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Voluntários fazem fila para serem infetados com covid-19

Com o mundo desesperado para acabar com a pandemia, a ideia de infetar propositadamente pessoas com um patógeno perigoso que não tem cura dá origem a um debate sobre que tipo de sacrifício é aceitável e os benefícios que esses ensaios podem trazer.

20 de Junho de 2020 às 17:00
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Quando Gavriel Kleinwaks era criança, foi cativada pela história de Jonas Salk, o pioneiro que testou uma potencial vacina contra a poliomielite em si mesmo, na esposa e nos filhos em 1953. Os ensaios posteriores nos Estados Unidos, considerados os maiores de saúde pública de todos os tempos, provaram posteriormente que a vacina era eficaz.

 

Agora, Kleinwaks inscreveu-se para participar noutro teste de alto risco. A estudante da Universidade do Colorado está entre os quase 30 mil voluntários dispostos a ficarem deliberadamente infetados com coronavírus para testar uma potencial vacina, caso os investigadores decidam dar continuidade ao processo.

 

Com o mundo desesperado para acabar com a pandemia, a ideia de infetar propositadamente pessoas com um patógeno perigoso que não tem cura dá origem a um debate sobre que tipo de sacrifício é aceitável e os benefícios que esses ensaios podem trazer. Conhecidos como estudos de desafio humano, esses testes podem acelerar a pesquisa colocando voluntários no caminho do vírus, em vez de esperar por uma exposição acidental.

 

A polémica abordagem pode ser necessária, já que a doença foi controlada em algumas cidades, dificultando a avaliação de vacinas da forma mais convencional, de acordo com Pascal Soriot, CEO da farmacêutica AstraZeneca. A empresa trabalha com a Universidade de Oxford numa das vacinas mais adiantadas contra o vírus.

 

Sem cura

A falta de um medicamento para salvar pessoas gravemente doentes é uma das principais preocupações éticas sobre os ensaios de desafio humano, juntamente com o conhecimento limitado sobre um vírus que matou quase meio milhão de pessoas no espaço de poucos meses.

 

Uma parceria lançada pelos Institutos Nacionais de Saúde dos EUA (NIH, na sigla em inglês) não prevê apoiar esses estudos para a covid-19, informou a agência por e-mail.

 

Ainda assim, o modelo ganha mais atenção. Um projeto focado em estudos de desafio humano liderado pela Universidade de Antuérpia e pela Universidade Livre de Bruxelas atraiu 20 milhões de euros em financiamento do governo belga, segundo as instituições. A iniciativa de estabelecer centros e laboratórios para testar vacinas atraiu o interesse de farmacêuticas, segundo as universidades.

 

Kleinwaks diz que no princípio teve dúvidas, mas depois acostumou-se à ideia após avaliar os riscos. A apoiar a sua decisão de ser voluntária, diz, está a lição do Talmude - salvar uma vida é semelhante a salvar o mundo inteiro - e um desejo de ajudar a acabar com o surto.

 

"Todos corremos o risco de exposição cada vez que saímos de casa", disse a estudante de engenharia (na foto em baixo), de 23 anos. "Ninguém tem a garantia de estar seguro".

 

Habitualmente as vacinas são testadas com a contaminação de um largo número de pessoas, sendo depois comparadas as suas taxas de infeção com a de outro grupo de voluntários que não foram vacinados. Mas esperar que ambos os grupos fiquem expostos à doença nas suas vidas normais para que seja possível retirar conclusões sobre se a vacina funciona pode demorar meses ou mesmo anos.

 

A iniciativa que atraiu Kleinwaks é organizada pela 1DaySooner, um grupo que atua em nome de pessoas que estão disponíveis para participar nestes testes de desafio. A organização tem tido conversações com potenciais parceiros e fabricantes de vacinas de forma a iniciar a produção do vírus, diz Josh Morrison, um dos fundadores.

 

Voluntários brasileiros

 

Mais de um quarto dos voluntários estão no Brasil, um país com uma rápida propagação do coronavírus. A 1DaySooner contactou fabricantes de vacinas que pretendem avançar com testes finais a sugerir que considerem pessoas da sua lista para a realização de estudos convencionais, acrescentou Morrison.

 

A motivação dos voluntários não é sempre a mesma, mas muitos citam o objetivo do bem comum. Jason Crowell, um advogado de 42 anos que reside em Londres, conseguiu persuadir a sua relutante esposa para também se juntar ao grupo depois de terem assistido a mais de 40 mil vítimas mortais no seu país, incluindo um dos seus amigos.

 

Sentir-se útil

 

Gloria Lee, violonista, soube da oportunidade de se juntar ao movimento dos testes depois da pandemia ter forçado o cancelamento de um recital previsto para o início de maio na Universidade de Nova Iorque, que marcaria a sua estreia a solo nesta cidade.

 

"Comecei a pensar sobre o que poderia fazer para ser útil e fazer parte de um esforço para acabar com este vírus", disse Lee, de 30 anos (na foto em baixo). "É a coisa mais importante que posso fazer nesta altura".

 


Além de acelerar o desenvolvimento de vacinas, os estudos com humanos também podem tornar a vacina mais eficaz, de acordo com a Organização Mundial de Saúde, que definiu os critérios que têm de ser cumpridos para que os testes possam ser feitos. Os proponentes dizem que esta abordagem já foi utilizada no passado em doenças como a malária, febre tifóide, cólera e até gripe.

 

A sociedade pede aos bombeiros voluntários para entrarem em edifícios em chamas e às pessoas para doarem órgãos aos seus familiares, escreveram em março os cientistas Nir Eyal, Marc Lipsitch e Peter Smith, defendendo que os estudos podem focar-se em pessoas com idades entre 20 e 45, uma faixa etária onde a probabilidade de a doença gerar complicações é muito baixa. 

 

Mas os estudos podem demorar vários meses a arrancar e o NIH defendeu que a transmissão do vírus deverá ser suficiente este verão nos EUA para arrancar com os testes convencionais. A agência também citou "elevadas considerações éticas" nos destes de desafio com humanos.

 

Fazer testes à pressa sem ter em consideração o impacto que podem ter na disponibilização rápida de vacinas à população pode ser um erro, mas "vale a pena preparar o terreno para esse cenário", escreveu Seema Shah, especialista em ética da Feinberg School of Medicine da Northwestern University, num artigo publicado no New York Times.

"Temos de garantir que os voluntários não se vão expor a um risco em vão", escreveu Seema Shah. "A confiança pública nas vacinas e na investigação depende disso".

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