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Krugman propõe inflação mais alta. Mas será boa ideia?
Prémio Nobel veio a Sintra com uma proposta polémica: inflação de 4%. Economistas dividem-se. Otmar Issing, ex-BCE é completamente contra.
Paul Krugman veio a Portugal defender uma meta de inflação de 4%, o dobro do valor que é hoje o objectivo tanto do BCE, como da maioria dos bancos centrais das economias avançadas. Segundo o prémio Nobel, esta seria uma forma de evitar os riscos de deflação e facilitar os ajustamentos salariais na Zona Euro. Mas os críticos avisam para o risco de perda de credibilidade dos bancos centrais e para os custos que a inflação impõe, especialmente sobre os mais pobres.
Há poucas coisas que aflijam mais os economistas que um cenário de deflação ou inflação baixa que desincentive investimento e consumo, especialmente quando associado a taxas de juro próximas de zero – o que significa que os bancos centrais ficam de mãos atadas. Não é por acaso que lhe chamam armadilha de liquidez: há dinheiro barato na economia, mas ninguém quer gastar. A experiência japonesa dos últimos 15 anos evidencia a dificuldade de sair de uma situação desta natureza, e no último ano teme-se que a Zona Euro esteja a arriscar uma década japonesa. O tema de Krugman não podia por isso ser mais actual.
O que o prémio Nobel veio dizer a Sintra é que os riscos de cair numa situação deste tipo aumentaram de forma relevante. O que está a acontecer não é apenas o resultado da actual crise, mas também um sintoma de uma transformação estrutural nas economias avançadas. Ou seja, se no passado o objectivo de 2% de inflação poderia fazer sentido, hoje já não é assim.
No passado, "os episódios com limites de taxa de juro zero eram vistos como improváveis com uma taxa de inflação de 2%, mas hoje vemos que esta é uma restrição maior do que antes", afirmou apontando para os últimos anos na Europa e nos EUA. Mas Krugman considera mesmo que o risco vai aumentar no futuro, isto porque o envelhecimento populacional e o fim da bolha de crédito dos últimos anos irão retirar potencial de crescimento às economias, especialmente na Zona Euro, e reduzir a taxa de juro natural. Estes dois factores são "uma espécie de política de austeridade natural", descreveu.
É por isso que considera que "a história sugere que a taxa de juro real está a cair", afirmou o professor em Princeton, acrescentando que "o ambiente em que tivemos uma taxa de juro real em torno de 1% nos anos 2000 não se manterá no futuro". Ou seja, as economias avançadas estão agora muito mais próximas do limite de 0%.
Só por si esta alteração chegaria para defender um aumento do objectivo de inflação pelos bancos centrais, defendeu, para acrescentar de seguida dois outros argumentos: por um lado, a dificuldade de gerar ajustamentos nominais de salários na Zona Euro evidencia as vantagens de uma taxa de inflação mais elevada que facilite ajustamentos reais: "Ninguém, excepto os gregos, conseguiu registar cortes salariais nominais (...) os salários pura e simplesmente não caem", afirmou. Por outro, acrescentou, é muito fácil cair, lenta e complacentemente, numa situação de inflação baixa da qual é difícil sair, sendo melhor prevenir que remediar.
"Se pensámos que 2% era um bom valor nos anos 90, é fácil argumentar que deveríamos ir para um valor mais alto". O economista diz que sabe que não será fácil convencer os banqueiros centrais a mudarem um objectivo que assumem com tanto afinco, mas espera que os argumentos que está a apresentar possam contribuir para uma alteração lenta, disse na conclusão da sua apresentação.
Economistas divididos
Mas Krugman não contou a história toda. Vários dos presentes no Fórum do BCE em Sintra acrescentaram outros ângulos. Guido Tabellini, professor na Universidade de Bocconi, concorda que há argumentos para subir a meta de inflação, mas defende que os banqueiros se deveriam ficar pelos 3%.
"Os argumentos para revisitarmos os objectivos de inflação são atraentes, e provavelmente precisamos de os subir um pouco, mas não tanto", afirmou. O economista italiano defendeu que a inflação mais alta poderia funcionar como um seguro contra a armadilha da liquidez, mas tem um "custo permanente" que é sentido especialmente pelos mais pobres. Em segundo lugar, citou estudos que apontam que "quanto mais elevada a taxa de inflação, maior a sua volatilidade". Finalmente, avisou ainda que é mais fácil fazer subir a inflação do que depois conseguir que ela desça: "os custos de fazer a inflação baixar, se por acaso estivermos errados sobre o seu valor óptimo, são elevados".
Quem se opôs totalmente à proposta foi Otmar Issing, ex-economista-chefe do BCE, e um dos mentores da política monetária de Frankfurt. "Não compro esses argumentos e não vejo como poderia ser gerido", começou por dizer. Entre os muitos riscos que citou estão o aumento da volatilidade e, principalmente, os custos de uma inflação mais elevada. A inflação impõe "perdas de bem-estar substanciais", mesmo para "níveis baixos" afirmou, referindo que as economias funcionam com base em "percepções nominais", de salários e pensões, e que uma subida mais rápida dos preços prejudicará famílias e empresas. Os aforradores também perderiam.
Finalmente, Issing avançou com um dos argumentos mais vezes usados pelos banqueiros centrais: demorou-lhes muito tempo a ganhar a credibilidade de assumirem e entregarem uma taxa de inflação de 2%. Começar a mexer nessa meta iria desestabilizar o sistema e arriscaria fragilizar a confiança que as empresas e famílias têm nos banqueiros centrais. "Reancorar as expectativas de inflação não é uma questão mecânica, é uma questão de credibilidade".