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FMI aconselha governos a reservarem folgas e empresas a aceitarem perda de margens
Instituição defende que bancos centrais devem manter rumo de aperto monetário mesmo arriscando o crescimento e que, num cenário de crise financeira sistémica, governos podem ser chamados a socorrer bancos novamente.
O Fundo Monetário Internacional defende que os governos devem resistir à tentação de consumirem as folgas orçamentais dadas pela inflação e que as empresas devem aceitar uma redução nas margens de lucro de forma a apoiarem os esforços dos bancos centrais no controlo da inflação, que tarda - e que enfrenta para o futuro, sobretudo, riscos ascendentes que tenderão a obrigar a política monetária a agir mais preventivamente, mesmo perante subidas de preços abaixo da meta de 2%.
A mensagem foi deixada esta tarde pela subdiretora-geral da instituição, Gita Gopinath, na abertura do fórum do Banco Central Europeu que decorre em Sintra até quarta-feira, com a responsável do FMI a anotar "três verdades desconfortáveis" do atual momento económico: a inflação tarda em encaminhar-se para o alvo de 2% da política monetária; um cenário de crise financeira pode fazer emergir tensões entre os objetivos de estabilização de preços e de estabilização financeira; e o futuro trará mais riscos para os objetivos de inflação do que aqueles que havia antes da pandemia.
Nos recados aos governos da moeda única, para já, o FMI aponta para um caminho de maiores restrições orçamentais. "É justo dizer que as condições económicas exigem aperto orçamental, que poderá ajudar a arrefecer a procura e reduzir a necessidade de a política monetária aumentar mais as taxas de juro com outros efeitos secundários possíveis na economia", considerou, aconselhando a que as folgas que continuam a ser trazidas pelo nível de preços elevados sejam poupadas e, novamente, a que os apoios sejam mais dirigidos às populações mais vulneráveis.
"No mínimo, é absolutamente crítico que os governos da Zona Euro resistam a qualquer tentação de diluírem as reduções de défice que estão a projetar com as atuais politicas", defendeu.
Já as empresas devem aceitar uma redução nas margens de lucro, que o FMI – e também o BCE – já reconheceu terem sido o principal gatilho da inflação elevada do último ano. "Para que a inflação desça rapidamente, as empresas devem permitir que as margens – que dispararam nos últimos dois anos – diminuam e absorvam a esperada subida dos salários", afirmou Gita Gopinaht na cerimónia de abertura do fórum de Sintra.
De contrário, num cenário em que os trabalhadores não aceitem também perdas reais nos seus salários e as empresas insistam na manutenção das margens conquistadas, haverá abrandamento no processo de desinflação.
Crise sistémica: apoio público aos bancos ou descida mais lenta da inflação
Quanto aos bancos centrais, são aconselhados a persistir no caminho de controlo da inflação e a subir novamente taxas de juro, se necessário, mesmo num cenário de dor económica.
A subdiretora-geral do FMI admitiu mesmo que, após uma elevação dos juros em 400 pontos base pelo BCE, as condições financeiras não estejam ainda suficientemente restritivas –, pese embora o facto de os mercados continuarem a apontar para uma resolução da crise inflacionista mais rápida do que aquilo que prevê o banco central liderado por Christine Lagarde.
Mas o BCE poderá surpreender os mercados e vir a defrontar-se com um cenário de tensão entre os seus dois mandatos: estabilidade de preços e estabilidade financeira.
Num cenário de riscos modestos, os bancos centrais ainda poderão continuar a subir juros, mas, já num cenário de crise sistémica, o FMI entende que os governos devem estar preparados para intervir e dar espaço ao banco para se concentrar apenas na política monetária. Ou seja, este será um cenário em que o resgate de instituições financeiras poderá exigir novo esforço dos contribuintes, segundo a responsável do Fundo.
"Evitar tal crise pode estar além daquilo que os bancos centrais podem fazer. Embora possam ceder liquidez a bancos solventes, não podem dar apoio a bancos, empresas ou famílias insolventes. Isto deve ser resolvido pelos governos e pode exigir recursos financeiros consideráveis", avisou.
Será este o desfecho "mais desejável". Haverá, contudo, governos sem margem orçamental para o fazer, o que poderá levar as autoridades de política monetária a tolerarem um retorno mais lento à meta de 2% de inflação.
De resto, entende o FMI, o cenário de futuro trará sobretudo mais riscos ascendentes à inflação, com Gita Gopinath a defender que os bancos centrais poderão ser chamados a agir preventivamente e a subir taxas mesmo com a inflação abaixo de 2% devido à previsão de maiores e mais frequentes disrupções nas cadeias de abastecimento globais.
Para a responsável, será ainda necessário revisitar os instrumentos da política monetária: o forward guidance, que indica o caminho de médio prazo na ação da política monetária, e também os programas de compra de ativos denominados como quantitative easing. No primeiro caso, Gita Gopinath defendeu "cláusulas de salvaguarda" que evitem que a trajetória antecipada constitua uma "camisa de forças" para o BCE. No segundo, deve haver maior cautela do uso do instrumento fora de períodos recessivos.