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Gonçalo teve um restaurante. Agora ajuda os outros
No início até podem surgir lágrimas. Afinal, o desemprego, em muitos casos, é uma experiência marcante. Mas, em grupo, dizem que a procura de emprego se torna mais fácil. Todos se motivam, todos trocam experiências e conhecimento.
O Grupo de Entreajuda para a Procura de Emprego (GEPE), projecto criado pelo Instituto Padre António Vieira (IPAV), é composto por desempregados que, uma vez por semana, se reúnem com o intuito de alargarem as possibilidades de regresso ao mercado de trabalho.
Gonçalo Pinto, 33 anos, está desempregado. Tinha o seu próprio negócio. A crise obrigou-o a encerrar o restaurante que, até Outubro de 2011, explorava com a mulher. Gonçalo quer agora ser formador nas áreas de recursos humanos, de gestão de empresas e de marketing. Já acumula experiência como voluntário e começa a ter perspectivas de ser remunerado a dar formação.
Todas as terças-feiras, entre as 10h00 e as 11h30, Gonçalo participa nas reuniões do GEPE. Cada grupo, composto entre oito e dez pessoas, é orientado por dois animadores. O de Gonçalo, cujas reuniões decorrem no Campo Grande, em Lisboa, tem oito participantes. Os membros, diz, apoiam-se e dão a conhecer uns aos outros vagas de emprego. No caso de Gonçalo, não foi apenas o desemprego que o levou a entrar para o GEPE. "Entrei com a perspectiva de pôr em prática as minhas capacidades de formador", afirma.
O projecto começou a ser pensado no início de 2012. Apoiado pela Fundação Montepio e pelo Ministério da Solidariedade e Segurança Social, o GEPE arrancou com os primeiros encontros em Março do mesmo ano. "O desemprego aumentava e não se viam grandes ajudas", afirma Cristina Carita, coordenadora do GEPE da zona Centro e Sul do País. "Nas reuniões fazem um ponto da situação em relação à procura de emprego, de formações, de ‘workshops’ e as pessoas estipulam objectivos para a semana seguinte. Eles podem ainda ajudar as outras pessoas a encontrar ofertas de emprego", explica a responsável.
Neste momento existem 12 grupos no Centro e no Sul do País. No Norte, 10. Porto, Lisboa, Bragança, Sesimbra, Cantanhede, Caldas da Rainha, Aveiro são algumas das localidades onde se realizam as reuniões. Cristina Carita adianta que todas as semanas está a ser criado um novo grupo. Madeira, Barreiro, Moita, Baixa da Banheira, Vendas Novas, Queluz são outros pontos do País onde se prevê, para breve, o arranque das reuniões do GEPE. "O objectivo é que se estabeleça uma rede de contactos e a criação de laços de entreajuda. Dentro do grupo, os participantes partilham conhecimento sobre emprego, formação, técnicas de entrevista. Tudo o que tenha a ver com o emprego", especifica Cristina Carita.
Gonçalo Pinto diz que se sente mais realizado a apoiar quem necessita. Foi esse, aliás, um dos principais motivos para começar a assistir às reuniões. "Percebi que podia responder à necessidade que tenho de ajudar os outros", observa. Segundo Gonçalo, as pessoas que entram para um grupo precisam, muitas vezes, de apoio. "Quando entra uma pessoa nova, muitas vezes esta apresenta-se com uma lágrima nos olhos. Motivamo-nos uns aos outros, através da partilha de contactos e de ‘networking’. Damos ânimo a quem está mais em baixo", afirma.
Bárbara Mesquita, 41 anos, está desempregada há um ano. Licenciada em geografia, Bárbara fazia a coordenação da implementação de projectos comunitários na área da formação. De momento, depois de ter decidido abandonar voluntariamente as suas funções de coordenadora de projectos, está focada na criação de um projecto de doçaria e pastelaria. Em Lisboa, no Campo Grande, reúne-se o grupo onde Bárbara ouve semanalmente as experiências dos restantes desempregados na procura de trabalho. "Acaba por ser um grupo de auto-ajuda, porque há uma partilha muito aberta e frontal de experiências, uma vez que as pessoas estão na mesma situação", afirma. Em cada grupo, os participantes dão a conhecer os passos que dão semanalmente para encontrarem um trabalho. Os restantes membros dão também a informar ofertas de emprego que correspondam ao perfil de outros participantes. O desemprego é uma realidade para todos. O que, em certos casos, os ajuda a criar laços de identidade. "Funciona bem porque as pessoas estão mais abertas a ajudar pessoas que estão na mesma situação", diz Bárbara Mesquita.
Os grupos, observa Cristina Carita, são "muito heterogéneos". "Existem desempregados com poucas qualificações, licenciados e, até mesmo, pessoas com doutoramento. Há participantes com idade entre os 17 e os 67 anos, pessoas com pouca experiência, desempregados recentes , de longa duração, que estão há quatro anos sem conseguir um trabalho". Em 2012, acrescenta a responsável, "cerca de 12% dos participantes conseguiram um emprego, não contando com as pessoas que tiveram trabalhos temporários de três e de seis meses".
"Se a situação de desemprego se prolonga muito tempo, os participantes acabam por desmoralizar um pouco. Mas o grupo acaba por criar uma pressão positiva. Temos de mostrar semanalmente os progressos feitos na procura de emprego ou na criação de auto-emprego", afirma Bárbara Mesquita. O que é certo é que "as pessoas estão revoltadas", sentencia Gonçalo Pinto. "Sentem que têm capacidades mais do que suficientes e o mercado de trabalho não lhes dá a devida atenção".