Notícia
Os erros de Espanha também são os de Portugal?
É em Espanha que todos os olhos estão agora focados desde que o surto semeou a desordem no continente europeu. Depois de Itália que parece finalmente estar a atingir o pico dos contágios mas ainda com níveis de mortalidade dramáticos, é Espanha o país que mais preocupações suscita. A questão já não está em saber se vai seguir Itália, mas sim saber se vai ser pior do que Itália. Mas afinal o que correu mal em Espanha? Por que razão não conseguiu defender-se melhor de uma crise anunciada? Que erros foram cometidos? E Portugal, repetiu os mesmos erros?
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Espanha
Resposta tardia
Só um mês e meio - 43 dias - depois do primeiro caso de covid-19 é que o governo espanhol declarou o Estado de Emergência. Com a declaração chegou a quarentena obrigatória, o fecho das escolas, o teletrabalho passou a ser regra e a circulação da maioria da população ficou limitada apenas ao necessário. Sem obrigação de o fazer, os centros comerciais acabaram por fechar por falta de clientes. O primeiro caso de covid-19 foi detetado nas Canárias a 31 de Janeiro, mas Espanha continental começou a registar infetados a partir de 26 de fevereiro - quando também começaram a ser detetados novos casos diariamente. Durante esse mês, o Governo e as autoridades de saúde desvalorizaram o surto, mesmo sabendo o que se passava em Itália, dizem os críticos.
Portugal
Resposta mais rápida
Já Portugal parece ter respondido de forma bastante mais rápida ao problema. Segundo um levantamento feito pelo Observador, que compara Portugal com outros países, incluindo Espanha, o Governo português demorou menos tempo a reagir do que a vizinha Espanha. Depois de alguma resistência (recorde-se que o Conselho Nacional de Saúde Pública era contra), as escolas fecharam 14 dias após o primeiro caso (detetado a 2 de março) e numa altura em que tinham sido confirmados apenas 331 casos. O Estado de Emergência chegou 17 dias depois do primeiro caso.
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Espanha
Realização de grandes eventos
Espanha já contava com cerca de 430 casos e uma região isolada mas, ainda assim, realizaram-se, a 8 de março, manifestações imponentes pelo Dia da Mulher por todo o país (só em Madrid juntou 120 mil pessoas) que poderão ter potenciado o surto. A ministra da Igualdade (mulher de Pablo Iglésias), que participou na manifestação em Madrid, é uma das infetadas e tem sido muito criticada. Irene Montero lembra que as autoridades de saúde não impediram manifestações e lembra que também se realizaram eventos desportivos, culturais e políticos. É o caso do congresso do partido de extrema-direita Vox que juntou mais de nove mil pessoas. O seu líder e outros deputados do partido estão infetados. A federação de futebol espanhola só cancelou o campeonato a 12 de março.
Portugal
Acesso a eventos vedado
Ao contrário de Espanha, as manifestações de 8 de março tiveram pouca expressão em Portugal, embora poucos dias depois milhares de pessoas tenham aproveitado as temperaturas amenas para se juntarem nas praias da Grande Lisboa. Já os jogos do campeonato de futebol, estes foram cancelados a 12 de março, dez dias depois do primeiro caso de covid-19 em Portugal. Antes disso, o Governo já tinha exigido, primeiro, que eventos com mais de 1.000 pessoas decorressem à porta fechada. A 15 de março, o Governo proibiu eventos com mais de 100 pessoas.
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Espanha
Instabilidade política
Com um Governo minoritário, com apoios parlamentares fragmentados e recém-empossado, a incerteza política e a divisão em 17 comunidades autónomas também podem ter dificultado a tomada de decisões coerentes pelo país. Sem querer arriscar, Pedro Sánchez, adiou medidas difíceis como a limitação de circulação (muito mal vista por uma população que ainda tem a ditadura na memória). E as comunidades autónomas começaram a tomar decisões sozinhas: dois dias antes do Estado de Emergência, a Catalunha ordenou o isolamento a 70 mil pessoas na região de Barcelona. A fraca coordenação entre regiões e o Governo central fez também com que Madrid fechasse universidades e escolas mais cedo, gerando uma atmosfera de férias que levou milhares a bares e discotecas.
Portugal
Hesitação e empurrão do PR
António Costa lidera também um governo minoritário mas com um parlamento mais estável e mais solidez por ser o seu segundo governo. A sua hesitação em fechar escolas levou as universidades a avançar por sua iniciativa gerando o mesmo ambiente de férias e festa verificado em Espanha. O país ficou chocado com a imagem de milhares de jovens nas praias de Carcavelos. Também em relação ao Estado de Emergência houve uma resistência passiva do primeiro-ministro que aceitou a decisão do presidente. De resto, o governo tem tido apoio político.
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Espanha
Poucos testes
A falta de testes é queixa desde o início e poderá explicar a incapacidade de Espanha em detetar o crescimento do surto. Até há uma semana os médicos espanhóis não podiam fazer um teste de diagnóstico sem ter autorização. "Eu podia pedir um teste para uma gripe, mas não para o coronavírus", descreveu um profissional de saúde ao El Pais sobre a política de resposta inicial ao surto. Os hospitais ainda não conseguem processar mais de 400 testes por dia, por falta de ‘kits’ e de capacidade de análise. Na quinta-feira rebentou a notícia de que o Governo espanhol comprou 340 mil testes rápidos a uma empresa chinesa sem licença. E os especialistas espanhóis concluíram que os testes tinham apenas 30% de sensibilidade (contra os 80% anunciados).
