Notícia
Presidente chinês visita Lisboa em altura de crescente desconfiança no Ocidente
Os avanços da China têm suscitado divergências com as potências ocidentais, que vêem uma nova ordem mundial ser moldada por um rival estratégico, com um sistema político e de valores profundamente diferente.
A visita do Presidente chinês, Xi Jinping, a Lisboa ocorre numa altura de crescente suspeição no Ocidente face aos interesses geoestratégicos de Pequim, que motivou já uma guerra comercial com Washington e alertas por parte de Bruxelas.
Desde a ascensão ao poder de Xi, em 2013, a China adoptou uma política externa mais assertiva, que se materializa no gigantesco plano de infra-estruturas 'um cinturão, uma rota', que visa conectar o sudeste Asiático, Ásia Central, África e Europa.
A iniciativa é vista como uma versão chinesa do 'Plano Marshall', lançado pelos Estados Unidos após a Segunda Guerra Mundial, e que permitiu a Washington criar a fundação de alianças que perduram até hoje.
Ilustrando esta nova vocação internacionalista, o país acolheu, no espaço de um ano, as cimeiras do G20 e do bloco de economias emergentes BRICS [Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul].
Em Setembro passado, dezenas de chefes de Estado e de Governo do continente africano participaram, em Pequim, no Fórum China/África, enquanto Xi realiza frequentemente périplos em diferentes partes do globo.
Trata-se do início de uma "nova era" em que "a China se aproximará do palco principal na governação de assuntos globais", como descreveu o próprio líder chinês, no discurso inaugural do XIX Congresso do Partido Comunista (PCC), em Novembro de 2017, abdicando assim do "perfil discreto" na política externa de Pequim, que vigorou durante décadas.
Mas os avanços da China têm suscitado divergências com as potências ocidentais, que vêem uma nova ordem mundial ser moldada por um rival estratégico, com um sistema político e de valores profundamente diferente.
Nos Estados Unidos, a ascensão ao poder de Donald Trump ditou o espoletar de disputas comerciais, com os dois países a aumentarem as taxas alfandegárias sobre centenas de milhões de dólares de produtos de cada um. A liderança norte-americana teme perder o domínio industrial global, à medida que Pequim tenta transformar as firmas estatais do país em importantes atores em sectores de alto valor agregado, como inteligência artificial, energia renovável, robótica e carros eléctricos.
A marinha norte-americana reforçou também as patrulhas no Mar do Sul da China, reclamado quase na totalidade por Pequim, apesar dos protestos dos países vizinhos. No mês passado, navios dos dois países quase colidiram naquele território.
Mas se referências a uma nova guerra fria são agora comuns em Pequim e Washington, a Europa tem assegurado o seu compromisso em dialogar com a China, apesar de estar também a colocar entraves aos avanços do país.
Os investimentos chineses em sectores estratégicos do continente, após a crise financeira global de 2008, levaram a Comissão Europeia a estabelecer já um novo mecanismo de controlo sobre o investimento externo.
A nova lei, aprovada esta semana, visa responder aos investimentos "predatórios" de Pequim, sobretudo em infraestruturas e tecnologia, que permitem a transferência de 'know how' para empresas chinesas competidoras.
Nos últimos dez anos, enquanto as economias desenvolvidas estagnaram, a China manteve altas taxas de crescimento económico, aumentando a quota no Produto Interno Bruto global de 6% para quase 16%.
O país tornou-se, no mesmo período, um dos principais investidores em Portugal, ao comprar participações em grandes empresas das áreas da energia, seguros, saúde e banca, enquanto centenas de particulares chineses compraram casa em Portugal à boleia dos vistos 'gold'.
Lisboa tem sublinhado a convergência com a China em soluções multilaterais.
"Há toda uma vontade de aprofundar o relacionamento bilateral, para que este tenha efeitos em organizações multilaterais, e que possa, defendendo o interesse dos dois países, ser cada vez mais uma realidade", afirmou o presidente da Assembleia da República (AR), Ferro Rodrigues, numa visita recente a Pequim.
"É evidente que a China é uma grande potência, não apenas uma grande potência económica, mas que tem também uma doutrina estratégica em termos de Defesa e em termos militares, que pode causar algumas dificuldades a alguns parceiros, sobretudo aqui na região, mas tradicionalmente temos visto a China como um país que tem dado contributos para a paz", disse.
Os números que ligam Lisboa a Pequim
Abaixo encontram-se alguns números oficiais que ilustram as relações entre os dois países, em diversas áreas:
3.393 milhões - Valor em dólares do saldo da balança comercial entre Portugal e a China, entre Janeiro e Julho deste ano. Durante aquele período, Portugal comprou ao país asiático bens no valor conjunto de 2.099 milhões de dólares (+1,43%, em termos homólogos), e vendeu mercadorias num total de 1.294 milhões de dólares (+16,87%).
13.º - A China era, em Julho deste ano, o 13.º cliente de Portugal e o seu sexto fornecedor.
10.000 milhões de euros - Montante investido em Portugal pela China, desde que, em 2012, a China Three Gorges (CTG) comprou uma participação de 21,35% no capital da EDP.
256.735 - Turistas chineses que visitaram Portugal, em 2017, um acréscimo de 40,7%, face ao ano anterior.
130 milhões - Montante em euros gasto pelos turistas chineses durante a sua estada em Portugal, no ano passado.
27.854 - Vistos emitidos pelas secções consulares portuguesas na China continental (exclui Macau e Hong Kong), em 2017. A China é o segundo país onde Portugal mais emite vistos, a seguir a Angola.
Quinze - Centros de vistos que Portugal tem na China, a cargo do grupo privado VFS Global.
3.952 - Cidadãos chineses que obtiveram a Autorização de Residência para a actividade de Investimento (ARI), os chamados vistos 'gold', desde que o programa entrou em vigor, em Outubro de 2012.
1.110 - Portugueses que residiam na China continental, em 2016.
100 - Treinadores portugueses de futebol a trabalhar na China. O 'desporto-rei' será a área que mais portugueses emprega no país, reflectindo a ambição de Pequim de elevar a selecção chinesa ao estatuto de grande potência.
25 - Universidades da China continental com licenciatura em língua portuguesa.
Quatro - Número de universidades portuguesas - Aveiro, Coimbra, Lisboa e Minho - onde o Instituto Confúcio, organismo patrocinado por Pequim para assegurar o ensino da língua e cultura chinesas, está já implantado.