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Conselho das Finanças Públicas avisa para riscos de nova crise
O Conselho das Finanças Públicas actualizou as suas previsões e as divergências com Programa de Estabilidade são significativas. O próximo governo tem uma tarefa difícil: a economia pode estar a regressar ao passado.
O Conselho das Finanças Públicas (CFP) actualizou as suas previsões macroeconómicas e orçamentais e traz más notícias para o próximo Executivo. O crescimento deste ano dá sinais de regresso a um modelo de crescimento do passado baseado na procura interna, a economia vai crescer menos do que se pensava, e há o sério risco de o País violar todas as recomendações europeias de redução de défice nos próximos anos.
Na actualização das suas projecções, o CFP espera que a economia portuguesa cresça 1,7% este ano, mais uma décima do que a previsão de Março, o que é uma boa notícia, mas deve ser lida com cuidado: é que a explicar a ligeira melhoria está um aumento superior ao esperado do consumo privado e da procura interna, e uma revisão em baixa do contributo das exportações líquidas para o crescimento.
Na frente orçamental, o défice orçamental deste ano deverá ficar acima da meta do governo de 2,7% do PIB, mas abaixo dos 3% exigidos para fechar o procedimento dos défices excessivos de Bruxelas. O resultado beneficia, em parte, da aceleração da procura interna e da criação de emprego, que têm efeitos positivos nas contas públicas – garantindo mais receitas de impostos e menos despesas sociais - mas fazem soar alarmes sobre um regresso a um crescimento baseado no consumo privado e no endividamento.
O principal problema chega nos anos seguintes: as divergências nas trajectórias de dívida e défice em relação ao plano orçamental inscrito no Programa de Estabilidade entregue em Bruxelas em Março são "muito consideráveis", classificou Teodora Cardoso, presidente do Conselho de Finanças Públicas, em conferência de imprensa.
Regras europeias em risco
Nas projecções do CFP - que admitem a reposição total de salários dos funcionários públicos e da sobretaxa de IRS já no próximo ano – o défice orçamental regressaria a valores superiores a 3% do PIB em 2016 (3,2%), para reduzir apenas lentamente até 2,4% do PIB em 2019.
No Programa de Estabilidade apresentado em Abril o Governo comprometeu-se em Bruxelas a chegar a um excedente de 0,2% em 2019.
Esta evolução das variáveis orçamentais conduziria a uma violação das regras orçamentais europeias, nomeadamente da redução do défice orçamental estrutural (o que ajusta à evolução do ciclo económico) para 0,5% do PIB. No Programa de Estabilidade esse valor seria atingido já em 2016, mas o CFP antecipa um agravamento até 2,7% do PIB em 2019.
Teodora Cardoso deixa o aviso: "A simples ausência de medidas de política orçamental poria em causa a revogação do procedimento dos défices excessivos, uma vez que em 2016 [o saldo orçamental] já seria de novo superior a 3% do PIB". Além disso, continuou a economista, "o objectivo de médio prazo não seria cumprido e a dívida ficaria ainda acima dos 120% do PIB".
Nova crise é risco real
E pior, o que o CFP identifica na evolução económica deste ano são sinais de um possível regresso a um modelo de crescimento do passado, um desenvolvimento negativo que poderia ser acelerado por políticas erradas de um próximo governo. Apoios ao consumo interno e uma política orçamental expansionista são receitas para uma nova crise, chega mesmo a avisar a presidente do CFP.
"Mais importante ainda seria o risco de um crescimento baseado numa política [de estímulo] de crescimento no curto prazo criar condições para uma nova crise", o que seria o fim possível de uma estratégia "de crescimento impulsionada no consumo privado e na queda da poupança e de um acentuar da contribuição negativa das exportações líquidas" para o crescimento. Portugal está demasiado endividado para continuar a gerar défices público e externo, avisa a economista que lembra os resultados económicos sofríveis dos primeiros dez anos deste século para afirmar: "esse modelo não funciona".
Sem querer tecer considerações sobre as propostas debatidas entre os partidos que nos últimos dias debatem a formação do próximo
governo, Teodora Cardoso não se cansou de sublinhar os riscos de um crescimento baseado no consumo e nos estímulos orçamentais que, diz, podem criar "fogachos de crescimento", mas não garantem um crescimento sustentado.
"Atendendo ao grau de endividamento a que chegamos (...) nós temos de calibrar os estímulos na economia de forma a assegurar que as exportações é que calibram o sucesso" e o crescimento. Para isso é essencial estimular o investimento e o aumento de produtividade nos sectores transaccionáveis, defendeu.
Défice estrutural é para reduzir
No que fica como um aviso claro à navegação em matéria de política orçamental, a presidente do CFP lembra que a redução do défice orçamental estrutural é para continuar - isto apesar deste ano, antecipar um aumento desse défice.
"A política orçamental deve seguir uma política de redução do défice estrutural", afirmou Teodora Cardoso que, juntamente com Rui Nuno Baleiras, vogal do CFP, recusaram que isso implique necessariamente mais austeridade na economia como um todo. A política orçamental "ser mais ou menos restritiva depende da complementaridade que for conseguida com a política económica em geral" de forma a conseguir gerar crescimento que compense a contracção do orçamento público, defenderam.
No estudo "Finanças Públicas: Situação e Condicionantes 2015-2019 -Actualização", os especialistas do Conselho de Finanças Públicas calculam que "face ao cenário de políticas invariantes do CFP, o cumprimento do objetivo anual para o saldo orçamental apresentado na estratégia orçamental do Programa de Estabilidade de 2015 exige uma redução cumulativa do défice orçamental de 2,5 pontos percentais do PIB, no período 2015-2019", e diz que o próximo ano será o mais difícil: "No ano mais exigente, 2016, para atingir aquele objetivo é necessário reforçar a consolidação orçamental em 1,4 pontos percentuais do PIB, por forma a compensar os efeitos que uma reposição total da redução remuneratória aos funcionários públicos, a eliminação da sobretaxa e o crédito fiscal previsto no OE/2015 terão sobre as contas públicas, caso se materializem".