentabilidade da dívida soberana), que se revelou gradualmente erosiva, e que, por este motivo, permitiu a acomodação de soluções parciais ao longo do tempo. A atual crise foi repentina, sem aviso, com impacto no tecido produtivo e no emprego, gerando um verdadeiro curto-circuito na economia", sintetiza Manuel Braga.
Segundo o CEO da Imovendo, a "normalidade" só será atingida "quando a indústria do Turismo recuperar parte significativa do seu dinamismo e sustentabilidade e se se verificar uma resposta musculada por parte da União Europeia, pois caso tal não aconteça a recuperação da economia demorará muito mais tempo, só será alcançada por via da austeridade e aumento da carga fiscal e o preço futuro a pagar por todos será significativo".
"Para um país periférico como Portugal, altamente dependente do Turismo, o pior cenário será o que assenta no endividamento soberano, que enfrentará sucessivos aumentos dos juros cobrados, e concorrerá para que o país entre numa espiral de austeridade como a que foi vivida até 2013", alerta Manuel Braga.
"Caso tal aconteça, a nova normalidade do sector imobiliário será pautada pelo ajustamento em baixa dos preços, por uma rarefação da procura e por uma excecional dificuldade em escoar produto novo que, recorde-se, era apontado ainda há pouco tempo como uma prioridade do sector", remata o mesmo gestor.