A provável futura primeira-ministra de Itália tem a UE em suspenso. É a antítese de Draghi, com quem uma desavença daria trunfos à Rússia. Um conflito em potência, polido à boca das urnas.
A Itália prepara-se para uma governação centro-direita, liderada por Giorgia Meloni, cenário que se deverá concretizar nas eleições deste domingo.
A voz antissistema que se moderou na antecâmara do poder e sob vigilância dos credores internacionais é apontada pelas sondagens como sucessora de Mario Draghi, o homem que "salvou o euro", ainda que possa ser vista como a sua antítese. E passou a ser olhada com receio e prudência no espaço do euro.
O potencial de conflito com Bruxelas, sobretudo em torno de metas de reforma do Plano de Recuperação e Resiliência (PRR) italiano, é sinalizado. E pode mesmo abrir brechas na última rede de segurança lançada pelo Banco Central Europeu (BCE), o mecanismo antifragmentação para acudir países com finanças mais vulneráveis.
"Os mercados estão nervosos", perguntava na última quarta-feira a líder dos Irmãos de Itália (Fratelli d’Italia), citada na RAI. "É de esperar. As apostas dão-nos 98% de probabilidade de vencer".
PIB voltou à forma mas deve afundar
Variações trimestral e homóloga do PIB (%)
Um crescimento forte no 2º trimestre, apoiado no consumo privado, pôs a economia de Itália ao nível pré-pandemia. Mas os analistas preveem recessão no 4º trimestre.
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O partido que se ancorou no movimento pós-fascista italiano, exibindo a chama tricolor associada a Mussolini, diz agora que este é um "símbolo republicano e democrático da direita". Recolhe intenções de voto a roçar 25% num universo eleitoral onde 40% admitem não ir votar, e que contará pela primeira vez com o alargamento do voto a jovens a partir de 18 anos para o Senado, a câmara alta parlamentar. Aos Irmãos de Itália, a Liga de Matteo Salvini soma percentagens a rondar 12% e a Forza Italia de Silvio Bersluconi, que surge no TikTok a pedir o voto jovem e promete fazer ponte para os interesses europeus, quase 8%.
A coligação deverá sentar-se confortavelmente em ambas as câmaras do parlamento italiano. Meloni, com a maior votação, deve chefiar um governo com um programa leve de 40 páginas, contido nas intenções quanto a reformas acordadas com Bruxelas, e que fala a traços largos de reduzir a "asfixia" fiscal e apostar no "orgulho italiano" na economia.
"Patriotismo retórico"
No historial da líder dos Irmãos de Itália, destacam-se críticas às instituições europeias e patriotismo económico, tendente à estatização e ao apoio a campeões nacionais. Mas, para António Goucha Soares, professor do ISEG e especialista em Direito Europeu, o nacionalismo económico de Meloni não é maior do que o do europeísta presidente francês, Emmanuel Macron. "Aqui é um patriotismo retórico. Em França é um patriotismo pragmático", defende, lembrando o recente bloqueio do governo francês à compra dos estaleiros Chantiers de l’Atlantique pela italiana Fincantieri, num acordo que caiu no início de 2021, ou o papel da França na falta de progresso em novos acordos comerciais da UE.
Macron, que perde o aliado Draghi em Roma, desaconselha ruturas com o novo governo que venha a formar-se em Itália, "nação amiga" com a qual uma desavença seria um "presente" para Vladimir Putin, o presidente russo.