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Língua azul: Quase 250 explorações afetadas e mais de 1.800 ovinos mortos em mês e meio
Beja e Évora são os distritos mais atingidos pela febre catarral ovina, doença epidémica de declaração obrigatória, cuja a vacina não se encontra incluída no Programa de Sanidade Animal, o que, segundo organizações ligadas à agricultura e pecuária, "representa custos elevados" para os produtores".
O vírus da língua azul expandiu-se a todos os distritos de Portugal continental e já afetou, pelo menos, 246 explorações de ovinos e 12.019 animais, provocando a morte de 1.826 em menos de dois meses, revelam os dados mais recentes da Direçao-Geral de Alimentação e Veterinária (DGAV).
À luz dos dados da DGAV, atualizados a 30 de outubro, com base nos casos notificados, os distritos de Beja (844) e Évora (639) são os que registam o maior número de animais mortos devido à febre catarral ovina, designação oficial da língua azul, uma doença epidémica de etiologia viral que afeta os ruminantes, com transmissão vetorial, incluída na lista de doenças de declaração obrigatória nacional e europeia e na lista da Organização Mundial de Saúde Animal (OMSA), mas não transmissível a humanos.
Existem 24 serotipos que se traduzem por 24 doenças diferentes sem imunidade cruzada entre elas, sendo que o principal foco de preocupação prende-se com o serotipo 3 da língua azul, detetado em Portugal, pela primeira vez, em 13 de setembro, como confirmou o Instituto Nacional de Investigação Agrária. Segundo a DGAV, o vírus do serotipo 3 tem circulado no território europeu desde setembro de 2023, tendo já sido detetados focos em dez Estados-membros da União Europeia bem como no Reino Unido e na Suíça.
O mais recente edital da DGAV indica que é obrigatória a vacinação contra os serotipos 1 e 4 do vírus, do efetivo bovino existente em Portugal continental, sendo permitida a vacinação contra o serotipo 3 a administrar a bovinos e ovinos "de acordo com as indicações fornecidas pelo fabricante da vacina e mediante notificação à DGAV".
Vacina cara e difícil de obter
A Confederação dos Agricultores de Portugal (CAP) sinalizou, no entanto, que a vacina não se encontra incluída no Programa de Sanidade Animal (PSA), "o que representa custos elevados de aquisição e administração, e um desafio adicional para os produtores". Além disso, advertiu, "o processo de disponibilização da vacina também é moroso, o que dificulta uma resposta rápida".
"Tendo em conta a gravidade destas circunstâncias e o impacto devastador da doença nas perdas produtivas e nos custos avultados dos tratamentos veterinários e a aquisição e administração da vacina, é urgente uma intervenção rápida com a disponibilização da vacina sem encargos para o produtor. As taxas de mortalidade e abortos associados a este serotipo são muito elevadas, colocando o setor numa situação sanitária preocupante e ameaçando a sustentabilidade das explorações pecuárias".
A organização liderada por Álvaro Mendonça e Moura vai, aliás, buscar outros elementos que indiciam para um nível de mortandade muito superior: "Dados do Sistema de Informação de Resíduos de Animais (SIRCA), de setembro de 2024, revelam um aumento de 54% na recolha de animais mortos na região do Baixo Alentejo, em relação ao mesmo período do ano passado, o que representa mais 4.000 animais. Nos últimos dias, o número de animais recolhidos ultrapassou a marca de mil por dia, refletindo a gravidade da situação".
"Este serotipo 3 está a dizimar os rebanhos. São enormes os prejuízos imediatos com as mortes e abortos, mas também a dimensão do impacto a longo prazo é preocupante pela impossibilidade de acesso aos prémios dos animais e face à incógnita sobre o encabeçamento mínimo para validar as medidas dos ecorregimes e medidas agroambientais", advertiu a CAP, no mesmo comunicado, apontando que "é da maior urgência que a tutela intervenha de forma célere, minimizando os custos para os produtores e assegurando a continuidade das explorações e a sua sustentabilidade económica".
No mesmo sentido pronunciou-se a Confederação Nacional da Agricultura (CNA) que indicou ter enviado um ofício, na semana passada, ao Ministério da Agricultura a propor medidas para "apoiar os produtores pecuários a conter a proliferação" da doença, como "uma campanha de vacinação dos animais, gratuita, em condições a definir pela DGAV" e "a criação de uma medida de apoio extraordinário para os produtores, com o objetivo de compensar a perda de rendimento pela morte de animais e para a reposição dos efetivos".
"Os custos com a medidas de contenção, nomeadamente com a vacinação dos animais, associados à perda de rendimento resultantes das elevadas taxas de abortos e mortalidade de animais, muitos deles de reprodutores, são incomportáveis para a grande maioria das explorações com efetivos pecuários", alertou a organização com sede em Coimbra.
A Confederação Nacional das Cooperativas Agrícolas e do Crédito Agrícola de Portugal (Confagri) foi outra das organizações que apelou a "uma resposta urgente do Ministério da Agricultura e Pescas sobre as medidas de contenção da epidemia da febre catarral ovina/língua azul, especificamente do novo serotipo três, que tem dizimado milhares de ovinos por todo o país e cujo contágio pode espalhar-se aos bovinos", também num comunicado enviado às redações.
O tema também tem merecido a atenção dos partidos, tendo a bancada parlamentar do PS apresentado um projeto de resolução, que baixou à Comissão de Agricultura e Pescas da Assembleia da República dia 29 de outubro, a propor a promoção "com urgência" de uma campanha de vacinação contra o serotipo 3 do efetivo ovino nacional, estimado em mais de 2,2 milhões, e "a criação de medidas de apoio financeiro para fazerem face aos prejuízos decorrentes da doença".
"As vacinas disponibilizadas são muito caras e os custos - de aquisição e aplicação - estão a ser suportados integralmente pelos produtores, ao ao contrário do que acontece em outros países comunitários, como por exemplo em França e em Espanha, onde o Estado suporta na íntegra a aquisição das referidas vacinas", argumentam no mesmo documento.
Na reta final da semana passada, a língua azul voltaria ao parlamento, sendo "levada" para o debate e apreciação na generalidade da proposta do Orçamento do Estado para 2025, por deputados de vários quadrantes, desde o PS, ao Chega, à Iniciativa Liberal até ao PCP, com Alfredo Maia a afirmar que o Governo "deixou a doença lavrar e abandonou os produtores pecuários à sua sorte".
Na réplica, o ministro da Agricultura e Pescas, José Manuel Fernandes, afirmou apenas que foi feito um investimento na ordem dos 11 milhões de euros no combate aos outros serotipos e que "o 3 só apareceu a 13 de setembro" e "não tem ainda uma vacina eficaz".