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Oliveira Martins defende criminalização de enriquecimento injustificado em funções públicas

O antigo presidente do Tribunal de Contas considera que a medida pode ter consagração constitucional, não violando a presunção da inocência e sem inversão do ónus da prova. Mas não seria aplicada a todos os cidadãos, já que essa abrangência viola os princípios gerais do direito.

Correio da Manhã
20 de Setembro de 2016 às 20:00
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O ex-presidente do Tribunal de Contas Guilherme D'Oliveira Martins defendeu hoje que a criminalização do enriquecimento injustificado pode ser consagrada constitucionalmente, cingindo-se às funções públicas, sublinhando que não se pode aplicar a todos os cidadãos.

"A grande questão aqui é de vontade política. Quer penalizar-se o enriquecimento injustificado? Adopte-se um sistema, que é possível e que o direito comparado nos concede, que é justamente a de não violar a presunção de inocência, de aplicação a quem tem funções públicas, de serviço público e aos exactores orçamentais", defendeu Oliveira Martins.

O antigo presidente do Tribunal de Contas entre 2005 e 2015, tendo por inerência a presidência do Conselho de Prevenção da Corrupção, falava na comissão eventual para a transparência, em que abordou, entre outras matérias, a criminalização do enriquecimento injustificado, que já sofreu dois chumbos pelo Tribunal Constitucional (TC).

"Esta figura do enriquecimento injustificado pode ser consagrada conforme com a CRP, sem violar o princípio da presunção de inocência e sem haver inversão do ónus da prova", afirmou, invocando a experiência de Hong Kong e sublinhando que não é um princípio que se possa aplicar a todos os cidadãos, como o último diploma do PSD e CDS-PP que foi chumbado pelo TC pretendia.

Oliveira Martins vincou que, "se se quer adoptar esta figura não se estenda o seu universo e garanta-se que o universo ao qual se aplica é um universo relativamente ao qual não há inversão do ónus da prova".

De acordo com o professor catedrático e ex-ministro socialista, "estando em causa aqueles que têm a seu cargo dinheiros públicos, relativamente a esses o ónus da prova não se inverte porque a prova, se há suspeita, tem de ser contraditada pelo próprio acusado que tem a seu cargo dinheiros públicos".

"O mesmo relativamente ao exactor orçamental. Em direito financeiro assim é, na responsabilidade financeira assim é. Alguém que tem a seu cargo a gestão de dinheiro público, quem acusa não precisa provar", sustentou.

"Se eu, fiel depositário não prestei contas, naturalmente que não é o depositário que tem de provar onde está e se há responsabilidade quanto ao dinheiro que eu não lhe devolvi, é óbvio que se não prestei contas, se não devolvi, não há inversão do ónus da prova, há aplicação dos princípios gerais do direito", reforçou.

Oliveira Martins sublinhou que não é possível uma aplicação deste princípio a todos os cidadãos: "Seria ideal aplicar-se a todos os cidadãos? Mas isso não é possível, porque viola princípios gerais do direito e o Tribunal Constitucional tem sido unânime relativamente a essa questão", disse.

Sobre regimes de incompatibilidades, Guilherme D'Oliveira Martins defendeu "um regime do bom senso que não afaste os melhores" e pediu "cuidado com os regimes rígidos", que, na sua perspectiva, comportam um risco de "funcionalização" das funções públicas.

"Olhemos a plêiade da Assembleia Constituinte. Temos de correr o risco, dizer, sejamos responsáveis, percebamos que quando há conflito de interesses, ele pode existir, mas tem de ser explícito", afirmou.

Mesmo quando se trate de "uma causa" e não de um interesse, Oliveira Martins defendeu o princípio da Câmara dos Comuns britânica: "Na dúvida, comunica-se", frisou.

Depois de dois chumbos do Tribunal Constitucional a dois projectos distintos de criminalização do enriquecimento ilícito, os grupos parlamentares abandonaram essa via e apresentaram propostas que vão no sentido de punir a falta da apresentação de uma declaração.

Vão nesse sentido projectos de lei apresentados na comissão Eventual para o Reforço da Transparência no Exercício de Funções Públicas pelo PSD, PCP, BE e PS.
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