Portugal
Demora nos testes
A falta de testes em Portugal tem sido muito criticada também e, tal como em Espanha, no início estes só eram realizados quando havia sintomas da doença e as pessoas tinham estado em zonas consideradas perigosas ou em contacto com doentes. Depois disso o critério foi-se alargando de forma gradual, mas continuam a ouvir-se queixas de falta de testes. A OMS já veio avisar que a realização de testes é fundamental para travar o surto. Portugal está neste momento a fazer cerca de 2 mil testes por dia (numa capacidade de 4 mil). Tem um stock de 30 mil testes, mas.
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Espanha
Falta de material
Um grande hospital espanhol pode consumir 5 mil máscaras cirúrgicas por dia, além do restante material de proteção, que os profissionais de saúde dizem não existir. Pelas contas das ordens espanholas de médicos, farmacêuticos, enfermeiros, dentistas e veterinários há cerca de 721 mil profissionais "numa situação de total insegurança e falta de apoio". O Governo garante que nas próximas oito semanas vão chegar 550 milhões de máscaras e 11 milhões de luvas ao país. Especialistas ouvidos pelo El País admitem que os países europeus não se precaveram para pandemias, ao contrário do que fizeram os países asiáticos, afetados pelos vírus SARS e MERS. Este parece ser um problema de quase todos os países europeus que se degladiam nos mercados internacionais para obter material.
Portugal
Material gera queixas
A falta de material de proteção para profissionais de saúde é também uma queixa em Portugal. Tal como em Espanha, as ordens dos médicos, enfermeiros e farmacêuticos escreveram ao primeiro-ministro para descrever a falta de luvas, máscaras, fatos de proteção e desinfetantes no terreno. O Governo recusa e responde com os milhões de unidades de material encomendado. Ontem, depois de António Costa ter visitado o Curry Cabral, o chefe de infecciologia do hospital garantiu que ainda não faltou equipamento e recusou que tal aconteça no curto prazo.
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Espanha
Médicos infetados
Segundo os jornais internacionais, cerca de 14% (cerca de 5.400, na terça-feira) dos infetados com o novo coronavírus em Espanha são profissionais de saúde: além de médicos e enfermeiros, são sobretudo assistentes que têm tido contacto próximo com doentes de covid-19 que foram, eles próprios, infetados. À medida que o número de profissionais de saúde infetados sobe, sobretudo por falta de material de proteção, dispara também a preocupação com os doentes - e a capacidade de conseguir acompanhá-los na sua recuperação. Com a falta de recursos humanos, com muitos médicos de quarentena e com a subida de novos casos, os hospitais estão sob uma forte pressão, o que está a dificultar o tratamento de todos os doentes da mesma forma.
Portugal
Também há médicos infetados
Também em Portugal há vários profissionais de saúde infetados. Segundo o bastonário da Ordem dos Médicos, 20% dos infetados são médicos, um número que não foi confirmado pelas autoridades. A DGS desvalorizou o número, lembrando que nem todos os profissionais apanharam o vírus enquanto trabalhavam, havendo vários casos de infecções em situações de lazer. Tal como em Espanha, a propagação do vírus entre profissionais de saúde coloca muita pressão sobre os serviços não só porque reduz os recursos mas também porque põe doentes vulneráveis em risco.
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Espanha
Vírus nos lares
O novo coronavírus também revelou falhas profundas no sistema de assistência social espanhol. Com fracos recursos financeiros, os lares de idosos espanhóis estão muitas vezes sobrelotados, com falta de pessoal e despreparados, com os assistentes a queixarem-se de falta de material de proteção. Foram detetados vários casos de idosos infetados em lares - e muitos trabalhadores foram para casa em quarentena, enquanto veem a situação nos seus centros a piorar, já que muitos dos idosos não estão a ser testados. O exército espanhol foi chamado a intervir e encontrou algumas pessoas mortas nas suas camas. Os idosos são especialmente vulneráveis a esta doença e os lares em Espanha apresentam taxas de mortalidade de até 20%.
Portugal
Idosos em lares serão testados
Em Portugal, também os lares de idosos inspiram preocupação. Uma casa com 20 idosos infetados (dos quais sete funcionários) em Vila Real foi evacuado e os utentes com covid-19 transferidos para o hospital militar do Porto. Depois da evacuação, vai ser desinfetado o edifício e, "à medida que for possível, irá reabrir", acrescentou. Os lares em Portugal também têm o mesmo problema de falta de funcionários que em Espanha. Com a entrada na nova fase de mitigação, os idosos que vivem em lares passaram a ser prioritários no acesso aos testes de despiste do vírus.
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Espanha
Hospitais públicos sem recursos
Os espanhóis são bastante orgulhosos do seu sistema de saúde público, sobretudo nos cuidados primários, mas os hospitais do país sofreram fortemente com uma década de austeridade, em seguimento da crise financeira de 2008. Espanha tem apenas um terço das camas hospitalares per capita de outros países com uma resposta mais positiva ao surto, como a Alemanha. Além disso, o país tem falta de ventiladores, essenciais para o tratamento de casos mais graves da covid-19. Muitas das unidades de cuidados intensivos estão a operar ao dobro da sua capacidade e preparam-se para a eventualidade de escolher quem salvam. Perante a grande competição internacional, algumas comunidades autónomas avançaram para a compra de material sem esperar pelo Governo central.
Portugal
SNS fragilizado
Também muito afetados por anos de austeridade, nos hospitais do SNS faltam camas, ventiladores e profissionais de saúde. O Governo reforçou as equipas com 1.000 médicos e 1.800 enfermeiros e comprou 500 ventiladores à China por 10 milhões, que se somam aos 1142 ventiladores. Tal como o Negócios escreveu, Portugal está na média do número de camas para internamento por cada 10 mil habitantes, acima de Espanha Itália, mas muito abaixo do Japão, com bons resultados no combate ao vírus. Nenhum país está preparado, mas um sistema de saúde já pressionado tende a reagir pior.